Cruzado, swing são nomes de golpes de boxe e o novo nocaute, para um vocalista que integrou a banda Knock-Out, com a qual ficou de 1988 a 1994 e gravou o álbum Vai ou Racha (1990), surge como um recomeço de luta do lado autoral para Marco Ackua Calomino. Seus projetos de shows recheado de covers, Ackústico e Ackuaband, estão ativos, mas ver o músico e vocalista registrando novas composições após ter passado por um infarto em junho de 2020 é animador. Ainda mais para quem o viu em alguma das bandas que passou além do Knock-Out, como Viúva Negra, Poncio Pilatus, Big Balls e Laser. Recentemente, Ackua divulgou a primeira das novas, R u ready for my Love, que traz a participação do guitarrista Edu Ardanuy (Sinistra, ex-Dr. Sin, Anjos da Noite e A Chave). A ROADIE CREW falou com ele sobre esta nova fase, confira!
Como se deu este retorno e o ânimo para voltar a compor “depois de um longo e tenebroso inverno”, como você mesmo declarou?
Marco Ackua Calomino: Na verdade, nunca deixei de compor. Os meus primeiros dez anos de música foram voltados a som próprio. Em parcerias com o Xando no Big Balls, Fares no Knock-Out, Krika no Poncio Pilatus e várias composições próprias… Em especial, as voltadas para o blues e baladas. Sempre fui chegado no lado romântico e em letras que falam de relação conjugal. Era o precursor da ‘sofrência’ dos dias de hoje. Essas ‘novas canções’ surgiram da ideia de pincelar algumas coisas do passado e que não foram conhecidas e foram rejeitadas por bandas que eu toquei. Se eu quisesse inclusive poderia fazer um ‘best of’ de todo esse material. Se pegar duas de cada banda de som próprio e mais umas 4 novas vira um play com 12 músicas facilmente.
Seu novo material autoral traz hard rock, blues, rock com suingue e toques de modernidade. Para quem sempre foi conhecido como um discípulo de David Coverdale, como foi trabalhar nestas novas composições?
Ackua: Hard e blues estão na veia, assim como música negra em geral, pois ouvia isso quando criança. Meu pai ouvia Stevie Wonder, Earl Grant, Sinatra, Altemar Dutra, minha mãe Elvis e Roberto Carlos e meu tio era Beatlemaníaco. Enfim, convivi com música boa desde sempre. O Coverdale foi amor à primeira vista. Eu o assisti no Rock in Rio (1985) e pirei nas interpretações e na presença de palco dele. Até então, para mim o Deep Purple era só fase Gillan. Ao lado do Elvis, Coverdale é a minha maior influência como cantor. Claro, amo vários outros, como Ian Gillan, Robert Plant, Steven Tyler, Glenn Hughes, Dio, Freddie Mercury… Não tem como não gostar desses caras, mas Coverdale e Elvis têm timbre e interpretação que mexem no coração.
A primeira faixa que divulgou, R u ready for my Love, contou com a presença de Edu Ardanuy, atual Sinistra. Como se deu o convite e qual a análise sobre o solo que ele criou?
Ackua: Eu e o Edu nos conhecemos há quase 40 anos. O vi tocando no Black Jack Bar (SP) com uma banda chamada Este Lado Para Cima, juntamente com os seus irmãos Átila e Marcus, e o Paulinho Steffen (Flipper), que gravou teclados em um dos lados da bolacha do Knock-Out. O Edu é um cara que possui a humildade dos caras que tocam muito. Liguei para ele, mostrei a música e no dia seguinte estava gravado o solo – aliás, um puta solo, e um dos melhores que ele já criou – e o vídeo. Super profissional, super divertido e absurdamente talentoso. Um querido que levarei para sempre no coração.
Você é um cantor que passou boa parte da carreira vivendo na noite. Como dialogar com o público, tanto os que o seguem como os da nova geração, para que confiram seu trabalho autoral?
