Por Ricardo Batalha (dia 02/06) e Marcelo Gomes (dias 03 e 04/06)
Fotos: Roberto Sant’Anna e Belmilson dos Santos
DIA 1
Sem contar com seu antigo patrocinador master, o Best of Blues and Rock, realizado pela Dançar Marketing, chegou à sua 10ª edição mesclando momentos de puro entretenimento, lazer e grandes shows para os que compareceram na plateia externa do Auditório Ibirapuera – Oscar Niemeyer, situado no Parque do Ibirapuera, em São Paulo (SP). Porém, uma mudança surpreendeu seu público cativo: a cobrança de ingresso. Por isso, o dia inaugural (2 de junho), que trouxe Tom Morello, Extreme, Malvada e Nanda Moura, contou com muitas promoções, sorteios e entradas free, já que ficou complicado emplacar vendas com valor alto de ingresso em um evento que teve a abertura dos portões às 15h de uma sexta-feira. Além disso, nos dias 3 e 4 de junho, concorria com a realização do festival MITA – Music Is The Answer no Vale do Anhangabaú. O tempo colaborou, a organização estava impecável e entrada tranquila para o público, incluindo o PcD (acesso prioritário e rampa exclusiva), que contou com diversas opções nos estandes de alimentação e bebidas (Jack Daniels e Spaten), área de descanso e espaços de souvenires, área de patrocinadores/apoiadores, como o R7 no estúdio R7 Space.
“A edição de aniversário celebrou o Blues e o Rock durante um final de semana ensolarado, com as famílias curtindo boa música, com bandas de várias gerações e estilos”, comentou Pedro Bianco, organizador e criador do Best of Blues and Rock. “Foram fantásticos os encontros entre os artistas no palco: Gary Cherone e Nuno Bettencourt do Extreme e Steve Vai subiram ao palco com Tom Morello; já Tom Morello foi convidado por Buddy Guy para uma jam na noite de domingo. Buddy Guy trouxe sua filha Carlise e seu filho Greg ao palco para apresentações memoráveis! Foi uma grande satisfação ver e sentir a sinergia entre os artistas e o público presente! Vamos manter o festival e a chama do Blues e do Rock viva por muitas gerações”, acrescentou.
Mesmo com a boa qualidade de som e iluminação, tendo projeções simultâneas e um vídeo editado com imagens das atrações das edições anteriores na estrutura do Auditório Ibirapuera, o palco estava com um recuo gigante. Como se não bastasse, os fotógrafos que foram fazer a cobertura não tiveram pit, sendo obrigados a tirar as fotos no final da pista, num recuo próximo da house mix. Além disso, é louvável o fato de realizarem coletivas de imprensa durante o evento. No entanto, a de Buddy Guy, mestre do blues que veio em sua turnê de despedida “Damn Right Farewell Tou”, coincidiu com início do show do Goo Goo Dolls. Assim, como a autorização dos fotógrafos era para as primeiras músicas (do lado da house mix), complicou – felizmente, eles foram liberados para fotografar a última música.
Por ter o início às 15h40, perdemos a apresentação da cearense Nanda Moura, vocalista e guitarrista considerada uma revelação do blues brasileiro e que se apresentou ao lado do tradicional grupo carioca Blues Etílicos. A banda paulistana Malvada, que vem se apresentando com frequência, mandou seu energético rock’n’roll pesado com letras em português, focando o set em faixas do álbum de estreia, “A Noite Vai Ferver”. O repertório também contou com homenagem à saudosa Rita Lee com “Esse Tal de Roque Enrow”, do clássico “Fruto Proibido” (1975) do Tutti Frutti, e outros covers para Janis Joplin (“Summertime”) e “Purple Haze”, de Jimi Hendrix, uma das influências diretas da guitarrista Bruna Tsuruda. Angel Sberse (vocal), Marina Langer (baixo), Juliana Salgado (bateria) e Bruna se mostraram bem entrosadas, com desenvoltura e presença de palco, fruto de apresentações seguidas, incluindo em eventos de grande porte, como o Rock in Rio de 2022. Destaques ainda para “Mais Um Gole”, a recente “Perfeito Imperfeito” e a faixa-título do debut, que fechou o show.
