Por Nelson Souza Lima
Fotos: Denis Svet
Quando deu as caras na cena metal em meados da década passada, a banda paulistana Armahda se tornou uma das grandes representantes entre os grupos que objetivavam contar a história do Brasil através de suas músicas. Com muito peso nos arranjos, o grupo liderado pelo vocalista Maurício Guimarães e pelo guitarrista Renato Domingos (completam a formação o guitarrista Alexandre Dantas, o baixista Paulo Chopps e o baterista João Pires) lançou em 2013 o álbum estreante autointitulado com canções falando da Guerra de Canudos, das expedições dos bandeirantes, de escravidão e de crises republicanas, entre outros momentos marcantes da história brasileira. Segundo os músicos, a banda surgiu de maneira meio despretensiosa. Porém, a coisa ganhou corpo a ponto de o primeiro show ser simplesmente abrindo para os suecos do Sabaton, em 2014. A repercussão do Armahda só aumentou, a ponto de em 2018 tocarem no Metal Days, um dos festivais mais importantes da Europa, realizado na Eslovênia. Entre singles e breves hiatos, o Armahda prepara novo álbum e o primeiro single estará disponível nas redes sociais em 1° de agosto. The Lost City, que teve lançamento no dia 25 de julho no The Metal Bar, em São Paulo, é também o primeiro clipe do grupo e conta a história do coronel inglês Percy Fawcett, que se embrenhou na floresta amazônica em 1925 em busca de uma cidade perdida, a qual denominou “Cidade Z”. O registro em vídeo de alto nível teve direção de Felipe Schimidt, da produtora Bemloc Filmes. O quinteto bateu um papo com a ROADIE CREW.
O Armahda se caracteriza por mostrar a história do Brasil através do metal. Falem um pouco da trajetória do grupo: vocês lançaram o disco homônimo em 2013 e vem soltando singles e realizando tours nos últimos anos. Agora, disponibilizam The Lost City, primeiro single que integrará o próximo álbum.
Renato Domingues: A banda começou de forma despretensiosa. Escutávamos grupos como Grave Digger, Running Wild e Blind Guardian. Percebemos que essas bandas estavam acostumadas a falar das próprias histórias. Então para nós foi natural, pois, como gostávamos dessas bandas, pensamos que como brasileiros deveríamos compor sobre a história do Brasil. Isso tomou forma muito rápido e logo tínhamos um material vasto, que originou o primeiro disco, Armahda, com treze faixas. Lançamos esse material e logo de cara, em 2014, abrimos para o Sabaton, que também compõe sobre temas históricos. Coincidentemente, foi no dia 7 de setembro de 2014. Na verdade, foi ironicamente… (risos) O disco tinha saído uns meses antes e a galera já conhecia as músicas, o público cantava com vontade. Foi incrível! A partir daí, começamos a divulgar o álbum e tocar em outros lugares. Participamos de festivais como o Metal Land, que rolou no interior de São Paulo, com Krisiun, Sepultura, André Matos e Black Pantera, entre outras grupos. Além disso, abrimos para bandas importantes, como o Grave Digger. Em 2018, recebemos um convite dos organizadores do Metal Days, que rola na Eslovênia. O festival é superconhecido lá fora. Claro que aceitamos e lá se apresentaram Judas Priest, Accept, Behemoth, Epica e tantas outras. O segundo disco já estava com a pré-produção engatilhada, mas aí veio a pandemia e atrapalhou tudo.
O Armahda integra um movimento que alguns chamam de Levante do Metal Nativo, no qual se destacam, além de vocês, Voodoopriest, Cangaço e várias outras. Como surgiu esse movimento?
Renato: Surgiu naturalmente entre os membros das bandas. No metal é muito comum os grupos do underground se conhecerem, além de as redes sociais ajudarem. Se a gente gravava uma música, outro cara vinha e falava que também escrevia sobre a história do Brasil. E assim fomos trocando informações e conhecendo grupos de Brasília, do Nordeste e de outras regiões. Porém, as dificuldades de levar uma banda do Sudeste para tocar no Nordeste e vice-versa são enormes. De qualquer maneira, as bandas se divulgavam. O Andreas Kisser, no programa dele na 89 FM de São Paulo (N.R.: Pegadas de Andreas Kisser), deu uma força falando do Levante do Metal Nativo. Apesar de o movimento não estar muito ativo, os grupos conversam e, eventualmente, podem tocar juntos. A gente já tocou com o Voodoopriest e Arandu Arakuaa, que canta em línguas originárias. E sempre citamos esses grupos, como estamos fazendo agora, falando que o movimento existe. A divulgação é importante.
O trabalho de pesquisa de vocês é intenso, buscando documentos, relatos históricos, indo à Biblioteca Nacional do Rio de Janeiro e até falando com a Família Imperial do Brasil. Como foi isso?
