Por Leonardo Melo | Fotos: Daniel Croce e Gustavo Maiato
Guitarras rápidas e distorcidas, baterias turbinadas com dois bumbos que pulsam na velocidade da luz e, ocasionalmente, teclados para dar uma encorpada extra no som. Quem curte power metal sabe que essas são algumas das principais características dessa vertente do rock pesado. Mas e quando dois consagrados nomes do gênero subvertem tais atributos, por assim dizer, dando uma abordagem diferente às canções? Digamos que esta seja a proposta do Kotipelto & Liimatainen, projeto capitaneado pelo vocalista Timo Kotipelto (Stratovarius) e o guitarrista Jani Liimatainen (ex-Sonata Arctica): trazer versões acústicas para clássicos de suas respectivas bandas e de outros artistas do rock e do heavy metal. Interessante, não?
O duo finlandês apresentou uma amostra desse trabalho (já registrado em estúdio, no álbum “Blackoustic”, lançado em 2012 e que batiza a turnê), em show realizado no Teatro Odisseia, Rio de Janeiro – o primeiro de um longo giro pela América Latina que se estenderá por todo o mês de maio. Além de material do Stratovarius, Sonata Arctica, Cain’s Offering (outra parceria da dupla) e Kotipelto, o público também pôde conferir releituras para músicas do Iron Maiden, Deep Purple, Queensrÿche e Dio, entre outros, em uma performance intimista e descontraída, no estilo banquinho, voz e violão. A abertura ficou aos cuidados do Syren, que também preparou um set em formato “unplugged”.
Os cariocas executaram músicas próprias como “Devil Road”, do seu primeiro álbum, “Heavy Metal” (2011), além de covers. E agradaram bastante. Em meia hora de apresentação, o vocalista Luiz Syren, o baixista Mauricio Martins e o baterista Júlio Martins tiveram o reforço de Thiago Velasquez (Leather Leone Band e LionHeart) e Daniel Escobar (HR Estudio) nos violões, como convidados. Versões inspiradas para “Tears of the Dragon”, de Bruce Dickinson, e “Sweet Dreams (Are Made of This)”, do Eurythmics, foram responsáveis pelo arremate final em grande estilo. Ambas contaram com a participação também especial do cantor Rodrigo Rossi (Os Cavaleiros do Zodíaco in Concert e Rec/All), que fez um belo dueto com Luiz Syren.
Por volta das 21h, as luzes sobre o palco do Odisseia diminuíram de intensidade, deixando o espaço, propositalmente, quase às escuras. No sistema de som da casa, ecoavam as badaladas dos sinos de “Hells Bells”, do AC/DC, seguidas da instrumental “War”, tema assinado por Vince DiCola para o filme “Rocky IV”. Pouco depois, Timo Kotipelto e Jani Liimatainen entraram em cena ovacionados pelo público, que deixou bastante a desejar em termos numéricos, infelizmente. No entanto, se faltou em presença, compensou em animação. Após cumprimentar a todos com um “Oi, tudo bem!” em português, o cantor iniciou a festa com “I Surrender”, cover do Rainbow.
E, logo de cara, aqui vai um destaque. Não é novidade que Kotipelto é um dos maiores vocalistas do heavy metal. Fato. Mas ouvir seu gogó privilegiado reinar absoluto, sem disputar as atenções do público com outros instrumentos (como ocorre quando se divide o palco com uma banda), eleva tal percepção a outro nível. “Sleep Well”, do projeto solo batizado com seu sobrenome, veio na esteira, antes de Kotipelto revelar que a próxima música seria de uma banda da Finlândia, chamada Stratovarius. Foi a vez da clássica “Black Diamond”, de “Visions” (1997), que levantou o público.
O show, aliás, reuniu várias canções do repertório do grupo, desde mais antigas, como “Speed of Light” e “Forever”, de “Episode” (1996), a mais recentes como “My Eternal Dream”, de “Eternal” (2015). Repertório este que também rendeu tiradas hilárias da dupla. Antes de “Shine in the Dark”, por exemplo, Kotipelto arrancou gargalhadas ao dizer que a música em questão, do “Eternal”, seria a pior que tocariam naquela noite, por se tratar de uma composição dele e Liimatainen juntos.