Na sequência veio o Extreme, que havia se apresentado em São Paulo pela última vez em 2015. Agora com um novo álbum na manga, “Six”, a expectativa para ver Gary Cherone (vocal), Nuno Bettencourt (guitarra), Pat Badger (baixo) e Kevin Figueiredo (bateria) em ação era ainda maior. “Rise”, “#Rebel” e “Banshee”, novos singles que anteciparam o lançamento oficial (9 de junho), chamaram a atenção dos fãs na apresentação, que começou com adrenalina em alta com “Decadence Dance”, do clássico “Extreme II: Pornograffitti” (1990). Deste mesmo álbum, que fez muito sucesso, inclusive no Brasil, mandaram “It (‘s a Monster)”, a aguardada e popular “More Than Words”, a instigante “Hole Hearted” e “Get the Funk Out”, que contou com a presença do brasileiro Mateus Asato, apresentado por Nuno como um dos melhores guitarristas do mundo. Por sinal, Nuno estava totalmente à vontade, se comunicando em português – ele é natural da Praia da Vitória, no arquipélago dos Açores, em Portugal – e mandando toda a sua técnica, virtuose e bom gosto na guitarra, como se viu também no especial solo “Flight of the Wounded Bumblebee”, e no violão. A banda toda, por sinal, mandou bem nos quesitos técnica e bom gosto, como na instrumental “Midnight Express”, do álbum “Waiting for the Punchline” (1995). Já Gary Cherone, além de mandar muito bem nos vocais, tem uma presença de palco que se agiganta em grandes eventos.
Afora as faixas de “Extreme II: Pornograffitti”, o repertório trouxe outra música que teve grande impacto no Brasil: “Rest in Peace”, de “III Sides to Every Story” (1992). Deste mesmo trabalho também mandaram “Cupid’s Dead” e “Everything Under the Sun: II. Am I Ever Gonna Change”, e o set ainda contou com um medley interessante com “We Will Rock You” e a antigona “Play With Me”, do debut homônimo de 1989.
Depois veio Tom Morello, que também se apresentou no último dia do evento. Por sinal, ele já havia sido atração do Best of Blues and Rock em 2018. Já a segunda noite do Best Of Blues foi marcada pela diversidade de estilos musicais, que iam do hardcore do Dead Fish ao blues do Buddy Guy, passando pelo rhythm and blues do The Nu Blue Band. O brasileiro Artur Menezes e o guitarrista americano Steve Vai também fizeram parte do line-up do festival.
DIA 2
Depois do show do The Nu Blue Band que o público pareceu bem ambientando, era a hora do mago das guitarras Steve Vai mostrar a que veio. Em turnê de “Inviolate” (2022), o guitarrista despertou a curiosidade dos presentes, que ainda estavam sob o efeito da banda anterior. Já no backstage, Vai começou a atiçar a audiência do festival com sons estridentes. Com sua guitarra cheia de luzes de LED no braço, abre com “Avalancha”, faixa de “Inviolate”, seguida por “Giant Balls of Gold” e a introspectiva “Little Pretty”. Para quem não conhece o trabalho do americano, deve ter sido um choque grande a ponto de muitas pessoas começarem a ir para os bares e banheiros.
O som estava perfeito, a banda super entrosada, mas dentro de toda a viagem musical que Vai se propõe (ainda mais, sem vocalista), talvez tenha espantado algumas pessoas. O baterista Jeremy Colson, trajando uma camiseta do álbum “Chaos AD” do Sepultura, faz uma levada enquanto o guitarrista falava como é bom estar de volta e apresentar a banda. Tocam “Tender Surrender” que, com belas melodias, consegue arrancar bons aplausos ao final. A calmaria acaba já no início de “Building The Church”, na qual Vai se utiliza da técnica de two hands e faz da sua guitarra praticamente um teclado, chamando atenção até dos mais desatentos.
“É um privilégio estar no mesmo palco que o Buddy Guy”, diz o guitarrista. Ele continua falando que em sua adolescência não teve muito acesso ao blues, mas curtia Deep Purple, Led Zepellin e Queen… Até ouvir o Buddy Guy. Para Vai, fica difícil mensurar e até entender a contribuição que o veterano do blues trouxe para a guitarra que, segundo ele, inspirou até Jimi Hendrix. Dedica a mais blues do setlist, “Greenish Blues”, ao Buddy.
