Está escrito nas costas de um dos cinco modelos de camisa à venda no estande de merchandising: “Black Sabbath’s last show ever in Rio de Janeiro”. Depois de Porto Alegre e Curitiba, antes de São Paulo, era o fim para a cidade que num passado distante mereceu ser chamada de maravilhosa. Ozzy Osbourne, Tony Iommi e Geezer Butler juntos no mesmo palco, nunca mais. E se você está lendo estas linhas, agradeça a esses três senhores e também a Bill Ward, que ficou fora do que deveria ser a reunião da formação original em 2013, quando foi lançado o excelente “13” com Brad Wilk (Rage Against The Machine) na bateria, assumida ao vivo por Tommy Clufetos, da banda solo do Madman. E quem escreve estas linhas tem uma gratidão eterna ao quarteto por ter aberto as portas ao estilo musical que despertou a paixão pela música.
Não deve ser muito diferente para Jay Buchanan (vocal), Scott Holiday (guitarra), Dave Beste (baixo) e Mike Miley (bateria), a unidade que atende por Rival Sons e teve a responsabilidade de abrir os serviços. Claro, é preciso perguntar a eles, mas apesar de o som do quarteto remeter basicamente a outro gigante inglês, o Led Zeppelin, o peso dos riffs de Holiday tem um ponto de partida: Tony Iommi. Que o diga a majestosa “Secret”, em que o guitarrista mostra ter feito direitinho o dever de casa, acompanhado do outro destaque, o ótimo Buchanan. Sem esconder os cacoetes à la Robert Plant, o sujeito já tinha enchido os olhos no início com “Electric Man”.
Mas, veja bem, o próprio Sabbath por muito tempo não se sentiu à vontade com o termo Heavy Metal. Ok, no início foi novidade também para eles, os criadores do gênero, então o que rolava era a influência do Blues e do Rock’n’Roll. E o que o Rival Sons faz? Manda “Open My Eyes”, um Hard Blues de respeito, e aperta o passo com “Torture”, na qual Buchanan coloca o público para cantar, e “Keep On Swinging”, cujos holofotes vão todos para Holiday, novamente. Única faixa do último álbum, “Hollow Bones” (2016), a emocional semibalada “Fade Out” é dedicada a um amigo falecido durante as gravações do trabalho. E ainda teve o groove espetacular de “Pressure And Time” em 40 minutos de uma apresentação que só não foi impecável por isso mesmo: foi curta. Está na hora de o Rival Sons voar solo no Brasil.
Apenas 20 minutos para os roadies e técnicos deixarem o palco pronto para o Black Sabbath se despedir do Rio numa Apoteose lotada. E pontualmente às 21h30 uma animação sensacional no telão, com o capeta passando o rodo no Mundo, consumido pelas chamas, antecedeu o barulho de chuva, o som do sino e a músico que começou tudo oficialmente em 13 de fevereiro de 1970. Por todo o contexto, nada mais simbólico, e “Black Sabbath” foi de arrancar lágrimas. A resposta vinda dos fãs foi à altura, deixando Ozzy com aquele sorriso de criança abrindo presente de Natal. Mas não foi assim durante todo o show, infelizmente.
Da pista VIP ouvia-se um som cristalino, mas que poderia ser mais alto. Mais para trás, principalmente das arquibancadas, um som ainda mais baixo e sem a pegada que o peso da bateria proporciona – conforme relatos colhidos por este repórter depois da apresentação. Detalhes que talvez tenham sido os responsáveis por uma apatia de parte do público em diversos momentos, quando nem mesmo Ozzy conseguiu colocar toda a massa sob o seu comando. E talvez, é bom ressaltar, tenha atrapalhado o fato de que a última apresentação dos pais do Heavy Metal tenha se tornado um evento com promoção de ingressos no esquema “compre um, leve dois”. Talvez.
O fato é que clássicos como “Fairies Wear Boots”, “After Forever” (ótimo resgate!) e “Into The Void” ficaram no gogó dos fãs das antigas, por assim dizer, mas servindo para todos os presentes reverenciarem aquele canhoto que escreveu a cartilha de riffs de guitarra do Heavy Metal. Caro amigo, é simplesmente um absurdo vê-lo tocar, um prazer inenarrável… Não há ninguém que toque tão pesado e com tanta elegância.
“Snowblind” aqueceu um pouco a plateia, e “War Pigs” voltou a incendiar as coisas. Mais do que isso, voltou a arrepiar e a deixar os olhos marejados. Era a última vez que cantaríamos aquele coro diante dos mestres – antes, Ozzy apresentou a banda, e a ovação, principalmente para Iommi, foi mesmo de quem se despedia de seus ídolos. E sem ninguém para apresentá-lo, o vocalista ganhou do público o coro “Olê! Olê! Olê! Ozzy! Ozzy!” como retribuição.
Curta, “Behind The Wall Of Sleep” apresentou o genial Butler e seu “Bassically”, o solo de baixo que serve de introdução para “N.I.B.”, mais um frenesi para o público. E pela última vez cantávamos o riff de guitarra tocado ‘in loco’ por seu criador. “Rat Salad” foi a deixa para os três irem tomar um fôlego, já que na sequência veio o solo de Clufetos, que espancou peles e pratos sem dó nem piedade – o batera, aliás, mereceu mesmo todos os aplausos. No centro do furacão, segurou muito bem a onda nos últimos anos, fazendo jus a Ward até mesmo visualmente (o cabelo solto e faixa na cabeça… Nada me convence de que isso não é intencional).
O fim do momento individual de Clufetos veio com a marcação do tempo no bumbo, o sinal para a entrada de “Iron Man”. Êxtase. Como pode criar tantos riffs bons de cantar?! Não bastasse isso, Iommi desandou a solar lindamente. Não satisfeito, voltou a largar os dedos em “Dirty Women”, tirando o fôlego de qualquer um, como se soubesse que a empolgação da maioria só voltaria a crescer em “Children Of The Grave”, na qual, só para constar, as derrapadas de Ozzy ficaram muito mais evidentes. Mas, só para constar também, desde quando isso é novidade? Então, e daí? “Children Of The Grave” foi o arrasa-quarteirão perfeito para o previsível e irresistível bis com “Paranoid”. Ou quase irresistível, pois a esperada catarse não veio, apesar da resposta positiva dos que estavam mais à frente na pista. Lamentação? De jeito algum. Foi lindo, na verdade. Obrigado, Ozzy, Iommi e Geezer. Obrigado por tudo, Black Sabbath.
Observação importante: a produção da banda lamentavelmente vetou o credenciamento de todos os fotógrafos, mesmo sem ter um profissional que disponibilizasse fotos da apresentação para os veículos que participaram da cobertura. As fotos que você vê nesta matéria são da apresentação de 2013, na mesma Apoteose, e tiradas da pista por este repórter.
Setlist – Black Sabbath:
1. Black Sabbath
2. Fairies Wear Boots
3. After Forever
4. Into The Void
5. Snowblind
6. War Pigs
7. Behind The Wall Of Sleep
8. N.I.B.
9. Rat Salad
10. Tommy Clufetos Drum Solo
11. Iron Man
12. Dirty Women
13. Children Of The Grave
Bis
14. Paranoid
Setlist Rival Sons
1. Electric Man
2. Secret
3. Pressure And Time
4. Open My Eyes
5. Fade Out
6. Torture
7. Keep On Swinging