Costuma-se associar o rock e o heavy metal a motoqueiros, com jaquetas de couro, dirigindo ao som de bandas como Black Label Society. No entanto existe outro veículo que é constantemente utilizado no cenário da música pesada: estamos falando do trem ou locomotiva a vapor.
É interessante tentar estabelecer, ainda que superficialmente, qual seria o ponto de confluência entre o mundo da máquina e da música. Talvez seja porque o trem, com toda sua força, explosão e velocidade, simboliza aquilo que o rock e o metal têm de melhor: a intensa energia e a sensação de ser implacável, imparável!
E não faltam exemplos desta bem sucedida combinação: Ozzy Osbourne (“Crazy Train”); Megadeth (“Train of Consequences”); AC/DC (“Rock N Roll Train”); Van Halen (capa de “A Different Kind of Truth”); Wolfmother (“Love Train”); e, inclusive, uma banda chamada Train.
Agora imagine um grupo brasileiro que não se contenta apenas em criar uma bela arte gráfica de uma locomotiva quebrando a barreira do tempo, mas que também a incorpora em seu nome (ainda que não tão diretamente quanto o Train fez).
Estou falando do 5th Machine, uma ótima banda paulista de hard rock que lançou seu álbum de estreia intitulado “Back in Time” em junho de 2020. O nome do grupo homenageia um prédio chamado Quinta Machina, localizado na vila histórica de Paranapiacaba/SP, onde eram desenvolvidos projetos ferroviários durante o século XIX.
Levando em consideração o título do álbum, pode-se dizer que é um retorno parcial, temperado, ao passado. O som tem nítidas influências de bandas como Ratt e Dokken (especialmente a primeira) e, logo na faixa de abertura, “5th Machine”, ouvimos o som da velha Maria Fumaça em marcha pelas ferrovias do país. É instantâneo, você se sente transportado para um tempo longínquo, e a sensação é boa.
Mas não se engane, a banda faz um competente trabalho de revitalizar o estilo musical adotado. Temos em “Back in Time” uma releitura do hard rock, e não uma cópia das bandas que consagraram o estilo nos anos 80, afinal, é fato notório que o toque brasileiro deixa a arte mais singular. O som do grupo tem boas inserções de teclado a cargo de Carol Fusco e, especialmente, um ótimo entrosamento das guitarras de Tiago Fusco e Guma, que alternam bem entre os momentos melódicos e os solos no desenvolvimento das faixas. Confira o que a dupla faz em “Mirrors and Bones”, “Say No to Time” e “The Song of a Beggar”.
Merece destaque o já mencionado trabalho nos teclados. A produção de Thiago Bianchi (vocalista do Noturnall; ex Shaman) foi certeira e permitiu que a atuação de Carol Fusco não apenas tomasse o holofote no início de faixas como “The Wind”, “The Song of a Beggar” e “Until the End of Time”, mas também preenchesse muito bem as lacunas deixadas pela bateria, baixo e guitarra, o que, sem dúvidas, garante mais harmonia ao som da banda.
Ainda quanto à produção, o baixo de Eder Zavanella poderia ter sido mais destacado. Apesar da excelente introdução conduzida por ele em “Say No to Time” (ouça!), o instrumento perde em volume para as guitarras ao longo do álbum. Você consegue ouvi-lo, mas precisa de certo esforço. Por óbvio que isto não compromete a qualidade do trabalho, mas um som como este pede um baixo mais presente.
A jornada pelas 11 faixas que compõem “Back in Time” é extremamente agradável, pois a banda sabe criar melodias que prendem a atenção do ouvinte, sem que soem enfadonhas ou repetitivas. É uma receita muito segura: ritmo ora acelerado e ora cadenciado pela condução segura de Boris Boroski na bateria, seguido pelos vocais de Fábio Cabral (que em alguns momentos lembra o estilo de cantar de Ricky Warwick – Black Star Riders), para então culminar em ótimos refrões e solos de guitarra. Em suma, energia, ritmo e muito rock and roll.
Duas músicas se destacam por serem mais rápidas e pesadas, e se encontram naquela zona cinzenta onde não se sabe exatamente se é hard rock ou heavy metal. É o mesmo que ouvir “Highway Star” do Deep Purple. É muito pesado para ser rock? Ou é leve demais para ser metal?
No caso, estamos falando da faixa de abertura, “5th Machine”, cujo timbre das guitarras parece indicar o prenúncio de alguma música do Judas Priest em “Redeemer of Souls”. Logo fica evidente a razão de sua escolha para abrir o álbum, pois você consegue sentir a energia da banda, seja nos riffs pesados, seja na ponte e refrão excelentes, além de contar com um solo de teclado que precede o da guitarra.
A outra música é “Say No to Time” cujo ritmo acelerado nos remete à imagem de uma locomotiva à vapor em pleno movimento. Propositadamente ou não, o efeito criado remete o ouvinte à arte gráfica e deixa tudo ainda mais interessante.
O grupo também apresenta momentos de hard rock tradicional em faixas mais ritmadas, como em “Take Me Away”, na qual Fábio Cabral leva sua voz para tons mais agudos; e “Dreaming Nights”, com boa mudança de ritmo no final. Já o início de “Mirrors and Bones” é uma inegável homenagem ao AOR (“Adult Oriented Rock”) no melhor estilo dos suecos do The Night Flight Orchestra.
Bem, resolvi deixar para o fim a melhor faixa do álbum, pois ela sintetiza o que a banda tem de melhor: criar composições com muita melodia e emoção. “The Wind” realça bem os teclados e conta com um refrão poderoso que dificilmente sai da cabeça. Se Fábio Cabral optasse por cantá-lo 10 vezes ao longo de seus 4:55 min, eu garanto que não soaria repetitivo. Se você aceita uma sugestão, conheça a banda através desta música.
A conclusão que facilmente se chega é de um grupo que, logo em sua estreia, soube explorar muito bem a habilidade de criar um hard rock de qualidade, em um álbum que respeita a sonoridade dos anos 80, mas não abre mão de dar toques modernos ao estilo.
Melodia, ótimos refrões e uma locomotiva a pleno vapor. A banda está em movimento e, o principal, no trilho certo.