Renato: Fomos muito bem recebidos por Dom Bertrand (N.R.: Bertrand de Orléans e Bragança é descendente da família imperial brasileira), que nos indicou livros sobre seus antepassados. Isso gera conteúdo e interesse. Uma coisa legal de comentar foi que recentemente aconteceu uma tese de graduação em História numa universidade do Sul. Uma pesquisadora chamada Leila, que não conhecíamos, teve a tese de graduação aprovada falando da visão dela sobre nossas músicas. Sabemos que existem mais dois trabalhos de mestrado falando do Levante do Metal Nativo e que citam a gente. E isso sem falar nas pessoas que nos abordam e dizem que foram aprovadas no vestibular graças às nossas músicas. Em nossas canções, citamos datas históricas e isso ajuda as pessoas a memorizarem. Não fica ‘decoreba’ e sim referência. No mínimo, desperta curiosidade sobre o que falamos. O Brasil é muito rico historicamente e trazer isso faz refletir, além de tirar um pouco do ‘complexo de vira-lata’.
Vocês abordam inúmeros temas históricos do Brasil, além de seus personagens. São Paulo é conhecido como ‘estado bandeirante’ pelas bandeiras empreendidas por Borba Gato, Fernão Dias e outros para desbravar as terras dos povos originários. Vocês citam esses personagens em suas músicas?
Maurício Guimarães: A primeira música do nosso disco de estreia é Echoes from the River que diz que a história é escrita por quem vence. O legal é abordarmos a história de uma maneira diferente, pois não foi bem assim que aconteceu. Não podemos dizer que somos donos da verdade. Damos nossa versão através do que pesquisamos. A música Pathfinder, também do primeiro disco, é uma autocrítica do bandeirante paulista. Falamos do que aconteceu com Fernão Dias, que foi um carrasco ganancioso, trabalhava para o rei de Portugal e somente queria extrair as riquezas da terra. Isso também tem similaridade com The Lost City, já que o cara também queria ouro. Pathfinder mostra que os bandeirantes não eram santos. Na verdade, não tem santo na história do Brasil.
A maioria das letras é em inglês. Já que vocês contam a história do Brasil, não deveria ser com letras em português?
Maurício: Sabe o que é interessante? Mesmo nas letras em inglês sempre colocamos uma referência em português. Por exemplo, a música Armahda, faixa-título de nosso disco de estreia, tem uma fala do Sílvio Navas, infelizmente falecido, dublador do Mumm-Ra, vilão dos Thundercats. Nessa música, ele fez uma narração como se fosse Floriano Peixoto (N. R.: segundo presidente do Brasil, entre 1891 e 1894). Isso rola no meio da música, que é em inglês. Esse exotismo cativa o ouvinte estrangeiro a descobrir que idioma tá sendo falado. Acaba se tornando um componente exótico.
No aspecto musical, como é o processo de criação de arranjos? Como é o trabalho da banda no geral?
Maurício: Temos diversas influências. Não só no metal, mas também no pop e na música regional. Escolhemos o tema, vemos que emoções ele carrega e assim buscamos nossas referências. Eventualmente, pode soar mais power metal ou tradicional. São diversos elementos que não permitem nos rotular.
Para quem não conhece o Armahda, qual música vocês indicariam, aquela que sintetiza o som da banda?
Maurício: Difícil. Talvez Paiol em Chamas nos represente bem. É um tema rápido, em português, e tem um pouco de tudo que fazemos nas outras músicas. Fala de um episódio que aconteceu em 1948, em que um gigantesco paiol de armas no Rio de Janeiro explodiu durante seis dias. Era o maior paiol de armas da América Latina. Foi o caos, o armagedom no Rio de Janeiro.
Para encerrar, falem um pouco de The Lost City, primeiro single do próximo disco e também primeiro clipe da banda.
Maurício: Finalmente, lançamos um clipe para provar que a banda existe, para mostrar que somos humanos reais! (risos) The Lost City deu trabalho, mas é um investimento muito importante. Nosso trabalho é sério, a gente leva a história do Brasil a sério, falamos coisas que estimulam as pessoas. The Lost City narra a empreitada do coronel inglês Percy Fawcett, que em 1925 se embrenhou na floresta amazônica em busca de uma cidade perdida. Ele viajou na lenda do Eldorado. O clipe está no nível do trabalho que nos propomos a fazer neste novo disco. Ficamos bestas com o resultado e temos certeza de que os fãs vão gostar. Foi uma produção incrível do Rafael Seferino, do Áudio Estúdio, que já trabalha com a gente há anos. Já o clipe foi dirigido pelo Felipe Schimdt, da produtora Bemlcoc Filmes.
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