Em Fortaleza (CE) o ano de 2013 com certeza deixará marcas profundas. Daqui há vinte, trinta ou quarenta anos os bangers de hoje certamente dirão aos seus netos: “Felizes são aqueles que viveram 2013!”. Não é pra menos, pois neste ano a identidade (ou carma) de capital do forró foi violentamente abalada pela cena rockeira sendo que, 2013 também foi o ano da visita quase inacreditável de um ‘Beatle’, Paul McCartney que testou as estruturas da recém reformada ou construída Arena Castelão (estádio que sediará a copa no município em 2014). De janeiro a dezembro as três maiores produtoras underground da cidade, ‘Gallery Productions’, ‘Gino Protuction’ e ‘Underground Produções’, como diz a máxima secular cearense, “Lavaram a burra” e fizeram transitar pelo estado nomes como, Tankard, Rotting Christ, Enforcer, Possessed, Destruction, M: Pire Of Evil, sem citar grandes nomes da cena nacional e a vinda de Soulfly por uma produtora mais voltada a gostos populares que, agradecidamente, abraçou as chamas do Metal.
O ano de grandes eventos fecha no dia 12 de dezembro com a visita de Benediction, banda britânica que ajudou a difundir o Death Metal em todo o mundo. Fortaleza foi a segunda cidade nordestina a recebê-los, pois no dia 07 eles estiveram em Caruaru (PE). O show realizado pela equipe de Roberto Gino conseguiu atrair um público considerável mesmo sendo numa noite de quinta-feira. Podiam-se observar pessoas que viajaram do interior do estado, até de fronteiras vizinhas, como é o caso de uma turma de Mossoró (RN) que se fez presente na festa. O local – Tendas Bar – já recebeu pesos sonoros como, Rotting Christ e Girl Scool e mais uma vez cedeu as suas estruturas para o público Metal. Assim que adentrei as suas dependências, por volta das 20:00h – ainda sem a liberação dos portões – pude conferir que os cinco ingleses já se faziam presentes sentados e tomando algumas geladas enquanto os técnicos ajustavam o equipamento. Lá fora, o público demonstrava ansiedade em poder presenciar o grande feito de logo mais.
Sinal verde para o pessoal da segurança, então a entrada é desobstruída. Os últimos retoques e passagens de som são concluídos quando as 21:20h a primeira atração dá início ao seu ‘set’. Burning Torment, uma das bandas de Death Metal mais comentadas daquela região foi que se encarregou de aquecer a pista. Luiz Paulo, vocalista, possui um gutural que faz tremer os tímpanos e também é bem familiarizado com o palco não limitando-se apenas em urrar, mas chamando a platéia a se aproximar e participar do ‘mosh’. Na última vez que descrevi uma apresentação do Burning… a noite não tinha sido favorável ao baixista Alexandre que teve o seu instrumento danificado durante uma execução, porém nesta quinta-feira o cara simplesmente comandou o espetáculo com suas manobras de palco impecáveis. Não menos talentoso, o guitarrista Ricardo Bruno também explorava o espaço enquanto o quase paradão, Ednardo, concentrava-se mais em extrair o melhor de seus riffs. O seu companheiro de cozinha, Mardônio Malheiros em sua melhor fase, surrou de tal forma o seu kit, que se pôde observar Darren Brookes (guitarrista do Benediction) fazendo ‘air drum’ com os ‘blast beats’ do cearense. Foram quarenta minutos que valeram uma grande desenvoltura de cada membro e que também serviu para confirmar a permanência de Luiz Paulo no grupo, já que o vocalista dias antes andou postando em redes sociais infelicidades do tipo: “Meu último show com a banda.”
Caminho aberto para uma veterana que há tempos não subia no palco, o Revel Decay, outro grupo local que em 2007 lançou seu álbum, Eternal Decay, mas que começou a sua história em 2000. Enquanto as pessoas ainda chegavam ao ambiente durante o set da última banda, quando Revel Dacay começou a casa já estava com um volume garantido de contingente. A banda já muito conhecida no estado causou uma certa expectativa que ocasionou um maior preenchimento da pista. Logo na primeira canção a reação do público foi imediata. O som altamente pesado chamou até a atenção dos britânicos que se levantaram de suas cadeiras, procurando uma brecha entre as cabeças a fim de ver que banda era aquela tão animalesca. Os riffs que saiam da guitarra eram de uma velocidade tremenda, mas que os outros componentes, baixo e bateria, também não ficavam atrás da barulheira – não é sempre que apenas três instrumentos ao vivo conseguem suprir tanto o espaço sonoro. Destaque incontestável para o baixo pulsante de Eri ‘Decay’. O vocalista Leonardo, que estava desligado da banda fez um bom retorno que lhe valeram inúmeras palmas enquanto ele se esgoelava com seu estilo ‘Gore/Grind’ – fazendo contraste com a proposta Death Metal da banda. Foi um show perfeito que terminou ao som de Dark Freedom (Or Life Of Slavery), um dos melhores temas de seu álbum.
