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IRON MAIDEN – São Paulo (SP)

Por Luiz Tosi

Fotos: Rafael Andrade

No final os anos 1990, o Iron Maiden iniciou uma tradição que perdura até hoje: intercalar as tradicionais turnês para promover álbuns com “Special Tours”, turnês comemorativas ou temáticas. A primeira mais significativa foi a “The Ed Hunter Tour”, de 1999, uma ‘Greatest Hits Tour’ que promovia Ed Hunter, um game tosco acompanhado de uma coletânea da banda; e, principalmente, marcava o retorno do vocalista Bruce Dickinson à Donzela de Ferro após seis anos em carreira solo. Então, veio a “Give Me Ed… ‘Til I’m Dead Tour” (entre a “Brave New World” e a “Dance on The Road” tours), a “Eddie Rips Up the Tour” (The Early Days, minha favorita), as bombásticas “Somewhere Back in Time”, “Maiden England” e, finalmente, a “The Legacy of the Beast Tour”, que deveria se encaixar em algum lugar entre a “The Book of Souls” e a que viria ser a “Senjutso Tour”. Deveria…

Iniciada em maio de 2018, a “The Legacy of the Beast Tour” que, assim como a turnê que deu origem à série, também foi desenhada para promover um game tosco, foi descrita pelo empresário da banda, Rod Smallwood, como uma “history/hits tour”: “o design do palco conta com “vários ‘mundos’ diferentes, mas interligados, com um setlist cobrindo uma grande seleção de material dos anos 80 com um punhado de surpresas de álbuns posteriores”. Realmente, cumpriu o prometido, o setlist trazia gratas surpresas como Aces High e Revelations, alguns presentes de Deus como Where Eagles Dare, For the Greater Good of God, The Wicker Man e The Evil That Men Do, além da jóia da coroa: Flight of Icarus – no set pela primeira vez desde 1986 – além, é claro, do “bloco do mais do mesmo”, com The Trooper, Fear of the Dark, The Number of the Beast, Iron Maiden (ainda?!) e afins.

A “Legacy Tour” passou pelo Brasil em outubro de 2019, com apresentações no Rock in Rio e por São Paulo (SP) e Porto Alegre (RS). O sucesso foi tanto que a turnê ganhou uma segunda perna, com set parcialmente alterado, para mais trinta e cinco datas em 2020. Aí veio a pandemia, o mundo parou e a turnê foi remarcada para o ano seguinte, porém dessa vez com uma nova data na agenda, justamente o retorno ao Rock in Rio de 2021. Seria a segunda edição consecutiva da banda no festival e na mesma turnê. Então, o Iron Maiden aproveitou a pausa para entrar em estúdio e anunciou para setembro de 2021, logo após o fim da “Legacy Tour”, o seu novo álbum, Senjutsu.

Bom, mas faltou combinar com a COVID. Aí, todo mundo sabe o que aconteceu… A Legacy Tour”, desta vez com o Rock in Rio no balaio, ficou para 2022. E foi aí que o meio de campo embolou. Senjutsu foi lançado na data programada, não mais ao final da “Legacy Tour”, mas no meio dela, impossibilitando a banda de montar uma nova turnê de apoio ao álbum, como normalmente faz. Em entrevista ao Loudwire em janeiro último, Bruce Dickinson falou sobre o assunto: “Não podemos mudar a turnê tanto assim, porque todo mundo pagou para ver o show da turnê “Legacy of the Beast” e é um ótimo show. Vamos manter todo o nosso visual.” O vocalista ainda prometeu alguns shows futuros apresentando o novo álbum na íntegra – a ver.

Para não deixar o lançamento passar em branco, a solução foi fazer um puxadinho e criar um “momento Senjutsu” dentro do show – um segmento com as três primeiras faixas do álbum dentro do set. “Vamos fazer algumas adições e mudanças na produção e no setlist para incluir novas músicas do nosso novo álbum, Senjutsu, fazendo a versão de 2022 da “Legacy of the Beast” ainda mais espetacular do que o aclamado show original”, contou Rod Smallwood em nota. A ideia soa interessante, gostei. Agora é conferir na prática.

E foi com essa expectativa que fui ao Morumbi num domingo úmido e com os termômetros marcando 10 graus de temperatura. Mas Iron Maiden é dever civil: convocou, a gente comparece! Como esperado, o estádio estava lotado. Se não dava para ostentar as obrigatórias camisetas da banda debaixo de tantos casacos, alguns mostravam sua paixão pela banda com gorros, moletons e cachecóis do grupo. E foi nesse clima europeu que, às 20h10, a clássica Doctor Doctor do UFO manteve a tradição e nos avisou que o show estava para começar.

