Por Alessandro Bonassoli
Quem acompanha o mundo da música pesada sabe que os anos 1990 e início dos anos 2000 foram marcados pela efervescência do gothic metal. O gênero que juntou o peso e a agressividade do heavy metal com as nuances sombrias e melancólicas do gothic rock consolidado na década de 1980 surgiu com os pioneiros Anathema, My Dying Bride e Paradise Lost. Fortalecida e transformada por Type O Negative, Moonspell, Tiamat, Tristania, Within Temptation, After Forever, Draconian, Theathre Of Tragedy, Sentenced, Charon e Entwine, citando só alguns exemplos, esta cena tem muitos outros nomes de destaque. Alguns deles não existem mais, outros continuam até hoje, mas há quem parou e, quase duas décadas depois, decidiu voltar à ativa. É o caso de Stefanie Duchêne, vocalista da banda alemã Flowing Tears de 1997 a 2002. Fora da música até 2018, ela surpreendeu antigos fãs quando montou o Behind Your Fear e lançou Ophelia. Distribuído de modo independente, o bom álbum praticamente passou despercebido no Brasil, fato que tinha tudo para se repetir com Anthropocene, segundo trabalho de Stefanie, T. (guitarra, ex-Crimson Moon), Moritz (guitarra, Horn, ex-Crimson Moon), Scorpios (baixo, ex-Ancient e ex-Melechesh) e Michael Stein (bateria, Victory, My Own Ghost). Lançado em 30 de setembro de 2022, só agora chegou até a ROADIE CREW.
Gravadas no Moburec Studios, na cidade alemã de Uelversheim, as 11 novas músicas compostas por Stefanie e T., indicam que tantos anos longe da cena fizeram muito bem para a cantora. Sua saída do Flowing Tears após a tour do excelente Serpentine, que à época saiu no Brasil e demais países da América do Sul pela Century Media Records, sempre me intrigou. O grupo vinha em ascensão, sem se preocupar em disputar espaço com ícones do gothic metal ou em tentar fazer de Stefanie uma alternativa à Tarja Turunen (então no Nigthwish), Sharon Del Adel (Within Temptation), Aneeke Van Giersbergen (que ainda estava no The Gathering) ou Cristina Scabbia (Lacuna Coil). Mas o fato é que, após a série de shows com Tiamat e Moonspell, além de vários festivais europeus, ela cansou e preferiu cuidar da sua vida. Sem ela, o Flowing Tears recrutou Helen Vogt, que gravou o bom Razorbliss (2004), uma continuação natural de Serpentine, o relevante semi-acústico Invanity – Live In Berlin (2007) e Thy Kingdom Come (2008) que, apesar de ter qualidade com a banda soando mais pesada, não repercutiu. O grupo entrou em um hiato em 2013 e, infelizmente no ano seguinte, anunciou o fim de suas atividades.
De volta ao presente e ao Behind Your Fear, é importante dizer que Anthropocene, foi produzido, gravado e mixado por David Buballa. Ele, por sinal, assumiu o posto de baixista assim que Scorpios encerrou sua participação no novo álbum. E logo após o riff que abre One Day vem a certeza de que Stefanie permanece maravilhosa, mostrando que não é necessário ser uma soprano ou fazer malabarismos vocais para encantar. Mesmo sem um alcance tão alto, sua voz continua perfeita.
Ela e os novos parceiros não procuram emular o Flowing Tears, ainda que exista similaridade na ótima The Mask e Heartbeats (onde Stefanie brilha também no piano). A lembrança da extinta ex-banda da cantora acontece, talvez, por causa do ar melancólico que as duas faixas emanam. Em cada uma delas, é cristalino o caminho que o Behind Your Fear está trilhando: fidelidade à primeira era do gothic metal, mas com um ar moderno e sem tentar reinventar a roda.
Minha favorita é New Ways, uma das escolhidas para ter um videoclipe. Mais pesada, a música tem um marcante riff de guitarra que “duela” com uma linha de baixo cadenciada que não esconde os tempos de death metal de Scorpios. Mas o brilhantismo está no contraste entre isso tudo e a voz angelical de Stefanie.
Não espere canções feitas para atender as demandas mercadológicas com refrões “grudentos” ou padrões previamente implantados ou seguidos por estrelas do gothic metal que, no passado, tiveram forte investimento das gravadoras e hoje vivem da (merecida) fama construída em uma era onde a glória era medida pela quantidade de CDs vendidos. Se fosse para seguir essa linha de atuação, acredito, o Behind Your Fear certamente não teria iniciado sua carreira de modo independente. Weakness, Bandaged Eyes e Little While mostram que o grupo quer é se impor com a liberdade de aliar peso e melancolia com alegria e trechos mais calmos, sem se preocupar com os puristas, quer sejam do público ou da crítica.
Em Hollow e Shattered Mirrors o destaque é para as linhas arrastadas de guitarra. Nelas desponta também o trabalho de Stein nas baquetas. E na parte final de Anthropocene, em DNR e Lullaby, brilha com força total a estrela de Stefanie. Ousadia muito bem colocada em vocalizações onde a experiência da diva reina suprema. A última, por sinal, guiada pelo piano é uma conclusão forte. Não é apenas uma faixa para “ocupar espaço”. Ouvi nela uma imensidão de expectativa para um novo álbum. Introspectiva, a canção abre possibilidades para muitas interpretações. Me flagrei imaginando como ficaria maravilhoso nesta canção um dueto entre Stefanie e Aneeke Van Giersbergen. Sonhos à parte, que a renovação do gothic metal continue assim.