Por Daniel Agapito
Um dos grandes nomes do underground do metal extremo, boa parte dos fãs de black metal achava que nunca teria a chance de ver o lendário Beherit, um dos pilares da cena finlandesa. Enquanto diversas bandas ao seu redor corriam para o death metal, o Beherit permaneceu com dois pés fincados no seu estilo, indo contra toda e qualquer moda, lapidando um som diferente da onda norueguesa que estava por vir. O mundo do metal foi surpreendido em 2023 quando Nuclear Holocausto Vengance (vocal), Sodomatic Slaughter (bateria) & Cia. anunciaram duas datas no Japão, sua primeira apresentação fora de sua terra natal. Em um ano recheado de shows (e polêmicas) envolvendo o tão amado e odiado subgênero, o público tupiniquim foi pego de surpresa com o anúncio de uma turnê dos nativos de Rovaniemi em território latino. Conseguimos uma rara entrevista com Marko Laiho, mais conhecido como Nuclear Holocausto Vengance, vocalista e grande mente por trás dos trabalhos da banda. Surpreendentemente caloroso e descontraído, o músico não escondeu sua animação por tocar no país, nem a influência de bandas nacionais como Sarcófago em sua carreira. Falamos sobre o show, seu retorno aos palcos, passeamos por sua carreira no metal e até discutimos a espiritualidade. Confira abaixo!

Depois de muitos anos de bastante seletividade com seus shows, tendo feito sua primeira apresentação de black metal fora da Finlândia no ano passado, o que motivou a sua volta aos palcos com o Beherit?
Marko Laiho: Tenho alguns projetos próprios de noise, fiz alguns shows secretos do Beherit também, para um público bem pequeno e em espaços privados, mas há mais ou menos 3 anos percebemos que já somos caras bem velhos, passamos dos 50. Se não fizermos acontecer agora, não vamos fazer depois e iremos nos arrepender. Quando tocamos em Osaka, no Japão, vimos que foi algo fantástico, foi tão bom tocar para um público tão grande, com fãs de todos os cantos do mundo que vieram só para me ver. Agora quero ter a chance de ver todos os meus fãs, pelo mundo inteiro. E sei que o Brasil é um dos países em que temos um grande público.
Existe alguma chance de um retorno ao black metal em algum projeto de estúdio?
Marko: No momento, estamos concentrados nos shows, nas turnês. Queremos aproveitar cada momento desta oportunidade. Não vamos gravar nenhum material novo, não vou me envolver com mais nenhum projeto, quero aproveitar tudo.
Esta turnê latino-americana está sendo divulgada como a ‘primeira e última vez do Beherit na América Latina’. Por quê? Não se vê voltando para cá com a banda?
Marko: Bom, todos nós trabalhamos, estamos no escritório das 9h às 17h, não podemos ficar saindo em grandes turnês. Não somos uma banda que faz turnês ‘de verdade’, só alguns shows especiais aqui e ali. A distância entre Finlândia e Brasil também é muito grande, são voos muito longos, então vamos aproveitar a viagem e tocar na América do Sul inteira. Geralmente, quando fazemos shows na Europa, por exemplo, fazemos só algumas cidades.
Então vai ser uma daquelas oportunidades para os fãs que só vem uma vez na vida?
Marko: Vai ser algo único! Desta vez, tocaremos os clássicos antigos do Beherit. Se voltarmos em alguma outra hora, será um show completamente diferente, não quero tocar as mesmas músicas velhas toda vez. Entendo que agora é a hora de fazer isso, mas se chegarmos a tocar de novo depois desse ano, seria com um repertório novo.
Você mencionou que sabia que o Brasil era um dos países que tinha uma concentração maior do seu público, e a cultura dos shows por aqui é bastante conhecida pelo mundo, os fãs enlouquecidos etc. O que você sabe sobre o Brasil, neste quesito?
Marko: Sim! A música extrema daí tem muita história! Desde os anos 80, com a Cogumelo Records, é uma história muito, muito longa na brutalidade. Acho que essa é uma das razões da cena forte, poucos outros países têm esse tanto de história. Eu tinha alguns contatos aí no Brasil com quem trocava fitas, então conheci toda essa galera da Cogumelo, o Sepultura, que já era grande na época, mas também Sarcófago, Chakal, Vulcano, Holocausto. Já ouvia todos esses grupos nos anos 80, só coisa boa!
Aqui no Brasil nos últimos tempos, as bandas de NSBM (black metal neonazista) têm sido praticamente caçadas, com matérias passando em rede nacional. A coisa está séria. Qual é a sua visão do uso do black metal como ferramenta para disseminar o ódio?
