Fim de mês, ressaca olímpica, uma agenda de shows cada vez mais parruda… Dá para arrumar várias desculpas para justificar o público abaixo do esperado no Vivo Rio numa noite de sexta-feira para assistir ao capítulo carioca da comemoração dos 20 anos de “Holy Land”, a obra-prima máxima do Angra, um dos discos mais importantes do Metal nacional. Viu só? Teoricamente, ninguém precisava acordar cedo no dia seguinte. E estamos falando de um trabalho superlativo de uma das bandas mais queridas do público brasileiro. Creio que nem mesmo Andre Matos ajudaria a arrastar mais fãs para a casa, que fez uso daquela cortina preta no meio da pista para dar impressão de que o local estava razoavelmente tomado. Na prática, não estava.
Sejam quais forem os motivos, e neste momento a crise econômica levanta a mão para se mostrar presente, o fato é que o público carioca resolveu ficar mais em casa. Não à toa, a produtora de Scorpions (em setembro), Whitesnake (outubro) e Black Sabbath (dezembro) vem fazendo semana sim, semana também uma promoção “leve dois, pague um” para os ingressos dos shows das três bandas no Rio de Janeiro. E se já não teremos Aerosmith – vá lá que em 2013 a Praça da Apoteose ficou vazia porque o dilúvio que caiu no dia foi suficiente para dar medo de colocar a cara na janela –, neste ritmo a ponte aérea e a rodoviária serão válvulas de escape muito em breve. Mas vamos ao que interessa.
Em uma noite de convidados especiais, Fabio Lione (vocal), Rafael Bittencourt e Marcelo Barbosa (guitarras), Felipe Andreoli (baixo) e Bruno Valverde (bateria) trouxeram logo de cara Junior Carelli (teclados, Noturnall) e Dedé Reis (percussão) para a ótima “Newborn Me”, a primeira faixa de “Secret Garden” (2015) que ganhou a missão de abrir também as apresentações recentes da banda. E começava aí a montanha-russa que se tornaria o show, ao menos para quem escreve estas linhas. Bem recebida pelos fãs, “Wings Of Reality” ainda soa desnecessária e confusa como “Fireworks” (1998), o disco que a abriga, e “Waiting Silence”, de “Temple Of Shadows” (2004), a segunda pérola forjada pelo Angra, mostrou quem é o dono da bola, ainda mais agora que Kiko Loureiro está sob as asas de Dave Mustaine: foi a primeira canção da noite com Bittencourt nos vocais.
A trinca ficou como aquecimento para o que todos aguardavam, a íntegra de “Holy Land”. E não teve enrolação, digo, vinheta de introdução. No lugar de “Crossing”, uma chamada para Ricardo Confessori entrar no palco, e o que deveria ser um momento especial acabou sendo engolido pelo som ruim. À exceção dos bumbos, o som da bateria de Confessori era praticamente inexistente. Frustrante, porque se esperava uma usina de força com as duas gerações de baquetas tocando “Nothing To Say”. Esperava-se que àquela altura tudo estivesse mais bem equalizado, incluindo também o microfone de Lione e as guitarras.
Não foi o que aconteceu, mas a qualidade da música acabou passando por cima. Que o diga “Silence And Distance”, com o auxílio das vozes vindas da plateia, e a épica “Carolina IV”, que contou apenas com Confessori em quase toda a sua totalidade – e que foi precedida por uma desnecessariamente longa jam tribal ao lado de Valverde e Dedé Reis. O jovem e atual batera seguiu fora do palco para “Holy Land”, um dos grandes momentos do show, até porque aproveitaram o tempo até ela para mexer nos botões da mesa e deixar todas as peças do kit de Confessori finalmente audíveis.
Era a vez de Andreoli deixar o palco para o retorno de Luis Mariutti, que por três músicas esteve novamente entre os fãs cariocas do Angra – fica subentendida a brincadeira, porque o coro de “Jesus” ficou a cargo do público, obviamente. “The Shaman”, “Make Believe” e “Z.I.T.O.” tiveram apenas Mariutti e Confessori na cozinha, o que, sejamos sinceros, foi bem legal de ver.
Principalmente na bela “Make Believe”, que teve os vocais principais comandados por Bittencourt – não deixa de ser estranho ver um cantor do nível de Lione deixar o palco tantas vezes, mas é inegável que aqui o guitarrista, um vocalista até acima de média, mandou muito bem.
E foi com o capitão do time à frente do Angra versão 2016, com Andreoli e Valverde, que “Deep Blue” encerrou o set destinado ao segundo álbum. Ou quase encerrou. De volta ao seu lugar de direito, Lione mostrou a força do gogó cantando trechos de óperas e de “Tomorrow”, do Europe, com a ajuda de uma plateia participativa, apesar de ter precisado de um ou outro puxão de orelha ao longo do show. Começava assim a extensa parte final da celebração. Entre as novas “Final Light” e “Storm Of Emotions”, uma joia resgatada do disco de estreia, “Angels Cry” (1993): “Time” é fácil, fácil uma das melhores músicas da banda em seu quase um quarto de século. Teve a íntegra de “Holy Land”, beleza, mas só ela já valeria o espetáculo.
No esquema banquinho e violão, Bittencourt, sozinho no palco, enfim fechou o capítulo de 1996 com “Lullaby For Lucifer” e ainda emendou com “Silent Call” antes de Valverde desfilar técnica em seu solo de bateria. Infelizmente, momentos mal colocados no setlist, que teve a sua dinâmica retomada com a ótima versão de “Synchronicity II”, um dos vários clássicos do The Police. Ok, você pode dizer que a quantidade de celulares acesos durante o momento acústico foi um efeito bacana, mas ficaria feio se ninguém desse ouvidos ao pedido do líder do Angra.
“Angels And Demons”, apesar de uma confusão na hora de encerrá-la, manteve o clima lá em cima para um grand finale: “Rebirth” e “Nova Era” foram, como sempre, alguns dos principais destaques. Naquela noite, de fato o clímax. Sim, acabou aí. Não teve “Carry On”, apesar de um ou outro grito pedindo por ela – um ou outro mesmo, sem eco. Não teve, e os fãs saíram com um sorriso estampado no rosto. Não é esse o melhor termômetro de uma empreitada bem-sucedida? A felicidade dos fãs? Então.
Set list
1. Newborn Me
2. Wings Of Reality
3. Waiting Silence
4. Nothing To Say
5. Silence And Distance
6. Tribal Jam/Carolina IV
7. Holy Land
8. The Shaman
9. Make Believe
10. Z.I.T.O.
11. Deep Blue
12. Final Light
13. Time
14. Bass Solo/Storm of Emotions
15. Lullaby For Lucifer
16. Silent Call
17. Drum Solo
18. Synchronicity II
19. Angels And Demons
20. Rebirth
21. Nova Era