Behemoth, Lamb of God, Lacuna Coil e KISS foram algumas das bandas que, com as casas de shows fechadas ao público por causa da pandemia da Covid-19, subiram ao palco para fazer show on-line. Anthrax, Death Angel e Epica são três dos nomes que transmitirão e, breve seus eventos por streaming, o que fez o Nightwish nos dias 28 e 29 de maio, no ambicioso “An evening with Nightwish in a Virtual World”, para mais de 150 mil fãs em 108 países ao redor do mundo. Ou seja, mais do que óbvia razão financeira ao preencher parte de um buraco deixado pela impossibilidade de sair em turnê, não deixa de ser uma maneira de reencontrar os fãs e, também, fazer com que estes se reconectem à experiência de uma apresentação ao vivo. Ou quase, porque muitos dos shows são pré-gravados. Como estes dois do Nightwish.
Claro, é uma experiência diferente e que, nem de longe, traz o sentimento de estar assistindo a um show in loco. Então, que as bandas apresentem algo único, e foi o que fizeram Floor Jansen (vocal), Tuomas Holopainen (teclados), Emppu Vuorinen (guitarra), Troy Donockley (gaita irlandesa, flautas, guitarra e vocais), Kai Hahto (bateria) e Jukka Koskinen, baixista do Wintersun que assumiu o lugar deixado por Marko Hietala. Aí residiu não necessariamente a primeira surpresa, mas a principal novidade, afinal, todo mundo sabia que o nome seria revelado no evento. E quem adquiriu o pacote VIP World – a 80 euros (cerca de R$ 494), incluindo a taxa de (in)conveniência – pôde acompanhar a entrevista de Koskinen a Laura Vähähyyppä, DJ e jornalista finlandesa.
VIP WORLD: Fala, Jukka Koskinen!
No bate-papo, reprisado no segundo dia do evento, o baixista deixou claro logo de cara que não faria as partes vocais de Hietala, agora a cargo de Donockley, e que havia sido contratado para a turnê de Human. :||: Nature. (2020). “Sempre gostei do Nightwish, e agora tenho uma nova relação com a sua música. Não estou tentando substituir o Marko, porque ele é insubstituível, mas estou aqui para ajudar a banda a fazer a turnê do álbum. Tenho enorme respeito pelo Marko, que é uma lenda”, disse o Koskinen, lembrando que, apesar de Wintersun e Nightwish terem dividido o palco em algumas oportunidades, não conhecia seus novos companheiros de banda – à exceção, obviamente, de Hahto (ambos tocam no Wintersun) –, mas que a química foi imediata.
Em aproximadamente 30 minutos de entrevista, o baixista se divertiu ao dizer o quão foi difícil guardar segredo de amigos e familiares – “Mas agora eles estão entendendo por quê.” – e foi de uma sinceridade desconcertante ao responder se havia tido alguma dificuldade ao aprender o repertório do Nightwish: “Mesmo que houvesse músicas difíceis, eu não diria (risos). São apenas diferentes nuances ou emprego de diferentes técnicas de tocar”. Laura rebateu com um “Você fala como se fosse fácil”, e Koskinen concluiu de maneira simples: “E é”. Fã de Geezer Butler, Flea (Red Hot Chili Peppers), Billy Goud (Faith No More), Brian Marshall (Alter Bridge), Rex Brown (ex-Pantera) e Les Claypool (Primus).
E os shows? Imagino como foi para a banda tocar com chroma key – ou seja, vendo apenas verde no chão, no teto e nas paredes –, mas o visual era belíssimo para quem estava acompanhando na tela do computador ou na TV. De fato, o Nightwish não poupou no cenário virtual para dar asas à imaginação: o sexteto chegou e foi embora num Zepelim, e o local da apresentação ficava à beira de enorme catarata, uma grande e luxuosa casa com farol e moinho d’água. Dava para escrever uma matéria apenas sobre os cenários, que incluíam até mesmo mudanças de estação, mas algumas das fotos nesta resenha (tem muito mais no fim do texto!) podem saciar a curiosidade de quem não pôde assistir ao “An evening with Nightwish in a Virtual World”, isso até que seja lançado um eventual DVD/Blu-ray.
Show #1 (28/05)
A tarde de sexta-feira (no Brasil), então, foi reservada para o primeiro show para divulgar o excelente de Human. :||: Nature., lançado há mais de um ano, e nada mais justo que boa parte do setlist tenha saído dele. Nada mesmo que cinco músicas: Harvest, How’s the Heart?, Noise, Shoemaker e Tribal. E isso sem contar Ad Astra, oitava e última parte da suíte instrumental All the Works of Nature Which Adorn the World, que encerrou a apresentação com Floor cantando sua parte enquanto rolava o trecho com atriz Geraldine James recitando parte de “Pálido ponto azul: Uma Visão do Futuro da Humanidade no Espaço” (1994), do genial Carl Sagan (1934-1996). Um desfecho muito bonito, inclusive visualmente, para uma mensagem de resistência à estupidez humana atualmente representada pelos negacionistas.