Marko: Não gosto mesmo desta mistura de black metal com política. O Beherit é zero político, não tenho nenhum interesse nisso, não temos nenhuma letra sobre coisas do tipo, como racismo, fascismo, nada político. Nossas letras são todas sobre o oculto, mas, mesmo assim, dois de nossos shows foram censurados pela Antifa, eles têm algo contra o Beherit, o que é loucura! Esta cultura woke está indo longe demais! As pessoas podem ter opiniões fortes, mas não deveriam tentar mudar o mundo para fazê-lo caber em suas opiniões. Deixem as pessoas pensarem do jeito que pensam, está virando uma loucura. Tento me distanciar ao máximo de tudo isso, direita ou esquerda, não me importo, quero estar acima de tudo isso, somos mais fortes que essas ideologias.
Pulando aqui para a história da banda, você chegou a comentar que o Beherit era a banda de metal mais ao norte da Finlândia, vindo de Rovaniemi, que você mesmo descreveu como ‘a cidade mais violenta do país’. Diria que este ambiente ‘difícil’ influenciou o som que vocês criaram?
Marko: (rindo) Não sei, talvez… Nos anos 80 era diferente, mas acho que realmente foi o som brasileiro, foi essa a grande influência nos primórdios da banda, não necessariamente a cidade. Íamos da escola direto para os ensaios, não trocávamos ideia com gente normal. A música era nossa vida.
Na época, vocês eram considerados um dos responsáveis por manter viva a chama do black metal, ao invés de ‘se render’ ao black metal, que estava na moda. Você também já comentou que se for para discutir o black metal atual, prefere voltar para sua caverna. Com isso, como enxerga o black metal atual?
Marko: De verdade, não faço ideia. É algo tão diferente agora. Não escuto nenhuma música nova, são tantas bandas que nem consigo acompanhar. Sei que há muitas bandas novas, e não vejo nada de errado com isso, mas prefiro ficar ouvindo os meus clássicos, as antiguidades. Não quero ficar desapontado com músicas ruins, um estilo chato de black metal. Perdi esse interesse nos anos 90, quando começou o black metal norueguês. Aí apareceram Cradle of Filth, Dimmu Borgir… Minha visão era outra. Não tem nada de errado com eles, nada de errado com Behemoth e as outras grandes; respeito, mas não é a minha cachaça.
Então, qual é uma banda essencial do black metal, aquela que todos deveriam escutar?
Marko: Sarcófago, I.N.R.I.
O seu interesse pessoal pelo lado mais profundo da vida sempre esteve muito evidente, desde sua juventude satanista, chegando até a fazer parte do Collegium Satanas, ao seu tempo seguindo o odinismo e lendo tudo que era possível de livro esotérico, até sua virada surpreendente quando descobriu o ‘Livro Tibetano dos Mortos’. Poderia falar um pouco sobre sua jornada espiritual e suas opiniões atuais sobre espiritualidade?
Marko: Desde criança, sempre fui agnóstico, procurando respostas às minhas perguntas no oculto e no satanismo, mas também em outras religiões e filosofias, como budismo, taoismo, tudo. Fui ao Sudeste Asiático para um retiro de meditação, e foi uma experiência muito forte. Não me chamaria de religioso, hoje em dia estou mais interessado na ciência, física, teorias quânticas, perguntas como ‘o que é o tempo’, entropia, coisas assim.
Então, um lado mais profundo, filosófico?
Marko: Filosófico e matemático. Essas teorias de espaço, universo, Big Bang, a relatividade do Einstein, amo tudo isso. O que somos como humanos? O que é a Inteligência Artificial? O que está acontecendo com o mundo no momento? O que aconteceu com a democracia, com os ditadores? Qual é a história por trás de tudo isso? Temos algo a aprender sobre a história da era bíblica, do começo da cristandade, como isso reflete nos tempos modernos. Acho isso fascinante.
Aproveitando, o que acha da Inteligência Artificial na arte?
Marko: Não gosto de nenhum conteúdo gerado por IA, seja imagem, vídeo, música. Muitas pessoas dizem que você não consegue perceber diferença alguma, mas eu consigo sim, porra! Essas coisas são todas baseadas em algoritmos e eu odeio esses algoritmos mais famosos. Com certeza, algum dia, seja daqui um, dois ou cinco anos, ela pode estar fazendo música melhor do que os humanos, mas não vejo problema com isso. Não sei se você iria querer sair de casa para ver um show de algum robô de IA tocando música gerada por computador. Falta sentimento, humanidade… Amo esse caos!
Outro marco da história do black metal em que você teve envolvimento, mesmo que seja indireto, foi no ‘conflito ‘ entre as cenas da Finlândia e da Noruega. Poderia nos contar o que realmente aconteceu?