Ao som de relinchos, executa a pesada “Bad Horsie”, que é considerada um dos grandes clássicos do guitarrista. Um pequeno solo do baterista Jeremy Colson consegue empolgar os presentes, antes de uma das mais esperadas do setlist. Inspirado na mitologia grega, o americano surge no palco com sua guitarra coberta por um pano preto que escondia a guitarra de 3 braços remetendo a história de Hidra na qual tinha um corpo com várias cabeças. A guitarra com seu formato fantástico tem um braço de 7 cordas, outro de 12 cordas e um braço de baixo com 4 cordas. O mais impressionante de tudo isso é que o Vai utiliza todos praticamente ao mesmo tempo mostrando porque é uma das maiores referências da guitarra mundial.
As duas últimas foram “Zeus In Chains” e a magnífica “For The Love of God”, que ganhou uma versão especial para o festival. Seu técnico de monitor, Danny G., cantou as melodias da guitarra de forma operística e aparentemente em italiano, dando uma dramaticidade interessante a música. A impressão que fica é que a guitarra é praticamente uma extensão do corpo do Vai que faz execução que beira a algo espiritual. É no mínimo inspirador vê-lo tocar de forma tão apaixonada.
Na hora do Buddy Guy, o público que parecia ter se dispersado uma pouco, volta a se aglomerar para ver a despedida da lenda do blues. O entusiasmado mestre de cerimônias, Johnny Sims, anuncia a chegada da lenda do blues. Com a banda posicionada e fazendo uma pequena jam, o tecladista chama o guitarrista que já chega fazendo o que sabe de melhor, mandando um solo inconfundível antes de proferir “Damn Right, I Got The Blues” e ser ovacionado já logo de início. Em “I’m Hoochie Coochie Man”, o bluesman seu lado performático e insinuante quando se esfrega na guitarra arrancando risos e levando os fãs à loucura. No auge de seus 86 anos, sua voz continua entoando o estilo de forma potente. Ele demonstra isso em “Five Long Years”, How Blue Can You Get?”, “Boom Boom”, entre outras que fizeram parte dessa noite histórica.
O carismático Buddy Guy parecia estar feliz, usou uma baqueta para tocar sua guitarra, outrora batia com uma toalha enquanto fazia o riff de “Sunshine of Your Love” do Cream e em um dos momentos inesperados, tocou “Voodoo Child” de Jimi Hendrix e deixou todos boquiabertos.
A lenda parecia incansável, na parte final do show, chegou a mencionar que gostar de fazer jams e dividir o palco com outros músicos. Convidou seus filhos Carlise Guy (vocal) e Greg Guy (guitarra) ao palco e chegou a citar os nomes do Steve Vai e Tom Morello para participarem também mas acabou não rolando. O guitarrista Marcelo Zaine, amigo de longa data dos caras, acabou participando de última hora. Carlise cantou divinamente ao lado do pai enquanto Greg mostrava que tinha o DNA da lenda. Com uma longa jam encerram de maneira magistral a segunda noite do festival.
DIA 3
O terceiro dia de festival foi o mais cheio e que começou mais cedo. Não era nem 14h quando o som começou a rolar com o show da Day Lymns. O Ira veio na sequência trazendo hits da carreira, mas foi quando o Goo Goo Dolls se apresentou que o público estava em maior número. Na verdade, a maioria ansiava por ouvir “Iris”, faixa que faz parte da trilha sonora do filme, “Cidade Dos Anjos” e fechou a apresentação do grupo.
Finalizado o show, resolvi andar pelo festival e eis que encontro um amigo que estava com a equipe do Buddy Guy. Fui apresentado ao Johnny Sims (mestre de cerimônias do Buddy Guy) que me convida para assistir a apresentação da lenda, do palco. Pude ali ver e acompanhar todos os preparativos para o show. Mesmo com a tensão pré-show, todos os membros da equipe e até mesmo os músicos da banda se mostraram bem calmos, afinal são músicos experientes e o clima parecia ser de celebração ao Buddy.