Em outro momento bem-humorado, após “Season of Change”, do “Episode”, ambos anunciaram “A Million Light Years Away”, de “Infinite” (2000), como uma música entediante, de uma banda e vocalista igualmente entediantes. Já o Cain’s Offering foi apenas representado por “I Will Build You a Rome”, do disco “Stormcrow” (2015). Da mesma forma, o Sonata Arctica também teve uma única faixa executada, “My Selene”, com direito a uma linda interpretação acompanhada pelo público. Escrita por Liimatainen, ela faz parte de “Reckoning Night” (2004), seu penúltimo álbum com o grupo. Membro fundador do Sonata, o guitarrista deixaria a banda em 2007, após o disco “Unia”.
Voltando ao show, “I Don’t Believe in Love” foi introduzida por Kotipelto como uma das músicas de um dos seus discos favoritos, “Operation: Mindcrime”, a obra-prima do Queensrÿche. Mais adiante, após o cantor dizer que a faixa seguinte seria uma do Deep Purple que eles sabiam tocar, um Liimatainen gaiato iniciou o emblemático riff de “Smoke on the Water”, levando todos às risadas. Porém, o que veio na sequência foi a igualmente clássica “Perfect Strangers”. No fim, Kotipelto pediu uma saudação do público ao guitarrista, que, em resposta, brincou, dizendo ser um cara tímido, finlandês, e que não poderia aceitar aquilo. Sem pensar duas vezes, o vocalista mandou, à capela, o refrão de “We’re Not Gonna Take It”, hit do Twisted Sister. Simplesmente, hilário.
Os dois ainda prestaram homenagens ao guitarrista e cantor Gary Moore, por meio do cover de “Out in the Fields”, e a um dos maiores vocalistas da história do heavy metal, nas palavras do próprio Kotipelto, o também saudoso Ronnie James Dio, em uma versão de “Holy Diver”. Como se o jogo já não estivesse ganho de goleada, “2 Minutes to Midnight” e “The Trooper”, daquela banda inglesa que você, fã de metal, conhece na ponta da língua, também marcaram presença, com entusiasmada participação do público no famoso corinho e nas palmas.
Após um breve intervalo, a dupla voltou ao palco sob aplausos e iniciou o bis com uma bela canção tradicional finlandesa, chamada “Karjalan Kunnailla”. A clássica “Paradise”, pertencente a “Visions”, retomou a cantoria do povo, que chegou a pedir por “Eagleheart” na sequência. Mas a faixa de “Elements Pt 1” (2003) não rolou. Por sua vez, “Hunting High and Low”, de “Infinite”, mostrou que não faltam clássicos ao Stratovarius, com todos cantando em conjunto. Anunciada como a última da apresentação, de quase uma hora e 50 minutos, “The Final Countdown”, maior hit do Europe, fechou com chave de ouro (perdoem-me o clichê) uma noite ímpar.
Certamente, aquela impressão de que os finlandeses, assim como os europeus de modo geral, são um povo fechado ou sisudo (imagem essa que, equivocadamente, pode ser confundida com arrogância) caiu por terra a partir daquela noite de 18 de abril no Odisseia. Timo Kotipelto e Jani Liimatainen deram um show não apenas musical, mas também de carisma, simpatia e muito bom humor. Em tempos tão obscuros e intolerantes como os atuais, a dupla mostrou que, definitivamente, rir de si mesmo é o melhor remédio. Que assim seja. Pena de quem não foi.
Set list Kotipelto & Liimatainen
- I Surrender (Rainbow)
- Sleep Well (Kotipelto)
- Black Diamond (Stratovarius)
- My Eternal Dream (Stratovarius)
- Out in the Fields (Gary Moore)
- Speed of Light (Stratovarius)
- Shine in the Dark (Stratovarius)
- I Don’t Believe in Love (Queensrÿche)
- Season of Chance (Stratovarius)
- A Million Light Years Away (Stratovarius)
- I Will Build You a Rome (Cain’s Offering)
- Perfect Strangers (Deep Purple)
- 2 Minutes to Midnight (Iron Maiden)
- My Selene (Sonata Arctica)
- Forever (Stratovarius)
- Holy Diver (Dio)
- The Trooper (Iron Maiden)
Bis
18: Karjalan Kunnailla
- Paradise (Stratovarius)
- Hunting High and Low (Stratovarius)
- The Final Countdown (Europe)