Ackua: A noite e o sereno fazem parte de todos que entram nessa estrada. Muitas hérnias de disco de carregar caixas pesadas antes e depois dos shows e fazer caber dentro de um fusquinha (risos). Falar com o público é uma incógnita, mas procuro ser sempre o mais honesto possível. Falo com todo mundo e procuro interagir ao máximo, mesmo sabendo o mal que faz ficar falando após os shows. Pode parecer frescura, mas é foda competir com o som alto e com as pessoas que estão no ambiente, e depois ter que estar pronto para um show novamente como se nada tivesse acontecido. São mais de 2400 shows e ainda contando. Muita coisa já vivi nisso e não pretendo, nem posso parar tão cedo. Vou até o fim. Foram 64 lives com ingresso pago antecipadamente durante a pandemia.
Esta foi a primeira vez que fazer parceria com seu filho Gabriel em um som que teve a parte instrumental composta por ele? Como desenvolveu este trabalho?
Ackua: Sim, foi o primeiro. Meu filho estava tocando um som dele, e eu gostei da levada meio suingada. Chamei-o de canto e gravamos uma demo caseira com o esboço. Hoje ela está com piano e um belo naipe de metais, mas não sei definir o estilo. É meio funk, suingado, com blues e rock, essas misturebas… Eu gostei do resultado final. Muito rockeiro radical pode não gostar, mas eu gostei. Fiz para mim mesmo (risos) e espero que gostem. É uma letra em português que fala de relacionamento (só pra variar) de forma meio satírica.
E quanto ao lado blues, que traz a presença do santista Mauro Hector (Caviars Blues Band, Crosstown Traffic, Fast Fusion e Druídas)?
Ackua: O Mauro é um gênio da guitarra reconhecido no Brasil inteiro dentro do estilo e é um doce de pessoa. Extremamente educado e é uma máquina de tocar. Ele nunca erra nenhuma nota. Impressionante. Se ele estivesse na gringa seria milionário e facilmente estaria ao lado do Eric Gales ou mesmo do Joe Bonamassa. Um monstro! Eu mostrei o blues e ele rapidamente ele montou quatro linhas de guitarra que conversam entre si, em perfeita harmonia. Se ouvi-las separadamente acha meio maluquice, mas quando estão juntas soam perfeitas. Está aí a genialidade do cara. Um querido irmão que quero levar para sempre também. Por sinal, em um futuro próximo, gostaria de gravar um disco voltado para o blues rock, rhythm and blues e soul, mas antes preciso de uma galera que esteja na mesma onda, pois aí tudo fica mais fácil.
Voltando ao passado, você integrou o Viúva Negra, passou pelo Poncio Pilatus, Knock-Out, Big Balls e até trabalhou com A Chave. Para quem não é familiarizado com estes nomes, como resumiria a carreira no passado e aquela sua ‘coletânea’, que agora conta com mais de 70 músicas gravadas?
Ackua: Boa pergunta. As 70 músicas viraram mais de 100 (risos). O Viúva Negra, que tinha uma homônima com o mesmo nome e famosa, era uma banda de amigos de adolescência. Fui chamado para cantar em um ensaio, pois o vocalista deles havia furado com eles e nunca mais parei de cantar. Somos amigos até hoje – Aranha, Poodle (in memorian), Ale Rondelli, Luiz Cabeção, Vela e Grego. Foi o start para eu conhecer o Luiz Heavy (in memorian), que conhecia os caras do Inox e me levou para conhecê-los. Lá se encontrava o Krika em outra sala tocando Van Halen (como poucos interpretam) e eu fui apresentado a ele. Seis dias depois, estávamos tocando no Bixiga e fizemos muitos shows em São Paulo e Brasil afora – Krika, Neto, Bunny e depois o Vitor Bonesso. Fizemos muitas músicas próprias e mesclávamos com covers ao vivo. Depois veio o Knock-Out, e foi paixão à primeira vista. O Junior é um gênio da guitarra e conseguia colocar harmonias cabulosas em qualquer melodia chiclete que eu inventava. Era um processo inverso de composição que eu pirei. Era muito fácil compor com eles – Fares Junior, Eduardo Bolinha, Marcelo Ravelli, Paulo Flipper e Tico. O Xando Zupo foi um parceiro de início do Big Balls, que teve o nome sugerido pela Fran, saudosa mãe do Xando, partindo de uma música do AC/DC. Ela era toda rock’n’roll, linda e muito querida. Eu voltei para banda em 1994, compusemos um monte de outras coisas. O Big Balls contou com Xando, Tigueiz, Neto, Montanha, Zé Luiz Rapolli, Renato Panda, Pedro Crispi e Alex. Então, a vida seguiu seu curso, minha mãe estava em um processo drástico de câncer terminal e eu me vi sozinho com essa dor na época. No ano seguinte meu filho Gabriel nasceu, e logo na sequência veio a Giovanna. Meus eternos bebês, e tem a Pamella, que é do primeiro casamento da minha ex-esposa e nos tratamos como pai e filha até os dias de hoje.
