Por Daniel Agapito
Fotos: Rafael Andrade
Não é fácil ser fã de metalcore no Brasil, isso é fato. Enquanto nos Estados Unidos existem diversos festivais reunindo muito do bom e do melhor no estilo, em terras tupiniquins temos que nos contentar com raras aparições dos gigantes, como Avenged Sevenfold em festivais como The Town, Parkway Drive no Summer Breeze (agora Bangers Open Air) ou rezar para conseguir ver alguma das bandas “menores” quando alguma produtora de shows de shows assume o risco de trazer para cá, porque shows deste tipo são raros. Depois de 25 anos de espera, a Overload ouviu as preces dos fãs do bom e velho ‘core’ e trouxe pela primeira vez às terras latinas os californianos do Atreyu.
Conversei com Brandon Saller, vocalista atual, pouco menos de um mês antes do show, e a primeira coisa que perguntei a ele foi: “Houve alguma razão específica por essa ausência de 25 anos do nosso continente?” Ele explicou: “De alguma maneira, foi falta de oportunidade. Viemos pela primeira vez para fazer alguns shows com o Iron Maiden (em fevereiro de 2009) e voltamos para fazer o ‘Knotfest’, também no México (2015). Sei que sempre tivemos fãs na América Latina, via que eles ouviam muito pelo Spotify e tal, mas ninguém nunca nos chamou para fazer shows aí, então quando a primeira oportunidade veio, não tínhamos como negar. Queremos fazer esse show há anos e anos.”
Perto do horário de abertura, havia uma pequena fila ao lado da casa, composta por aqueles fãs loucos pela banda, com boa parte destes indo para a grade. O Carioca ainda estava bastante vazio quando pouco depois das 20h e sem avisar nada nem ninguém, as cortinas se abriram e Brandon, com cara de sério, estava na frente do palco, com Porter, o baixista, de canto. “Hoje não tem banda de abertura, é só a gente, então trouxe aqui a equipe (Evan Potter, técnico de guitarra, e Justin Kier, técnico de bateria) para tocar algumas músicas para vocês. Conhecem Pantera?” Executaram uma versão instrumental da clássica I’m Broken, que animou bastante os poucos que estavam lá. Deram sequência com Sad but True do Metallica com um fã nos vocais (ele se apresentou, mas este que vos escreve não prestou atenção, ouvi algo parecido com Eddy). Os fãs começaram a gritar o nome da banda, “Atreyu, Atreyu”, mas Brandon rapidamente interveio: “Não, não. All These Dudes (todos estes caras).” Ele continuou, dizendo: “Já vou cantar muito esta noite, mas vou cantar uma aqui, rapidão.” Com o clima para lá de descontraído, fechou com uma performance impressionante de I Believe in a Thing Called Love, do The Darkness, dando aula nos agudos que originalmente eram de Justin Hawkins. Acompanhados de gritos de “All These Dudes”, Saller e sua equipe desceram do palco, fechando essa apresentação surpresa muito bem-vinda.
O show começou para valer pouco depois das 21h, com Sandstorm do Darude ecoando pelo sistema de PA. Logo nas primeiras notas, os gritos de “A-trê-yu! A-trê-yu!” voltaram a dominar a casa. As cortinas novamente se abriram, revelando o logotipo deles no telão, e a cada integrante que entrava os gritos e a antecipação ficavam mais e mais intensos. Saller fez sua entrada triunfal com Drowning, que é realmente a joia da coroa desta nova era da banda, soltando um simples “São Paulo, what the fuck is up?” Na seguinte, decidiram mostrar um pouco mais de seu lado hard rock com Becoming the Bull, que não é aquela do Massacration, mas a galera cantou tanto quanto. A presença de palco do vocalista era elétrica e a energia do público, contagiante. Ele constantemente descia para a parte inferior do palco, estendendo o braço e deixando os refrães na mão dos espectadores, mas não por falta de capacidade vocal.
Brandon havia tirado seu casaco, a coisa estava séria, e a nostalgia veio em peso. Right Side of the Bed captura toda a essência do som do metalcore antigo, aquilo que alguns amam, outros odeiam, mas era óbvio que todos que estavam lá naquela noite eram fanáticos. Ela deixou à mostra também os gritos poderosos de Porter McKnight, baixista, que assumiu de vez os vocais gritados após a saída do antigo vocalista. Travis Miguel, guitarrista, demonstrou sua proficiência no português, impressionando quem estava lá naquela noite: “E aí, caralho! O que mais? Como estão vocês? Desculpem, mas meu português é muito ruim. Somos o Atreyu, da Califórnia, e finalmente estamos no Brasil.” Mostrando seu lado “tio do pavê”, Saller disse “bochechas”, claramente confuso, e Travis o corrigiu: “Bunda!”
