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ANGRA | RAGE IN MY EYES – 24 de junho de 2022

Por Alessandro Bonassoli / Fotos: Clóvis Roman

Ainda é cedo para afirmar, mas uma das raras consequências da pandemia que no futuro não será considerada negativa é a aparente mudança no comportamento de casas de shows e do público. Os tradicionais e irritantes atrasos para início de eventos musicais parecem ser algo do passado. Isso se viu na noite da última sexta-feira, 24 de junho, quando as portas do Jhon Bull Floripa, na capital de Santa Catarina, foram abertas às 19h. Exatamente conforme divulgado nos anúncios para a comemoração local do 20º aniversário de Rebirth, quarto álbum do Angra, um dos maiores nomes do metal nacional.

O público rapidamente foi enchendo o local e nem se pode dizer que o motivo era o frio à beira da Lagoa da Conceição, um dos mais conhecidos pontos turísticos de Florianópolis, onde fica o Jhon Bull. Ainda que já estejamos no inverno, a temperatura daquela noite nem estava tão baixa. Pelo que se ouvia na fila, ainda na calçada, a vontade por um retorno à vida pré-COVID, com arte, música e cultura disponíveis e acessíveis para todos ainda está muito longe de ser saciada. Tanto que a data foi uma das primeiras a ser confirmada como sold out na turnê que passará por 17 cidades do País.

Assim, pontualmente às 20h30, o Rage In My Eyes estava no palco. A ótima And Then Came The Storm, do EP Spiral (2021), iniciou muito bem o set, seguida da pesada Dare To Defy, um ótimo exemplo da mistura de metal tradicional com prog feita pelo grupo gaúcho. E, com estes cartões de visita entregues, o quarteto já tinha conquistado a audiência.

Para a maior parte dos presentes, a surpresa veio quando o vocalista Jonathas Pozo anunciou a entrada de Matheus Kleber. Sim, o Rage In My Eyes tem algumas faixas onde a gaita (também conhecida como sanfona ou acordeon) faz parte do metal praticado pelo grupo. Minha curiosidade era sobre o comportamento do público pois, nas décadas de 1980 e 1990, muito provavelmente a resposta seria negativa em função de uma ridícula rivalidade que existia entre Santa Catarina e Rio Grande do Sul. À época, não seria de estranhar o surgimento de vaias à presença de um instrumento que é um dos símbolos da cultura do estado vizinho. Mas, o bom da vida é que a humanidade pode sim evoluir, os radicalismos podem (e devem!) ser amenizados e superados. E a resposta foi excelente! Outro fator a ser considerado é que a gaita há tempos não é assim uma novidade na música pesada se levarmos em conta, por exemplo, os finlandeses do Korpiklaani.

Assim, com a gaita perfeitamente recebida e aplaudida, Death Sleepers e Hole In The Shell, ambas do álbum Ice Cell (2019), mantiveram o alto nível. Para Spark Of Home, de violão em punho, Pozo fez um rápido ensaio com a galera, que caprichou ao acompanhar o refrão da “quase” balada cantada parte em inglês e parte em português. O peso retornou com Winter Dream, que precedeu I Don´t Want To Say Goodbye. E com o single lançado em 2020 em tributo à memória do saudoso Andre Matos, o Rage In My Eyes encerrou muito bem sua apresentação.

Durante o tradicional desmonte do equipamento do opening act e os acertos no palco para a atração principal muita gente decidiu que era a hora para tomar água e cerveja gelada, pois com o calor dentro do John Bull lotado parecia que era temporada de verão em Florianópolis. Aqui peço licença para contar que, ao ouvir Rebirth pela primeira vez, em 2001, achei o álbum excelente, mas não curti a voz de Edu Falaschi. Nada contra ele, que é um grande vocalista consagrado com seu projeto Almah e uma carreira solo abrilhantada ano passado por um dos melhores trabalhos nacionais, o excelente Vera Cruz. Mas jamais achei ser ideal a escolha dele para a tremenda responsabilidade de substituir Andre Matos. O tempo passou, Edu gravou outras peças fundamentais na discografia do Angra, mas não consegui mudar minha opinião.

Dito isto, minha expectativa era imensa por ver os clássicos do grupo e todas as faixas de Rebirth na voz de Fabio Lione, algo que eu ainda não havia feito. Bastou começar a espetacular Nothing To Say para a galera cantar em uníssono com o italiano, enquanto minha mente me levou de volta à 1997, quando o grupo se apresentou no ginásio do SESC, no centro de Florianópolis, durante a tour de Holy Land com sua formação considerada clássica.

Não havia como evitar comparar as duas cenas. Ao perceber a interação entre a consagrada versão atual do grupo e um público obviamente renovado em relação ao de 25 anos atrás tive a certeza de que a vibe ainda é a mesma, como se nada jamais tivesse sido modificado. É impressionante como a instituição Angra permanece gigante e fortemente aliada com os fãs, não importando quem esteja no palco.

Black Widow´s Web, do álbum Ømni (2021), foi mais um aquecimento para o momento principal da noite. Mal iniciou a instrumental In Excelsis e o êxtase era quase palpável. Só a sequência matadora, com Nova Era, Millenium Sun e Heroes Of Sand, já teria sido suficiente. Mas em seguida ainda veio Unholy Wars, cujo único “problema” quando é apresentada em um set especial com a íntegra do álbum, é o fato de anteceder e, na prática, ser ofuscada por Rebirth. Aí o povo foi ao delírio, cantando junto uma das melhores canções da música pesada brasileira. Judgement Day, Running Alone e Visions Prelude concluíram o, digamos, prato principal da noite.

Antes de continuar a resenha, peço aos guitarristas Rafael Bittencourt e Marcelo Barbosa, o baixista Felipe Andreoli e o baterista Bruno Valverde que me perdoem, pois foi Fabio Lione quem “roubou a cena” em Florianópolis. Ao intervalo de cada faixa, o mais brasileiro dos italianos dominou a plateia como se todos fossemos seus velhos amigos de infância. Seu carisma e bom humor têm praticamente a mesma relevância que a voz privilegiada.

O show ainda tinha muito a oferecer e ganhamos The Course Of Nature, de Aurora Consurgens (2006), seguida pela inesperada Metal Icarus, de Fireworks (1998). A tática de uma música de cada álbum continuou com The Shadow Hunter, gravada em The Temple Shadows (2004); The Rage Of Waters, de Aqua (2010); Bleeding Heart, que saiu como faixa-bônus na versão japonesa de Rebirth e no EP Hunters And Prey (2002); e Upper Levels, de Secret Garden (2014).

Mas não pense que parou por aí. A reta final teve o aguardado “retorno sentimental” para 1993, era do emblemático Angels Cry, cuja instrumental Unfinished Allegro trouxe o hino Carry On, sempre pedida a cada show e que, ao ser tocada, provoca aquela sensação de vitória brasileira em final de Copa do Mundo. A despedida foi ao som de Ømni – Infinite Nothing, mas ficou no ar o desejo pelo próximo retorno do Angra a capital catarinense.

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