Sobre o show em geral, sinceramente tenho muito pouco a acrescentar. Afinal, tenho certeza que quem está lendo essa resenha viu, se não ao vivo num dos quatro shows da banda pelo Brasil – além de São Paulo, o Iron Maiden tocou em Curitiba (PR), Ribeirão Preto (SP) e no Rock in Rio (RJ) –, pelo menos pela transmissão da TV da apresentação no festival carioca. Nota dez em todos os quesitos. Palco: Dez! Som: Dez! Perfomance: Dez! Efeitos visuais: Dez!

Dave Murray, Adrian Smith e o baterista Nicko McBrain entraram devidamente agasalhados; Já Steve Harris e Janick Gears, apenas de regatas, se sentiram em casa com o clima Londrino de São Paulo. E o que falar de Bruce Dickinson? Que show! O que esse cidadão está cantando, do alto de seus 64 anos e com um tratamento de câncer no currículo, é brincadeira! Um espetáculo à parte, combinando técnica, força, carisma, performance e visual, com cabelos longos (sustentados por um coque samurai no início do show) e uma calça e jaqueta de couros com camisa branca, lembrando o figurino do histórico show no “Donnington Festival”, de 1992. No geral, não houve nenhuma alteração entre os shows de São Paulo e das outras cidades. Os mesmos backdrops, luzes, efeitos e figurinos. Tudo no lugar, bem ensaiado, inclusive algumas falas entre as músicas foram as mesmas.

Agora, vamos falar sobre o elefante na sala: o setlist – ou, pelo menos, a ordem dele. Se a ideia de plugar esse momento Senjutsu ao show até parecia interessante, na prática ela se mostrou bastante equivocada. Pelo menos como foi executada, encaixando esse bloco logo na abertura do show. O começo foi frio como o dia e a coisa demorou para engrenar. Senjutsu, a música, não funciona como abertura. Para quem teve como “openers” do calibre de Aces High, Wicker Man, Moonchild e algumas esquecidas, casos de Wildest Dreams e Be Quck o r Be Dead (não entendo abandonarem essa música) e até mesmo Man On the Edge e Futureal – ambas da faze Blaze Bayley – essa música se torna longa e maçante. Nem a entrada de um Eddie Samurai conseguiu esquentar o público. Stratego, a segunda, foi muito bem recebida e ficou ótima ao vivo, mas ainda não o suficiente para levantar os fãs. Coube, então, a The Writing on the Wall a missão de encerrar (ou salvar?) o bloco Senjutsu. Quase deu. A música é excelente, também ficou ainda melhor ao vivo e tem potencial para seguir nos shows do Iron Maiden por muito tempo, mas vamos lembrar que no set original da “Legacy Tour” a essa altura já teríamos visto a trinca Aces High / Where Eagles There / Two Minutes to Midnight logo na abertura. Aí complica…

Nada contra as três novas músicas, mas, em minha opinião, abrir com elas foi um erro. Talvez, o bloco Senjutsu no fim do set regular, na abertura do bis, num interlúdio dedicado a ele ou mesmo diluir as três faixas no set, pudesse funcionar melhor. Enfim, isso não saberemos, mas infelizmente o set como ficou acabou prejudicando, inclusive, o próprio álbum Senjutsu ao não fazer justiça a três ótimas músicas, que ficaram excelentes ao vivo e, se melhores encaixadas, poderiam ter sido momentos altos do show. Como diz o editor-chefe da ROADIE CREW, Ricardo Batalha, faltou um “engana-trouxa”, aquela bofetada no início do show que deixa todo mundo extasiado e dá salvo conduto para a banda tocar o que quiser sem ninguém questionar.

Missão Senjutsu cumprida, um breve intervalo para troca de palco, e vamos para a etapa “Legacy of the Beast” do show. Pensei que aqui eles poderiam abrir essa parte com Aces High, trazendo o espectador rapidamente para o clima original da turnê. Mas eles optaram pela magnífica Revelations. Essa música é perfeita, é linda, é maravilhosa, mas seu andamento ‘mid-tempo’ de semi-balada normalmente leva o show mais para uma atmosfera introspectiva e emocional do que necessariamente tem o poder de incendiar a apresentação. O Morumbi seguiu frio e comedido.

