Por Marcelo Gomes
Fotos: André Velozo, Best of Blues and Rock e Belmílson Santos
O último dia do Festival Best of Blues, realizado em São Paulo, foi marcado por uma atmosfera eletrizante, impulsionada pela presença de artistas nacionais e internacionais. A banda brasileira Hurricanes, com seu rock influenciado pelo blues e pelas sonoridades dos anos 70, e a talentosa Judith Hill, reconhecida por sua voz potente e pelas influências soul, compuseram o line-up da noite com o Deep Purple, conferindo diversidade cultural ao evento. Menos de um ano após sua última passagem pelo país, os britânicos retornaram ao Brasil para incendiar o palco do festival, comprovando que o hard rock clássico permanece vivo e relevante. Realizado no Parque Ibirapuera, o evento reuniu uma legião de fãs em um domingo frio, proporcionando apresentações que alternaram entre sucessos consagrados e faixas mais recentes, em um espetáculo à altura do legado do blues e do rock.
A banda brasileira Hurricanes foi responsável por abrir o evento e entregou uma apresentação poderosa no último dia do festival, conquistando o público com seu rock calcado no blues e em influências setentistas. Formada por Rodrigo Cezimbra (vocais), Leo Mayer (guitarra), Henrique Cezarino (baixo), Guilherme Moraes (bateria) e Jimmy (teclado), o grupo mostrou personalidade e coesão em faixas autorais como Penny in My Pocket, Come to the River e Thunder in the Storm, equilibrando peso e melodia com precisão. O momento mais emotivo ficou por conta da belíssima Weary Hearted Blues, que arrancou aplausos calorosos da plateia. A banda também mostrou versatilidade ao incluir no setlist uma poderosa versão de With a Little Help from My Friends, clássico dos Beatles imortalizado por Joe Cocker, encerrando o show em clima de comunhão com o público.
Durante o festival, foi realizada uma coletiva de imprensa com o Deep Purple. Um dos diferenciais do evento é justamente a criação de oportunidades como essa. Havia grande expectativa em torno da presença do vocalista Ian Gillan, que, no entanto, não compareceu. Roger Glover (baixo), Ian Paice (bateria), Don Airey (teclados) e Simon McBride (guitarra) participaram e responderam a perguntas da imprensa. Contudo, o ambiente não foi dos mais amistosos: diferente do clima descontraído observado na coletiva de Alice Cooper no dia anterior, houve excesso de rigidez por parte da segurança, incluindo a formação de um cordão de isolamento. Um incidente envolvendo uma fotógrafa resultou em ameaças de expulsão, gerando desconforto entre os presentes. Coincidência ou não, a coletiva, prevista para durar 30 minutos, foi encerrada após apenas 15 e, como consequência, boa parte dos veículos de imprensa presentes não pôde registrar imagens da apresentação do Deep Purple, incluindo a equipe da revista ROADIE CREW. Importante ressaltar que a assessoria e a equipe do festival se mostraram cordiais e prestativas em todo momento, inclusive pedindo desculpas pelo episódio, que aparentemente fugiu ao controle da organização.
Com a pontualidade britânica, Gillan, Glover, Paice, Airey e McBride começaram com Highway Star, um clássico que imediatamente colocou o público em êxtase, mas não sem alguns desafios iniciais. Ian Gillan, que está prestes a completar 80 anos, pareceu um pouco hesitante no início, lutando para alcançar as notas mais altas com a mesma precisão de outrora. No entanto, isso foi apenas uma dificuldade momentânea; à medida que a música avançava, ele aqueceu a voz e entregou uma performance sólida, mostrando resiliência e profissionalismo. É natural que a performance vocal já não seja a mesma de décadas atrás, mas ainda assim conseguiu transmitir a intensidade e o carisma que o tornaram um ícone, compensando qualquer limitação. Vale destacar também que a guitarra de Simon McBride e o baixo pulsante de Roger Glover complementaram o momento, criando uma abertura que serviu como um aquecimento perfeito para o que estava por vir.
Em faixas como A Bit on the Side e Hard Lovin’ Man, a banda exibia uma química impecável, com cada músico demonstrando maestria absoluta. Into the Fire trouxe um groove pesado e energético, destacando o trabalho preciso de Ian Paice na bateria, que manteve o ritmo forte e pulsante. O solo de guitarra de Simon McBride veio a seguir e mostrou que o guitarrista não tenta imitar Ritchie Blackmore ou Steve Morse, ele entrega seu estilo, com solos cheios de técnica e alma, provando que está mais do que à altura da missão, mesmo que alguns fãs mais antigos torçam o nariz para o recém-chegado.
Dedicada a Jon Lord, tecladista fundador da banda, Uncommon Man trouxe emoção, transformando o momento em uma merecida homenagem, misturando nostalgia e gratidão. Gillan agradeceu o carinho do público e, em clima descontraído, introduziu Lazy Sod com um comentário bem-humorado, dizendo que a letra era sobre tentar incendiar a própria casa. Em seguida, Lazy, na qual Don Airey brilhou com uma extensa introdução de teclado, preparou o terreno para uma execução magistral. A versão estendida desse tema foi um verdadeiro deleite para os fãs, com Airey improvisando e relembrando os tempos áureos em que a banda ousava viajar por mares desconhecidos. Em seguida, When a Blind Man Cries permitiu que Gillan mostrasse sua dramaticidade e versatilidade vocal, agora completamente aquecido e confiante em uma interpretação emocionante. A inclusão da empolgante Anya adicionou dinâmica, trazendo a cumplicidade entre teclado e guitarra que definem o som único do Deep Purple. E o que dizer do solo de teclado de Airey que veio a seguir? Ele incorporou trechos da icônica Mr. Crowley, de Ozzy Osbourne, enquanto mostrava seu apreço pela cultura brasileira com Garota de Ipanema e Aquarela do Brasil, criando um vínculo emocional que encantou o público e transformou o momento em uma celebração única.
À medida que o show se aproximava do fim, faixas como Bleeding Obvious, Space Truckin’ e a icônica Smoke on the Water elevaram a intensidade a níveis estratosféricos. A banda soou impecável do início ao fim, com uma sincronia que fez parecer que o tempo não havia passado; cada nota foi tocada com precisão cirúrgica, e o público cantava em uníssono. O encore começou com o cover de Green Onions, de Booker T. & the MG’s, que adicionou um sabor bluesy e dançante, seguido por Hush e Black Night, que fecharam a noite com euforia total. Esses clássicos provaram que o Deep Purple permanece relevante, misturando nostalgia com uma execução atual e poderosa.
No geral, o show do Deep Purple foi uma masterclass de rock’n’roll, uma prova de que a banda continua a evoluir sem perder sua essência. Apesar da idade de Gillan e dos desafios vocais iniciais, o grupo como um todo demonstrou vitalidade e profissionalismo excepcionais, soando impecável e inspirador. Para os fãs presentes em São Paulo, foi mais do que um concerto: foi uma aula com os mestres, atravessando décadas de música inovadora e reforçando o legado de uma banda que ajudou a definir o hard rock.
Setlist Deep Purple
Highway Star
A Bit on the Side
Hard Lovin’ Man
Into the Fire
Uncommon Man
Lazy Sod
Lazy
When a Blind Man Cries
Anya
Bleeding Obvious
Space Truckin’
Smoke on the Water
Green Onions
Hush
Black Night
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