É o que dizem, nas horas das adversidades que se vê quem é quem. Lendas da música e do Hardcore lifestyle precisaram colocar ainda mais em prática aquilo que pregam nas letras e exercer bastante paciência para lidar com a burocracia e problemas que parecem só acontecer por aqui. Tudo estava certo para o tão aguardado retorno e comemoração de 30 anos do Agnostic Front fosse no Carioca Club, maior e com público melhor acomodado para curtir o show. Mas eis que horas antes, no mesmo dia do evento, uma nota oficial é lançada na rede pela produtora informando a mudança de local devido a uma “ação civil ajuizada pelo ministério público”.
Apesar de vários outros eventos terem acontecido sem incidentes nos arredores do Carioca após a briga e consequente morte de um espectador na porta da casa antes do show do Cock Sparrer em 2011, a direção alegou, em outros termos, que gostaria de evitar situações do tipo já que as principais bandas do evento poderiam atrair um público a fim desse tipo de incidente. Na ocasião, não fui culpa da casa, da organização e nem de quem foi lá pra curtir, mas, motivo dado, oficialmente, foi transferido para o Inferno Club. Gerou desconfiança e protesto nas redes sociais pelo fato de o local ser menor em espaço físico e se então não poderia, aí sim, dar problemas de empurra-empurra e superlotação. Encheu, mas não abarrotou a ponto de dar confusão.
Mesmo ainda em pouco número de presentes, a matinê manteve os mesmos horários previstos. Era um pouco mais de quatro da tarde quando o Paura estava no palco. Apresentando o novo baixista Rodolfo, marcando a segunda mudança de formação neste ano, o show teve set curto com músicas do recente EP “Integrity Dept’ e do último full lenght, “History bleeds” de 2010. A faixa título deste e outras como “Unhuman Mankind”, “Scars of Life”, “No Hard Feelings!? Fuck You!” foram algumas.
Com três datas no Brasil, a noite anterior no Rio de Janeiro, foi a única a não contar com a abertura do Paura e do First Blood – privilégio dos públicos de SP e Curitiba. Ambas também tocaram recentemente juntas na Europa na tour do Paura por lá.
Comemorando dez anos de estrada, os californianos do FB passam pela primeira vez pelo. Com a intro rolando, a banda de cara já deixou claro pela reação do público que seria brutal. Com disco novo no gatilho, mas sem lançar material inédito desde 2010, foram os sons de “Silence Is Betrayal” e outros mais antigos que fizeram a alegria dos fãs presentes. E aí que o circle pit começou a rolar de verdade. Numa performance de deixar marmanjo de queixo caído, já a vontade com brasileiros devido o contato com o Paura, já tinham mais ou menos ideia do que encontrar e do quanto eram esperados aqui. No set, “Resist”, “Next Time I See You, You’re Dead”, “My enemy”, “War”, “Armageddon” e a homônima “First blood” foram algumas que rolaram.
Em seguida, o H20, de volta ao Brasil depois da passagem por aqui em 2010, na ocasião, junto com o Terror. Público colou na frente do palco e o gigantesco circle pit do show anterior deu lugar ao pogo e ao mosh desenfreado. Com uma intro rolando, a banda entrou e já mandou a faixa título do último disco lançado em 2008, “Nothing to prove”, para histeria geral. Falando muito como o público, o vocal Toby Morse mencionou o quanto é bom estar de volta, apresentou a banda, andou o palco de ponta a ponta e desfilou clássicos como “Don’t forget the struggle, Don’t forget the streets”, “One life one chance” e “I Want I Want”. Com ele interagindo muito, perguntando sempre se todo mundo estava bem, curtindo e jogando água para refrescar o povo da frente, fizeram uma referência a “War Pigs” do Sabbath antes de tocar “5 Yr. Plan”.
Não esquecendo de outras referências, Tobby citou Madball, Sick of it all e bandas clássicas da cena americana. Quando perguntou quem já tinha ido à NY, ficou espantado de saber que só quatro dentro da casa teve essa chance. Pois é… nosso vergonhoso reflexo de viver no terceiro mundo e ganhar em reais, né? Ele disse ainda que São Paulo, o grande centro, é uma espécie de NY do Brasil. Perguntou também quem era a primeira vez que os via ao vivo e quem tinha ido ao show anterior.
Antes de encerrar com a clássica “What happened’, Morse ainda falou que todo o stress da mudança e problemas com o local do show não apagaram a vontade de tocar e de fazer um grande show. Que o lema que usa, o famoso PMA (positive mental attitude), sempre vence. Saíram do palco para a montagem do Agnostic, mas alguns integrantes ainda ficaram por um bom tempo conversando com o público por ali.
Enquanto faziam os ajustes para o próximo show, dava para ver uma câmera com uma luzinha vermelha piscando em cima de uma das caixas. E respeitando a programação, o guitarrista Joseph James diz no microfone “Brasi, NY, é nois” e entram tocando “For my family”. Explosão na galera que, em relação ao show anterior parecia ser em menor número.
O set foi bem curto, mas contemplou toda a carreira da banda, com clássicos como “Riot, Riot Upstart”, “Dead to me” e as mais novas do disco “My life, my way” de 2011 como “Us against the world” e “A mi manera”.
O guitarrista Vinnie Stigma é o mais animado no palco pulando, interagindo e agitando a galera. Em “Crucified” o vocal Roger Miret confirmou que a camerazinha estava ali registrando tudo antes e durante o show. Tirou de cima da caixa, deu um role registrando o público e colocou de volta para continuar a gravação. Roger falou sobre o disco mais recente e parecia que rolar a faixa título quando, surpreendentemente, tocaram o hino “Gotta Go”. A pista lotou e o Inferno fervia de quente.
A banda sai do palco e volta só Stigma com guitarra em punho e puxa o coro com “Drink up and go home”, clássico do Carl Perkins imortalizado por Jerry Garcia do Grateful Dead. Todos retornam para o bis e para a surpresa de todos, tocam “Blitzkrieg Bop” do Ramones e encerram o show. Ramones é sempre bom, mas com tantos clássicos próprios pra tocar… A esquisitice do fim combinou com o gosto amargo do sapo engolido de seguir determinações judiciais, mesmo que infundadas. Mas a essa altura, também, quase ninguém ligou pra isso, já que, como dito por Morse, o ideal de unir, manter forte e em ação, é sempre bem mais importante que as determinações. Há 30 anos o AF sabe disso e, por ser assim, é que demonstram ter fôlego de sobra para muito mais.