E o novo material funcionou muito bem ao vivo, especialmente Harvest, que traduziu bem para o palco sua beleza em estúdio, e How’s the Heart?, cujo instrumental inicial virou um acústico com Floor e Donockley. Curiosamente, aliás, das 16 músicas efetivamente tocadas, sete foram da era Floor Jansen, num total de 11 da banda pós-Tarja Turunen. Pode ter incomodado alguns fãs, até por mudanças óbvias e significativas decorrentes da saída de Hietala. Por exemplo, Planet Hell ficou toda a cargo de Floor, que estava inspiradíssima, e os vocais de Donockley naturalmente carecem da suave agressividade da voz do ex-baixista, quem ele felizmente não tentou emular.
Isso, no entanto, não impediu I Want My Tears Back de ser um dos melhores momentos – bom, você pensa assim ao se pegar cantando e inquieto na cadeira enquanto ao assiste ao show –, e Ghost Love Score de ganhar uma versão simplesmente matadora, com Koskinen fazendo bonito no fim e Floor brilhando intensamente – e cantando como ela mesma, como provou She is My Sin. E teve um encerramento apoteótico com as três primeiras partes – Chapter I: Four Point Six, Chapter II: Life e Chapter III: The Toolmaker – de The Greatest Show on Earth, épico que funciona bem demais ao vivo, somadas ao já mencionado ao desfecho de All the Works of Nature Which Adorn the World.
Setlist
1. Music (introdução)
2. Noise
3. Planet Hell
4. Tribal
5. Élan
6. Storytime
7. She is My Sin
8. Harvest
9. 7 Days to the Wolves
10. I Want My Tears Back
11. Bless the Child
12. Nemo
13. How’s the Heart?
14. Shoemaker
15. Last Ride of the Day
16. Ghost Love Score
17. The Greatest Show on Earth (Chapter I: Four Point Six; Chapter II: Life; Chapter III: The Toolmaker)
18. All the Works of Nature Which Adorn the World (VIII. Ad Astra)
Show #2 (29/05)
Era de se esperar que o setlist da segunda apresentação trouxesse mudanças, e o Nightwish não decepcionou: fez ainda melhor numa noite sensacional – sim, noite no Brasil, porque a banda teve a preocupação de dar opções de horário aos fãs na Europa e nas Américas do Norte e Sul, por exemplo. Talvez, Music pudesse ter sido tocada na íntegra em vez de servir mais uma vez somente de introdução, mas as novidades foram muito bem-vindas num repertório que novamente privilegiou o Nightwish pós-2005: dez das 16 canções. Alpenglow foi a primeira surpresa, mas foram duas músicas da era Tarja que apareceram para realmente mexer com os fãs: Ever Dream e Sleeping Sun, que ficaram ótimas e não precisam mais sair do set.
Human. :||: Nature., por sua vez, trouxe mais duas surpresas: a ótima Pan e a versão instrumental completa de How’s the Heart?, que em seu formado original ajudou a deixar o show muito mais dinâmico. Esse dinamismo, aliás, ficou claro em como as músicas estavam sendo tocadas: do encerramento sensacional de Élan à versão maravilhosa de Storytime, um grande alento de que, combinadas, as vozes de Floor e Donockley serão de assimilação mais fácil par os fãs mais cricris. Até o ponto em que Wish I Had an Angel volte ao repertório, porque Dark Chest of Wonders não deixou a peteca cair.
Nem mesmo uns errinhos aqui, outros acolá comprometeram. O show foi pré-gravado e editado para transmissão ao vivo, mas o Nightwish não se importou de deixar I Want My Tears Back com um vacilo que chegou a fazer Holopainen rir. Talvez porque o clima fosse mesmo alto astral, como no caso de Last Ride of the Day, com Floor, Holopainen e Vuorinen se divertindo como se estivessem brincando num estúdio. Isso levou até mesmo a Nemo ganhar uma versão superior à da primeira apresentação. E com a mesma reta final do dia anterior, incluindo nova performance arrasadora de Ghost Love Score, o Nightwish entregou mais do que prometeu em seu evento “An evening with Nightwish in a Virtual World”. Porque foi muito além da música.
Setlist
1. Music (introdução)
2. Noise
3. Planet Hell
4. Alpenglow
5. Élan
6. Storytime
7. How’s the Heart?
8. Harvest
9. Dark Chest of Wonders
10. I Want My Tears Back
11. Ever Dream
12. Nemo
13. Sleeping Sun
14. Pan
15. Last Ride of the Day
16. Ghost Love Score
17. The Greatest Show on Earth (Chapter I: Four Point Six; Chapter II: Life; Chapter III: The Toolmaker)
18. All the Works of Nature Which Adorn the World (VIII. Ad Astra)
Foto: Rudi Rok/Divulgação
Screenshots: Divulgação e Roadie Crew