Além de seus acústicos individuais, existem planos para retomar shows com a AckuaBand ou algum outro projeto?
Ackua: A Ackuaband é um projeto de eventos, dificilmente toca em lugares abertos hoje em dia. São músicos extremamente versáteis e competentes (Adriano, Vitor, Rafael e o eterno Guga, que está morando em Vegas) e estão na estrada pegando sereno faz tempo. Quando tem eventos eles são os caras, ou então meus amigos de Santos (Ackua brothers – Nando Lee, Paulo Faria, Kb, Fernando Faustino), que é só passar o reperta e os caras saem tocando ao vivo. Todos são músicos fantásticos que eu aprendi muito, principalmente de me jogar em outros estilos, como pop anos 80, que eu jamais teria coragem de fazer por ser uma linguagem completamente diferente do rock. Hoje convivo pacificamente com esses estilos. O Ackústico (com CK mesmo) é a forma que encontrei para sobreviver durante a pandemia e, após o infarto, me aprimorar como musicista. Eu passei a me acompanhar e bolar versões de fácil digitação como instrumentista, e que demoraria muito com uma banda. Hoje se me contratarem eu direciono para o público que está no lugar. Apresento o repertório de aproximadamente 800 músicas e monto com o contratante o que ele quer ouvir. Daí não tem erro. Estar sozinho com um violão é um desafio enorme, pois não há ninguém para se apoiar (exceto Deus que está sempre conosco). Por outro lado, nos dá a liberdade de tocar muito mais coisas e criar versões surpreendentes até para nós mesmos. Violão é um instrumento extremamente versátil.
Não deve ter sido fácil passar pelo infarto…
Ackua: O infarto foi um widowmaker, onde 95 % dos casos leva a óbito e, no ano seguinte, metade desses 5 % morrem também. Sobrevivi porque Deus quis, não era a minha hora e agradeço demais por isso, pois não tenho sequelas. Foi um milagre mesmo, uma segunda chance de vida.
Para finalizar, quais vocalistas brasileiros você destacaria?
Ackua: Dentro do meio existe muito pouca ajuda mútua e os caras não se citam ou então fazem sempre a sua panelinha, mas alguns caras que admiro como cantor são os irmãos Nando Fernandes (Sinistra) e Rogério Fernandes (Carro Bomba), além do BJ (Spektra, Jeff Scott Soto), Rodrigo Grecco (Casa das Máquinas), Andres, Cristopher Clark, KB, Simbas (ex-Casa das Máquinas, Inteligence, Tutti Frutti e outras), Sérgio Sheman (Platina e Cherokee), Paulinho Heavy (o primeiro de todos que conheci pelo Som pop), o Lobão do Blow Up (pai de todos), Julio Cassetari, Rildo, Leandro Caçoilo (Viper, Caravellus), Aldre Lima, Sandra Honda, Fabi Fernandes, Lucas Degasperi, João Maria (grande intérprete em Santos), Alex Zambrana (Quadriphonix, Alma Djem) e muitos outros que certamente cometerei injustiças por não tê-los mencionado, mas de prima esses me vieram em mente.
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