O vocalista explicou a fluência de seu companheiro de banda: “O Travis está esperando para falar português com alguém que o entende há 5 anos, desde que começou a estudar. Esse cara geralmente não fala no palco! Bom, nem fora do palco… Façam barulho para Travis!” Cativados pelo carisma, começaram a gritar o nome dele. “Para essa próxima, vou precisar de duas palavras. Quando apontar o microfone a vocês, gritem: Save Us!”, disse Saller, ao introduzir a próxima.
Muitos podem dizer que o verdadeiro espírito o grupo morreu quando Alex Varkatzas, vocalista e membro-fundador, deixou a banda em 2020; aquele papo de “no Alex, no Atreyu”, que rola em qualquer banda quando há troca de vocalista. Na mesma conversa, quando questionado sobre a saída, Brandon comentou: “Não era nossa intenção colocar uma voz nova, desconhecida, que soasse estranha para os fãs… Isso abriu as portas para que a banda realizasse nosso entendimento do que éramos para ser desde o começo.” De forma semelhante a todas que trocaram de vocalista, o setlist deles consistiu majoritariamente de faixas mais antigas. Tocaram o material novo? Sim, mas sempre alternando com os “clássicos”. Mesmo com tudo isso, a galera cantou Save Us como se não houvesse amanhã.
Ao som de um coro gigantesco cantando The Time Is Now, o vocalista decidiu fazer algo incrivelmente simples que iria tornar a noite daqueles fãs algo inesquecível, muito mais que um show. A música havia acabado de começar, e antes de cantar, o californiano decidiu descer do palco, mas não foi só isso: ele cumprimentou o segurança, passou pela área PCD e simplesmente foi executar a faixa em meio ao público, passando pela roda. Envolto por uma energia absurda, cantou encostado no bar, bateu fotos com o público, simplesmente deu uma volta pelo Carioca Club. Antes de começar When Two Are One, clássico da sofrência “metalcórea”, fez um pedido simples, “é hora de abrir a roda, porra!” Dito e feito.
“Não preciso nem pensar nisso, São Paulo, vocês são o melhor show da turnê!” Travis continuou: “Vocês são do caralho”, enquanto jogava a rosquinha que estava comendo ao público. Deram sequência com uma faixa nova, (i), que apesar de ser bastante recente, foi ecoada a plenos pulmões pelo público, chegando a impressionar até o próprio vocalista. Mostrando toda a versatilidade do Atreyu, houve uma rápida troca de formação: Brandon foi à bateria e Porter assumiu a voz, deixando seu baixo para Kyle Rosa, baterista que voltou à banda após se afastar brevemente em 2024. Assim, começaram Bleeding Mascara, destaque do icônico The Curse (2004), que vem sendo celebrado pela banda em outros países. Voltando ao vocal, Saller não escondeu seu ânimo: “ Vocês são incríveis mesmo, todos os comentários na internet pedindo para virmos para cá estavam certos. Demoramos muito para chegar, mas não iremos repetir esse erro.”
Gone abriu as portas para “uma das antigas”, dedicada a uma fã mirim que estava acompanhada de seus pais no camarote: “Quero dedicar essa para você porque acho que é a pessoa mais nova que está aqui hoje. Essa é sobre o que você não deveria fazer, beber para caralho, não faça isso!” O que veio foi Ex’s and Oh’s, cantada na íntegra a plenos pulmões pela casa. Não bastava ter cantado apenas a letra, pois até o icônico riff de entrada foi ecoado, deixando os próprios músicos claramente emocionados. Uma felicidade inabalável dominava o Carioca, era algo incrível mesmo, uma verdadeira festa, a celebração de uma banda que obviamente teve um impacto imensurável na vida de todos que estavam ali. O “São Paulo, quero ouvir vocês!” antes do último refrão não foi nem necessário, a cantoria já igualava a banda. “Poderiam cantar o riff de guitarra de novo? Foi lindo demais…”, disse Porter, que dali para a frente “só queria tocar no Brasil”.
“Este é o melhor lugar do mundo, vocês são as melhores pessoas do mundo. Agora vamos deixar as coisas um pouco mais devagar, mas não por nós mesmos, mas por um dos maiores cantores da história, Chris Cornell. Essa chama Like a Stone.” Brandon Saller é foda, mas Cornell é insuperável. Mesmo assim, sua versão do clássico do Audioslave é completamente digna. Se Pronoia Sessions já é algo estarrecedoramente airoso, ouvir aquela música com um coro daqueles ajudando foi de tirar o fôlego. Adotando as palavras dele: “Que coisa, vão me fazer chorar.” O baixista percebeu que uma das fãs na grade estava fazendo aniversário, e chamou-a, Mayla, ao palco para celebrar junto aos outros integrantes. Dado esse tempo para respirar, veio Battle Drums, praticamente uma música de rave.