Marko: Não entendo muito… Lembro que basicamente me deram duas opções pelos noruegueses: ou você entra na máfia deles ou é o inimigo deles. Então, pensei: ‘Uhum (risos), não estou muito interessado em fazer parte de uma máfia do black metal.’ Então, passei por tudo isso, já estava em uma fase mais experimental. Eram jovens bêbados fazendo burrice, aí tudo foi um pouco longe demais, na minha opinião. De verdade, não sei o que aconteceu, foi há tanto tempo. Agora com a internet e os fóruns, essas histórias tomam vida própria.
Diria que esta foi uma das razões para o seu distanciamento do estilo?
Marko: Não, me distanciei porque não gostava do estilo mais melódico e das coisas poser que estavam aparecendo.
Seu primeiro álbum, Drawing Down the Moon, é considerado até hoje como um dos mais importantes e únicos do black metal. Ao seu ver, há alguma razão para poucas bandas terem seguido um estilo parecido ao desse disco?
Marko: Foi um tempo muito interessante na minha vida pessoal. Havia acabado de me mudar para outra cidade, estava muito envolvido em rituais pagãos, escutava muito Bathory. Era uma época de muita força espiritual e já tinha essa visão de que você tem que fazer um som único, diferente. Acho que essa é a maior razão: todo mundo soa igual, usam Pro Tools, um monte de coisas no computador, deixam tudo balanceado, fazem tudo de acordo com o livro – se você tem uma banda de black metal, tem que ter esse som: os gritos do mal, tem que ter aquela porra daquele som. Não tenho respeito algum por esse tipo de som. A banda tem que ter sua própria visão, que vem do coração, aí respeito, independente do gênero musical. Nada importa, desde que venha do coração. Tem que ser algo original, é isso que falta hoje em dia.
O processo de gravação do álbum também foi um tanto conturbado, você teve que vender seus bens para pagar o estúdio? Poderia nos contar um pouco dessa história?
Marko: Talvez tenha sido um pouco oportunista quando escolhi o estúdio. Ele era bem profissional, bandas como Tarot gravaram lá, coisa muito profissional mesmo, mas aí o dinheiro acabou. Havia passado meses desde que começamos a gravar, aí vieram os custos da masterização, estava devendo bastante. Era jovem e oportunista, achava mesmo que ia conseguir pagar a conta de algum jeito. Depois mandei a fita promo para a Spinefarm, eles se interessaram, pagaram a conta e consegui voltar para Helsínquia
Sua experiência com a Spinefarm foi bem melhor do que com a Turbo Music, não é? A galera da Turbo realmente pisou na bola com vocês…
Marko: (rindo) É, a Turbo, que começou como Shithouse Music (sic), nos enganaram completamente. De novo, éramos novos, burros e estávamos felizes por ter assinado contrato com uma gravadora. De algum jeito tínhamos que aprender, né? Ainda tem muitos golpistas por aí no mundo da música. Não fomos os únicos que sofremos com esse tipo de negócios ruins.
Olhando agora, 30 anos depois, tem alguma coisa que você se arrependa de ter feito, alguma coisa que faria diferente?Marko: Tudo na vida é um aprendizado, não mudaria nada. Sinto que este é um dos pontos fortes do Beherit: temos tantos tipos diferentes de álbuns, isso nos dá liberdade hoje em dia. Tudo aconteceu como tinha que acontecer. Claro, às vezes gostaria de ser mais produtivo, mas tudo acontece por alguma razão.
Seguindo nesta linha da liberdade e dos álbuns diferentes, os primeiros projetos eletrônicos foram um tanto problemáticos junto aos fãs. Foi algo difícil de lidar?
Marko: De jeito nenhum. Eu não me importo. Foi um tempo bom nos anos 90, você não precisava se importar com a opinião dos outros, com as expectativas. Hoje em dia, você acha que todo mundo tem uma opinião: ‘Você tinha que tocar isso, você tinha que tocar aquilo’. Claro, todos podem ter suas próprias opiniões, mas não quero escutá-las. Eu faço o que quero. É isso que vem dos anos 90, tinha uma liberdade bem maior nesse quesito do que agora, com a internet e tudo que acontece nos comentários. Realmente, não me importo com o que os outros pensam. Se for algo que vem do coração, tá valendo, é o que importa, independente se mais ninguém no mundo gosta.
Agora o espaço é seu: qual sua mensagem para o público latino-americano e para os leitores da ROADIE CREW?
Marko: Obrigado por todos estes 35 anos de apoio, e agradeço aos fãs mais novos também! Esta é uma oportunidade incrível de experienciar um show único do Beherit, coisa de uma vez na vida. Estejam lá, caralho! Vejo vocês lá!

SERVIÇO
Beherit em São Paulo
Data: 22 de maio de 2025
Local: Carioca Club
Venda: https://www.clubedoingresso.com/
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