Set dos segundos anfitriões finalizado, agora o festival dá uma pausa para os ‘roadies’ prepararem a próxima atração. Mais uma veterana estava a subir ao palco, dessa vez o comando estava nas mãos do Gorewar. O quarteto também é muito querido pelos ‘Deathbangers’ locais, porém devido a alguns problemas de horário, os músicos tiveram que encurtar o seu tempo, mas foi o bastante para que os presentes pudessem conferir muita paulada sonora – a começar pelas viradas e sequências do baterista Rômulo ‘Shaw’, um dos mais solicitados da região que toca em pelo menos quatro bandas de Metal e ainda “empresta” o seu talento a outros grupos como músico de sessões no estúdio do irmão. Mas nada adiantaria tanta fibra se não fosse a garra do baixista Carlos Menezes. Muito à vontade com o seu instrumento, Carlos mesclava peso harmônico com riffs quando precisava assumir na hora dos solos de Ânderson Nunes. A pista do evento já fervendo, a todo instante recebia um corpo atirado do palco enquanto os músicos, lá de cima, faziam valer a pena cada minuto disponível. Fechando o time, Werbert Lima (vocalista), num momento bastante inspirado, soltava os seus guturais sem dó e com os seus companheiros mostrava porque a Gorewar é uma das mais respeitadas daquele cenário. Não posso deixar de tomar nota dos belíssimos solos de guitarra que, infelizmente, Ânderson não pôde mostrar com mais amplitude devido ao encerramento do set. Deu pra satisfazer? Talvez para os mais ansiosos, mas com certeza ficou aquele gostinho de quero mais. Parabéns aos artistas.
Momento de total expectativa, as atenções se voltam 100% para o palco. O enorme manto negro com o logo do Benediction já desde o começo cobria a parede do fundo, porém nesse momento, as luzes estavam todas voltadas pra ele enquanto os músicos não apareciam. Depois de alguns minutos os PAs começavam a emitir o som da introdução, de repente vem surgindo no canto do palco, Dave Hunt seguido do jovem baterista, Ashley Guest. Os guitarristas fundadores Darren Brookes e Peter Rewinsk surgiram logo atrás com o baixista Frank Healy. A turnê seria para tocar todo o álbum Trascend The Rubicon, mas os planos mudaram em cima do palco. Os músicos preferiram brindar os bangers com sucessos de toda a sua carreira, como foi o caso de The Grey Man, canção do último álbum, Killing Music de 2008. Dave impressionava não apenas por suas vocalizações, mas também pela pessoa simples e comunicativa que é. Logo nos primeiros instantes do show ele chama o povo a se aglomerar na frente do palco e instiga todo mundo a criar as primeiras rodas.
Depois da primeira música veio o primeiro pronunciamento de Dave que dise que a banda está em turnê celebrando os vinte anos do Transcend…, agradece aos presentes, então grita: “Nightfear!” e os “comparsas” seguem o comando explodindo os riffs da segunda faixa do disco nos PAs. No final dessa execução o seu microfone falha, problema esse resolvido na hora com a troca do cabo do aparelho (para a alegria de todos os presentes). O set variado permitiu também que Nothing On The Inside fosse executada. O álbum Organised Chaos não é um dos mais populares da banda, mas nem por isso a sua canção esfriou a pista, pois muitos ali estavam realizando um sonho e, com certeza, seja qual fosse a música a presença daqueles caras compensavam qualquer audição. Outra canção inusitada foi The Grotesque, do EP de 1994, The Grotesque / Ashen Epitaph que o ‘frontman’ anunciou depois de apresentar ao público o baterista Ashley, que os acompanha na turnê sul americana.