Em seguida, Bruce se dirige à São Paulo como a “capital do rock and roll”. O cantor ainda elogiou os fãs paulistas por não mudarem seu amor pelo grupo e introduziu a próxima reforçando os laços de sangue entre banda e público, como verdadeiros Blood Brothers. A essa altura, focos de impaciência já eram percebidos aqui e ali. Poxa, um frio desses, e vocês me sacam uma valsa que repete VINTE vezes a frase “we’re blood brothers” ao longo de sete intermináveis minutos? Aliás, para quem chama essa música de progressiva, de progressiva ela não tem nada. Progressivo progride, essa só é longa mesmo. Fim da música. Agora vai! Só que não… A introdução com corais gregorianos anunciando Sign of the Cross foi um balde de água gelada. Chegamos a 45 minutos de show somente com músicas “mid-low” tempo e pela primeira vez na minha vida, eu vi o Iron Maiden perder a atenção do público. Há tempos eu não via um público tão desconectado da banda. Parecia um bar, todo mundo batendo papo, gente de costas para o palco ou no celular. Eis que, praticamente na metade do show, veio o gol de honra. E que golaço: Flight of Icarus. Que coisa mais linda! Golaço para levantar a torcida e dar fôlego para o segundo tempo. Soou meio estranho ver Fear Of The Dark, uma música tradicionalmente de final de show, no meio do set. Mas não é que funcionou bem, e ela foi sendo, disparada, a maior reação do público? Fear Of The Dark é a “melhor música chata” ao vivo! Se Flight of Icarus trouxe o público de volta ao show, coube a ela levantar o estádio. Impecável!

 

E se Fear Of The Dark é associada a encerramentos, neste ela teve o papel de finalizar um primeiro tempo frio e sonolento. Mas como um time que desce cabisbaixo para o intervalo e leva uma bronca do técnico, o Iron Maiden fez uma segunda metade espetacular. Pôs o regulamento debaixo do braço e sacou uma sequência de pérolas manjadas, porém mais do que necessárias naquele momento: Hallowed Be Thy Name, a melhor música do Iron Maiden em todos os tempos, The Number of the Beast, Iron Maiden e The Trooper. Nada como olhar para o banco e ver uma fileira de craques para salvar o time. The Clansman foi a seguinte, e ficou meio fora de lugar. Durante a música, um amigo me perguntou se eu gosto dela. Respondi: “Adoro, mas não agora”.  Porém, à essa altura a virada já tinha vindo e tudo era festa. Festa, aliás, que explodiu de vez com Run to The Hills, a melhor música de encerramento da banda, na minha opinião. E para terminar um set confuso de um modo confuso, veio a antes usada como faixa de abertura Aces High, com seu avião Spitfire. Êxtase. A sensação foi a de esperar o show inteiro para ver a música de abertura. Talvez se tivessem executado o set do fim para o começo desse certo? Sei lá.

Fim de show e o Motoradio vai para Bruce Dickinson. Essa foi possivelmente a melhor performance ao vivo que já vi dele, entre Iron Maiden e carreira solo. Ao deixar o estádio ao som de Always Look on the Bright Side of Life, do brilhante grupo humorístico inglês Monty Python, tocada no final de todo show do Iron Maiden, o clima era de vitória, felicidade e celebração por mais um reencontro com a banda favorita de (quase) todos os brasileiros. Valeu. Que venham outros e… Up The Irons! Só não precisava ter levado três gols em 15 minutos…

Iron Maiden – setlist:

Senjutsu

Stratego

The Writing on the Wall

Revelations

Blood Brothers

Sign of the Cross

Flight of Icarus

Fear Of The Dark

Hallowed Be Thy Name

The Number of the Beast

Iron Maiden

The Trooper

The Clansman

Run to the Hills

Aces High

Confira algumas fotos do Avatar, banda sueca que abriu o show do Iron Maiden em São Paulo:

Johannes Eckerström, vocalista do Avatar, banda sueca que está divulgando seu 8° álbum de estúdio, “Hunter Gatherer”
Johannes Eckerström e o baixista e torcedor da Ponte Preta Henrik Sandelin, músico que já fez intercâmbio no Brasil e que, inclusive, tem o mapa do país tatuado em seu braço
Johannes Eckerström e o baterista John Alfredsson

 

O figurão Johannes Eckerström

 

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