Por Samuel Souza
Fotos: Roberto Sant’Anna
Mais um domingo chuvoso em direção ao VIP Station, onde esperávamos ver se o senhor Olve Eikemo, vulgo Abbath, entregaria um show à altura da expectativa dos fãs em São Paulo. Considerando as notícias não tão boas sobre sua apresentação em Joinville, no Armageddon Metal Fest, na noite anterior (18).
Com a chuva indo e vindo e o atraso e cancelamento do serviço de transporte por aplicativo, chegamos à casa quando a primeira banda, Sangue de Bode, já tinha se apresentado. O público ainda estava tímido, mesmo com o aquecimento do lado de fora, parecendo que a turma das camisas pretas planejava chegar bem mais tarde.
Eram exatamente 17h28 quando o Infamous Glory subiu ao palco para destruir tudo com seu Death Metal fortemente influenciado pela escola sueca. Apesar de ter aquele toque melódico à la Dismember, o quinteto possui uma essência própria, extremamente brutal, também mergulhando na segunda onda do Metal Extremo brasileiro. Começaram com “The Funeral Horde”, single de 2021, com um som um pouco embolado no início. A coisa melhorou rapidamente com “Sovereign Of Darkness” e “Drowned in Obscurity”, ambas do excelente álbum “An Ancient Sect of Darkness” de 2019.
Ficou evidente para todos ali o poder de fogo que eles tinham, especialmente o incrível trabalho de guitarras lideradas pelos monstros André Neil e Eduardo Kexo. Apresentaram duas novas músicas do próximo álbum, que será lançado em 2024: “Ruthless Inferno” e “In The Cold Mist of Death”, esta última encerrando sua participação e mostrando que têm muitas ideias promissoras a caminho. De forma impactante, surpreenderam muitos presentes, alguns dos quais sequer os conheciam. Mais uma prova de que bandas brasileiras também deixam sua marca!
Com 20 anos de estrada, os colombianos do Vitam et Mortem deixaram uma ótima impressão em sua primeira passagem por aqui. Com uma estética marcante e uma sonoridade que evoca fortemente o Behemoth e o Belphegor, o quarteto arrancou saudações calorosas da plateia logo na primeira música, “Bienvenido (al reino de los muertos)”, do álbum “Death Metal 666” de 2010. Julian Trujillo, guitarrista e vocalista, demonstrou claramente sua satisfação em tocar para os brasileiros, agradecendo constantemente.
Vale ressaltar que os vocais de apoio são feitos pelo baterista Julian Rodriguez. Musicalmente afiados, faixas como “Oro y dolor”, que inclui até uma incursão de flauta, e “El animero”, representam bem a mistura que eles realizam entre Black e Death Metal, mesclando a ancestralidade pré-colombiana contra a mão de ferro religiosa dos europeus. Encerraram com “Looking my Decomposition”, faixa do álbum de estreia “Commanding the Obscure Imperius”.
Uma longa pausa, com a casa bem mais cheia e muita gente resolveu esperar sentada pelo chão (falta na casa alguns bancos na pista, diga-se) os cerca de 40 minutos de intervalo até os noruegueses do Abbath iniciarem o ataque. Escuridão e ansiedade se misturavam a um público que disputava a grade com os fotógrafos, coitados, penaram para trabalhar. O apocalipse negro iniciou com “Triumph” do Immortal, faixa presente no álbum “Damned in Black”, amplamente divulgado no Brasil, mas que não teve o mesmo abalo que os anteriores causaram numa geração.
Ganhando o público de cara, emendaram “Dream Cull”, música do novo álbum “Dread Reaver”, mote dessa tour na América Latina. Para somar à alegria de todos, a qualidade de som estava bem acima da média e, melhor ainda, a visível sobriedade do líder, Mr. Eikemo, tornou o espetáculo uma entrega seminal de respeito ao fã e de fã para com o artista. Ele pode ser bonachão, faz caras e bocas, e, sem parar um minuto sequer de uma ponta a outra do palco, Abbath cravou que, ainda que denso e favorecido ao ódio, o Black Metal pode ser uma liturgia atraente à luz dionisíaca entre prazer e música.
Ainda do recente disco, foi bom perceber a boa receptividade em “Acid Haze” e “Dread Reaver”. Pescoços faltaram se quebrarem com o Heavy Black de “Battalions” do seu bem-sucedido projeto I. E claro, o caldo engrossou de vez quando voltaram a tocar Immortal, com rodas sanguinárias para receber “In My Kingdom Cold” e “Beyond the North Waves”, ambas do já clássico “Sons of Northern Darkness” lançado há 21 anos. Para decepção de alguns, que gritavam por músicas dos dois primeiros discos do Immortal, elas não vieram à tona. A gente entende o clamor do fã mais ortodoxo, mas ali era um show do Abbath, que entregou bem mais do que se esperava.
Do debut da carreira solo, de título homônimo, tivemos as sensacionais “Winterbane” e “Fenrir Hunts”. Confesso que estava ansioso para ouvir outra canção do I, e quando os primeiros riffs de “Warriors” soltaram dos falantes, o prenúncio da morte arrancava as almas em uníssono, com punhos cerrados da audiência cortando a fumaça e a escuridão. Nesse momento, o sentimento era que estava em um show de uma velha banda tradicional de heavy metal. Para não deixar nenhum espírito vagando, mais uma matança do Immortal iria ceifar a todos: “One by One” colocou o local abaixo. O poder da canção, bradada fortemente por todos, sentenciava uma noite memorável.
Com um clima de confraternização, os mais animados (era feriado no dia seguinte para alguns… para outros, nem tanto – isso inclui este redator), esperaram o folclórico Abbath para os devidos retratos. Ele ainda atendeu com corpse paint os fãs logo após o show e alguns minutos depois, antes de pegar a van, ainda trocou figurinhas e cervejas com aqueles que o esperavam na parte de fora. Sim, o homem estava bebendo, mas pelo que percebemos, nada mais em excesso. Afinal de contas, com uma apresentação bem executada e uma banda afiada, a satisfação na cara dos fãs pagou bem a conta.