Por Guilherme Góes
Fotos: Ygor Monroe e Guilherme Góes
No cenário hardcore, a importância e singularidade da banda Bane são inquestionáveis. Formada em 1995 na cidade de Worcester, Massachusetts (EUA), o grupo trouxe uma inovação significativa ao movimento straight edge ao incorporar composições com temáticas políticas e pessoais, além de uma sonoridade mais melódica e acessível, em uma época em que muitos grupos do gênero focavam em letras sobre veganismo e abstenção de bebidas e drogas, com um som mais metálico, marcado por batidas pesadas e riffs breakdowns. O Bane também foi pioneiro ao criticar comportamentos contraditórios dentro da própria cena hardcore, como na canção Can We Start Again?, considerada um verdadeiro hino, cuja letra critica a presença de atitudes preconceituosas em uma comunidade que prega respeito e união.
Apesar de seu legado marcante, a banda anunciou seu encerramento em 2014, após o lançamento do álbum Don’t Wait Up e uma extensa turnê de despedida que incluiu uma passagem pelo Brasil. No entanto, para alegria dos fãs e da cena hardcore em geral, a banda se reuniu para um show beneficente no dia 2 de julho de 2021, em homenagem ao ex-baixista Brendan “Stu” Maguire, que faleceu de câncer pancreático no final de junho do mesmo ano. Após essa apresentação, os integrantes decidiram retomar suas atividades de vez. Após a volta oficial, muitos seguidores paulistanos solicitaram um show na cidade por meio das redes sociais e finalmente, o sonho se tornou realidade no último sábado, com o grupo se apresentando no palco da House of Legends, no início de sua nova turnê pela América Latina, que também irá passar pela Argentina, Chile, Peru e outros países.
Parece que uma maré de azar vem rondando os eventos de hardcore e música independente em São Paulo nos últimos tempos. Na semana passada, a edição 2024 do Oxigênio Festival passou por mudanças drásticas de última hora, com a mudança do evento, que originalmente seria realizada no Aeroclube Campo de Marte, para os clubes Cine Joia e Audio. Agora, um atraso nos voos de alguns integrantes do Bane acabou afetando o show, que estava previsto para começar às 18h30, tendo o início reagendado para as 21h, com a atração principal subindo ao palco apenas às 23h. Felizmente, a equipe da Solid Music mostrou profissionalismo exemplar e conseguiu manter a programação sem grandes prejuízos. O público também demonstrou compreensão e compareceu em peso, contando até mesmo com seguidores vindos de estados, como Santa Catarina, Paraná e Brasília.
Abrindo a sessão, veio o Estilhaço, banda que, embora nova no cenário, conta com membros experientes e bem conhecidos do hardcore paulistano, como Nino Tenório (Discarga), Tyello Silva (Dance of Days, Manual) e Deco (Ímola e fotógrafo do zine Hardcore Jumpx). Com postura politizada e sonoridade inspirada no metalcore dos anos 90, o grupo apresentou um set curto, com faixas do lançamento Demo 2023, como Sobreviventes, Mal Situados e Desire, além de um novo single intitulado Partida do Sensível.
Um dos destaques da apresentação foi a presença do vocalista Bruno Garofano, que não só impressionou com uma técnica vocal curiosa, cantando em certos momentos como se estivesse fazendo uma leitura de texto, mas também demonstrou excelente oratória ao interagir com o público. Para encerrar o set, o grupo apresentou um cover de Caboose (Snapcase).
Na sequência, veio o Good Intentions, um dos maiores nomes da cena straight edge paulistana, que, infelizmente, encerrará suas atividades no próximo mês de setembro. O show começou com total energia ao som de Convicto, com o público realizando os primeiros stage dives da noite. Logo após, o setlist seguiu com diversas faixas queridas dos fãs, presentes nos álbuns Até o Fim (2006) e Enquanto Houver (2013), além de raridades da fase com letras em inglês como My Truth e Free for Yourself. Perto do final da apresentação, o vocalista André Vieland explicou que o término da banda não se deve à perda de interesse na música hardcore, mas sim ao fato de que os integrantes estão envolvidos em outros projetos, o que impede que o Good Intentions receba a atenção que merece. Como de costume, a dobradinha com Caminho Traçado e Marque essas Palavras encerrou o set, com alguns fãs subindo ao palco para cantar junto com André.
Após enfrentarem uma série de dificuldades ao longo do dia, era quase meia noite quando os integrantes do Bane finalmente subiram ao palco. O vocalista Aaron Bedard fez uma saudação amigável e comentou sobre os atrasos na viagem. Em seguida, a banda abriu o show com Final Backward Glance, um dos principais singles do álbum Don’t Wait Up, que imediatamente incitou o público a formar um moshpit. Após o pandemônio inicial, a banda seguiu com Some Came Running, Count Me Out e Swan Song, na qual Aaron interagiu com a plateia, jogando parte das letras para o público, enquanto o guitarrista Zach Jordan assumia grande parte dos vocais, demonstrando uma técnica melódica impecável.
Em um breve intervalo, Aaron aproveitou o momento para agradecer às bandas de abertura por manterem o espírito do hardcore vivo em São Paulo, e dedicou a música Non-Negotiable a ambas. Durante a execução da faixa, ficou claro que Aaron precisou se esforçar para alcançar as notas mais altas. No entanto, o músico pôde descansar em Can We Start Again, já que dezenas de fãs se aproximaram do palco para cantar junto a faixa mais emblemática do grupo. O show continuou com Speechless, faixa de abertura do álbum Give Blood (2001), e a marcante Calling Hours, conhecida entre os fãs como a “We Are the World do hardcore” devido à participação de vários vocalistas da cena em sua gravação original. Durante esta faixa, os fãs se uniram em um coro massivo, e Zach Jordan se saiu muito bem no trecho originalmente interpretado por Walter Delgado, vocalista da banda Rotting Out. Além disso, o quarteto destacou Ali Vs Frazier I, outra raridade de Give Blood.
À medida que o show se aproximava do final, Aaron comentou sobre o retorno do grupo, expressando a alegria de retomar as turnês com seus antigos amigos. Ele destacou seu amor pela música e pela comunidade hardcore, mencionando que sente a mesma emoção em participar da cena aos 56 anos que sentia quando começou a frequentar shows por volta dos 15 anos. Assim, o show foi encerrado com My Therapy, acompanhada por uma verdadeira chuva de stage dives.
Embora o retorno do Bane tenha gerado discussões polêmicas, principalmente devido às dificuldades vocais de Aaron, que precisa jogar o microfone para a plateia durante as músicas, a performance foi uma oportunidade valiosa para os fãs assistirem novamente uma banda com composições tão marcantes e pessoais.
Bane – setlist:
Final Backward Glance
Some Came Running
Count Me Out
Swan Song
Non-Negotiable
Can We Start Again
All the Way Through
Speechless
Calling Hours
Ali vs. Frazier I
My Therapy
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