As pérolas em português não paravam, “Travis, fala mais alguma coisa em português. Fala merda do resto da banda”, pediu Saller. “Não aprendi palavrões”, rebateu Travis. “O quê? Essa é a melhor parte!” A galera começou a gritar “filha da puta” incrivelmente alto, o grupo rachou o bico e Brandon foi tentar entender, pedindo pros fãs explicarem pra ele. Depois que entendeu e conseguiu replicar, Porter olhou para um fã e falou: “Caralho, adorei sua camiseta! Onde você comprou?” Quando ele respondeu que tinha comprado na porta (pirata), o baixista riu e falou: “Pô, parabéns aos bootlegers!” Antes de começar a próxima, Brandon falou “I’m going to shake my bunda”. Falling Down manteve o gás lá no alto e foi seguida de uma que era “velha para caralho, e vermelha também”, The Crimson. Vale ressaltar que a produção foi lá fora e acabou comprando alguns exemplares das camisetas para a banda. No final do show, garanti uma para mim também – não só era realmente muito bem feita (com estampa mais interessante do que a oficial, diga-se de passagem), mas estava praticamente esgotada.
No final, Travis transformou o famoso “olê, olê, olê” em riff, com Kyle Rosa rapidamente acompanhando, e a banda toda foi junto, com o público até abrindo a roda. Fizeram basicamente o que o Offspring fez com Come to Brasil, mas de maneira genuína, sem ser apenas uma forma de tirar dinheiro rápido de fã brasileiro. O ex-baterista soltou um “vai, ‘Colinthians’” e os fãs foram à loucura, alguns curtiram, outros odiaram, e a banda logo de cara pegou que era alguma coisa de esporte. Porter falou que o nosso time tava jogando, falando da Seleção, mas a galera não entendeu e falou que não, levando a uma boa confusão dos músicos. Fecharam o primeiro bloco do show com Blow, ecoada palavra por palavra pelo público.
Pouco depois, voltaram ao palco e Brandon rapidamente quis falar uma última vez com seus fãs: “O fato de que demoramos 25 anos para vir ao Brasil me deixa puto. Esse não está sendo apenas um dos melhores shows da turnê, mas um dos melhores que fizemos nos últimos tempos. Vocês e o seu país são tão lindos, estamos felizes para caralho por estar aqui.” Com dedinho estendido, continuou: “Prometo que não iremos demorar tanto para voltar.” O público estava na mão deles, gritando o nome da banda, e eles olhavam fixamente para sua plateia, balançando a cabeça, desacreditados de tudo que acontecia. Falei tanto da energia, mas realmente não dá para fazer jus apenas com palavras, então deixo vocês com um vídeo de Lip Gloss and Black, que encerrou a performance.
Quando desceram do palco, rolou aquela foto, guitarristas e baixista jogaram suas palhetas, o baterista, suas baquetas, e Trevor, o carismático guitarrista, voltou ao palco com uma caixa de rosquinhas, as mesmas que passou o show comendo. Ele dava uma mordida, e jogava o resto aos fãs, mordia, jogava, repetiu isso uma meia dúzia de vezes, até esvaziar a caixa.
Era para o Atreyu ter vindo nos anos 2000? Com certeza! Tocariam para um público bem maior se esse fosse o caso? Sem dúvida alguma! Já passaram do auge e vieram relativamente desfalcados? Talvez… Mereciam mais do que um Carioca Club com nem 75% da lotação? Se não mereciam, sou um caderno de respostas do Enem. Inicialmente, era um daqueles shows que não prometia muito, “ah, não tem aquele vocalista, vai ser num dia de semana”, mas entregaram tudo e mais um pouco, deixando óbvio que foi amor à primeira vista com o Brasil. Não é fácil ver uma banda tão envolvida com os próprios fãs quanto o Atreyu naquela noite. O próprio público também foi um espetáculo à parte, mostrando que eram todos alucinados pelo material dos californianos. Já podem trazer os caras de novo ano que vem. Obrigado.
Setlist “All These Dudes”
I’m Broken (Pantera)
Sad but True (Metallica)
I Believe in a Thing Called Love (The Darkness)
Setlist Atreyu
Drowning
Becoming the Bull
Right Side of the Bed
Save Us
The Time is Now
When Two Are One
(i)
Bleeding Mascara
Gone
Ex’s and Oh’s
Like A Stone (Audioslave)
Parabéns pra Você
Battle Drums
Falling Down
Olê Olê Olê (improvisado)
The Crimson
Blow
Bis
Lip Gloss and Black
Clique aqui para receber notícias da ROADIE CREW no WhatsApp.