A lista de clássicos do álbum aniversariante foi seguindo com Unfound Mortality. Hunt pede para formarem o ‘circle pit’ enquanto os dois guitarristas (um em cada extremo do palco) faziam a galera se agitar com suas notas distorcidas. Frank, o baixista canhoto que estreou na banda justamente no lançamento de Transcend… arrancava também alguns gritos do público que se surpreendia com sua postura e visual meio Punk. O cara é simplesmente notável em palco, resultado de sua grande experiência que vem bem antes do Benediction, pois ele já participou das primeiras formações do Napalm Death, assim como passou por Cerebral Fix e Anaal Nathrakh. Um momento hilário da festa ocorreu quando Dave pediu para a multidão gritar, soltando um sonoro: “Scream For Me, Fortaleza!” pelo menos já deu pra perceber que um dos grupos pioneiros do Death Metal também é fã de um dos maiores nomes do Heavy Metal. Ao comando do vocalista a plateia prolifera pela casa os indispensáveis “Hey-Hey-Hey!” e o número dos ingleses segue a diante.
Os malditos problemas técnicos pareciam querer arruinar os planos dessa noite, e a vítima dessa vez parecia ser o baterista Ashley, mas um bom show musical não é feito apenas de música e sabendo disso, o carismático vocalista aproveitou aquela “pausa” para tecer elogios à Fortaleza: “Nós estamos muito felizes por estarmos aqui, a recepção tem sido ótima!” (na noite anterior a banda esteve presente no Bar Rock 80, onde passaram um belo momento ao lado dos fãs. Tudo na maior simplicidade, regado a cervejas e brincadeiras). Problemas devidamente sanados, a banda volta a executar mais uma do último álbum, They Must Die Screaming. A plateia responde com entusiasmo e os mais aventureiros driblavam a segurança para saltarem em seus ‘stage dives’.
Ao observar aquele alvoroço, Dave faz mais elogios às pessoas dizendo: “Os bangers da America do Sul são os mais loucos!”, mas também dá um puxão de orelha ao ver que um dos fãs se machucou no meio do ‘mosh’. Para finalizar o aviso de “ter cuidado”, ele pergunta: “Vocês conhecem o álbum The Dreams You Dread?” a partir daí o aviso era outro, o de riffs desenfreados tocados por seus compositores originais, Darren e Peter. O peso da velha escola é impressionante e os decibéis só não foram ensurdecedores por se tratar de um lugar muito espaçoso e aberto, mesmo assim o poder sonoro podia ser notado a grandes distancias (assim fui informado por pessoas que não estavam na festa). Durante a celebração, Hunt fazia questão de apresentar cada membro da banda música após música, mesmo sabendo que aquela atitude não seria muito necessária, pois quem estava ali já sabia da importância e da identidade de cada um – com uma pequena ressalva de Ashley que vem de uma banda de Heavy Metal chamada Subsidian, até então, pouco conhecida dos brasileiros. O baterista com suas pegadas mostrava ser digno de ocupar aquele trono e seu companheiro de cozinha, Frank, parecia ficar bem à vontade com o “novo” parceiro – e foi a dupla Frank e Ashley que começou a detonação de Magnificat (Irenicon), música de Grind Bastard, álbum de 1998.
Um dos melhores momentos do evento foi a execução de Jumping At Shadows e, devo confessar que aquele instante foi nostálgico pra mim, pois essa música é uma das que carregam mais a marca de Dave Ingran, vocalista clássico da banda – e foi justamente no álbum The Grand Leveller (o que contém a canção) que Benediction atingiu o máximo reconhecimento na cena mundial em 1991. A movimentação dos presentes, assim como no palco, foi incendiária, mas o que balançou mesmo as estruturas do Tendas Bar foi a música seguinte, Subconscious Terror. Um set desses era mesmo para não deixar pedra sobre pedra. As rodas surgiam uma após a outra deixando contentes os cinco músicos – Hunt não parava de chamar as pessoas que se jogavam umas em cima das outras insanamente. Acredito até que esse momento foi deixado para o final porque alguém disse aos britânicos que o seu ‘debut’ era o mais aclamado da banda nas terras brasileiras. Se a intenção foi essa, a banda acertou no alvo. O show terminou com muitos aplausos e muitas calorias a menos, um temido “good nigth” ressoou por toda a casa ao término da canção, mas com ele o encerramento de um ano histórico para o underground cearense. E que 2014 chegue com algo mais que a copa para que possamos também junto com 2013, marcá-lo na memória. Parabéns ao povo alencarino.
Set List Benediction:
The Grey Man;
Nightfear;
Nothing On The Inside;
The Grotesque;
Unfound Mortality;
They Must Die Screaming;
The Dreams You Dread;
Magnificat (Irenicon);
Jumping At Shadows;
Subconscious Terror.