Quando a lenda, Buddy Guy, surge do meu lado, passa um filme na minha cabeça. O que faz um senhor de 86 anos ainda estar na estrada? Com uma simpatia ímpar e mais o mais importante, com qualidade, Buddy Guy inspira e encanta todos a sua volta. O show não foi diferente da noite anterior mas certamente o impacto de sentir seu som cru em cima do palco reforçou ainda mais minha visão sobre sua grandiosidade dentro do mundo da guitarra. Enquanto a maioria, hoje em dia, usa sistemas mais modernos de retorno como o “in ear” (fones de retorno), o guitarrista é old school, o som vem dos amplificadores e está alto no palco.
A plateia parecia mais animada do que na noite anterior, não era para menos, era a despedida de uma lenda que vem influenciando gerações por décadas. O número de tocar com a baqueta, se esfregar e até tocar com a boca a guitarra fascina a galera que retribui com gritos histéricos. Num dado momento, ele sola olhando para a lateral onde eu (N.E.: Marcelo Gomes) estava, aplaudo em referência ao mestre, que retribui com um aceno com a cabeça. O show poderia ter acabado nesse momento que estaria ótimo, mas ainda rolaria uma participação especial. Do meu lado, aparece Tom Morello que conversa com o roadie do Buddy para acertar os detalhes sobre sua participação na jam final. Assim como na noite anterior, Buddy chama seus filhos, Carlise e Gregg Guy que entram primeiro no palco ao lado do pai. Tom entra na sequência usando a guitarra signature do Buddy que foi emprestada pelo Marcelo Zaine que tocou na noite passada. Como pude testemunhar, tudo combinado na hora a ponto do Morello perguntar ao roadie em que a música seria tocada. Que final apoteótico ! Um senhor de aparência frágil que ainda tem o domínio das mãos, uma voz potente e um sorriso no rosto, se despede de maneira digna e com a sensação de missão cumprida não deixando dúvida que seu legado é eterno e servirá de inspiração por muitas gerações.
Para encerrar o terceiro dia do festival Best Of Blues, o guitarrista Tom Morello apresentou músicas autorais, além de sucessos do Rage Against The Machine e Audioslave. O show começa morno com “One Man Revolution” do trabalho solo “The Nightwatchman” (2007), algo que grande parte do público desconhecia. A sequência com “Let’s The Party Started”, de “The Atlas Underground”, e “Hold The Line” já seguem mais a linha do Rage Against The Machine, mas mesmo assim não empolgam tanto. Para matar a saudade dos fãs, o guitarrista fez um medley de canções do Rage Against The Machine, dentre elas, “Bombtrack”, “Bulls On Parade”, “Guerrilla Radio”, entre outras que empolgaram o início do set. A emoção tomou conta quando Morello dedicou “Like A Stone” do Audioslave ao finado vocalista Chris Cornell.
Jimi Hendrix foi homenageado ganhando uma versão instrumental de “Voodoo Child”. A colaboração com Maneskin na faixa “Gossip” também fez parte do setlist com os vocais do guitarrista Carl Restivo. Um som bem na linha do festival foi “Cato Stedman & Neptune Frost”, um belo blues que foi dedicado ao Buddy Guy. Morello teve uma recepção calorosa mesmo quando desconheciam por completo as músicas solo mas o que fãs queriam mesmo, era ouvir os clássicos do Rage Against e Audioslave. As partes que mais empolgavam eram quando faziam sons de suas exs bandas. Então, nada melhor do que mais um medley do Rage Against que teve “Testify”, “Freedom”, “Guetto Blaster” e agitou bem o público sedento por esse material.
A grande surpresa da noite foi a versão instrumental de “Killing In The Name” do Rage Against The Machine, na qual o guitarrista virou o microfone para o público que cantou a plenos pulmões a música toda. Sem dúvida, o ponto mais alto da apresentação, que ainda teve “Power To People” (John Lennon) encerrando a terceira noite do Best Of Blues, que teve um saldo positivo. Com uma boa estrutura, boas atrações e cumprindo os horários, conseguiu proporcionar bons shows e jams exclusivas que marcaram a décima edição do festival.
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