Demorou muito mais do que ‘três invernos’ para que finalmente os brasileiros tivessem a chance de ver em ação a lenda norueguesa Borknagar. Se para alguns a espera foi de sete anos – uma turnê latino-americana foi cancelada em 2010 –, para outros, a espera foi de mais de vinte anos. Porém, o primeiro sinal de que a “Winter Thrice Tour” chegaria ao Brasil foi fornecida pela própria natureza, parte tão importante da carreira dos noruegueses, sempre presente em suas letras: como se anunciasse a chegada de seus amantes, uma frente fria chegou a cidade de São Paulo justamente em tempo para acompanhar o show. Se não bastou para criar o clima glacial na nossa capital ‘calorosa’, ao menos bastou para amenizar o calor e dar aquele clima especial para a apresentação.
Exatamente no horário anunciado, o baterista Baard Kolstad foi o primeiro a adentrar ao palco do Hangar 110, puxando a fila com Øystein Garnes Brun e Jens F. Ryland (guitarras), Lars “Lazare” Nedland (teclados e voz), Simen “ICS Vortex” Hestnæs (baixo e voz) e Pål “Athera” Mathiesen (vocais), que trataram de saudar a capital paulista com “The Rhymes of the Mountains”, faixa de abertura e um dos destaques de seu mais recente disco (“Winter Thrice”, 2016), que vem normalmente abrindo as apresentações do grupo.
A escolha se mostrou acertada, com a plateia cantando todos os versos da canção, e gritando enlouquecida nas partes onde os vocais são cantados por Lazare. O início bombástico se confirmou com “Epochalypse”, primeira de “Urd” (2012) a aparecer no repertório. Se o clima já estava bom para os noruegueses, com a execução de “Ocean’s Rise” (“The Archaic Curse”, de 1998) foi de emocionar, colocando de vez o público em estado de êxtase com uma faixa de um dos mais louvados e aclamados trabalhos do grupo.
Mesmo com o microfone de Vortex oscilando nessa primeira parte do show, a apresentação não foi prejudicada, pois Lars e Pål cumpriam suas partes com maestria, e a plateia se encarregava do resto. Voltando para “Winter Thrice”, tivemos “Cold Runs The River”, que soou ainda melhor ao vivo com o Rickenbacker de Vortex estalando nos ouvidos enquanto Kolstad demonstrava toda a sua técnica e pegada na bateria. Aliás, aqui vale a dica: se você ainda não ouviu o Leprous, banda de Baard Kolstad, pode conferir, pois o metal progressivo e pesado dos caras exige ainda mais deste excelente baterista, que toca, executa viradas insanas e mexe no celular (sim, ele fez isso!) ao mesmo tempo com precisão desconcertante.
Após a sequência com “Ad Noctum” e “Universal”, Pål fez aquela pergunta que todos queriam ouvir: “Vocês estão a fim de ouvir alguma coisa antiga?”. Foi a deixa para “The Eye of Oden”, vinda direto de “The Olden Domain” (1997), segundo disco do Borknagar. Com a performance afiada de Ryland e Brun alternando os solos e bases, muitos queixos foram ao chão, e lá permaneceram durante a perfeita execução de “Frostrite”, outra de “Urd”. Pål então lembrou a ausência do carismático e sempre elogiado vocalista Andreas “Vintersorg” Hedlund, e afirmou que ele estava ali em espírito. O que não seria de estranhar, tamanha era a energia evocada na apresentação. Enquanto Pål reabastecia o estoque de cerveja no palco, Vortex detonou nos vocais de “Icon Dreams”, de “Quintessence” (2000).
Sem longos discursos, a banda mostrava toda a sua simpatia e alegria em muitos sorrisos, saudações efusivas a plateia, e na insana maneira como Lars ‘bangeava’ ora dependurado nos ombros de Ryland, ora nos ombros de Athera. E então, eis que a hora tão aguardada pelos fãs de black metal chegara: a época em que o Borknagar era o ‘dream team’ do black norueguês, com membros do Enslaved, Gorgoroth, Ulver e Arcturus veio à tona com “Dauden”, uma das mais célebres faixas do debut da banda de Bergen. Para muitos, o show já poderia ter encerrado ali, mas o sexteto ainda tinha lenha para queimar, e o fechamento veio com “Colossus” (de “Quintessence”) e a faixa-título do disco mais recente, que encerrou de forma apoteótica essa grande apresentação.
Ficamos com a memória de um dos melhores shows deste ano, e com a promessa de que eles não demorarão outros vinte anos para tocar novamente por aqui. Ficamos também com fotografias, autógrafos, e a simpatia de uma das melhores e mais criativas bandas do cenário metálico. E voltamos para casa saciados, cansados e, quem diria, com a metrópole de São Paulo parecendo de repente mais natural e mais fria. Que voltem logo, pois até em meio aos prédios e a insanidade de uma metrópole, sabemos celebrar a natureza como poucos.
The Rhymes Of The Mountain
Epochalypse
Oceans Rise
Cold Runs The River
Ad Noctum
Universal
The Eye Of Oden
Frostrite
Icon Dreams
Ruins Of The Future
Dauden
Dawn Of The End
Colossus
Winter Thrice