Por Samuel Souza
Fotos: Leonardo Benaci
Na noite fria e chuvosa do último sábado, 26, o recorrente Carioca Club transformou-se em um enclave fervilhante de energia e entrega ao metal extremo, tudo graças aos aclamados bandoleiros do Brujeria. A “cena do crime” marcava o 30º aniversário do icônico e controverso álbum de estreia, “Matando Güeros”, um lançamento que impactou o cenário musical da época por vários pormenores, destrinchados ao longo do tempo.
Não é a primeira vez que eles tomam de assalto o Brasil, mas a magia e o charme zombeteiro de seus shows não diminuem. O público entusiasta, que praticamente lotou a casa, veio não só da cidade anfitriã, mas também dos municípios vizinhos, testemunhando a influência perdurável e o magnetismo violento do Brujeria, curiosamente, sem bandas de abertura.
O álbum “Matando Güeros” permanece um ícone inegável da história do gênero, sendo reverenciado como um dos marcos mais importantes do metal extremo. E essa celebração de três décadas ressalta não apenas seu valor histórico, mas também sua capacidade de transcender gerações, mantendo-se como um pilar sólido do repertório destes maníacos, afinal de contas, a plateia mistura gente nova e gente velha na mesma intensidade. E essa mística de celebração ao disco, ofuscou até mesmo o recente “Esto es Brujeria”, sem prévia ao vivo, mesmo compreendendo que será lançado no próximo mês.
O palco foi dominado por uma formação que amalgama a experiência de figuras como o virtuoso guitarrista chileno El Criminal (Anton Reisenegger), conhecido por suas proezas no Pentagram e no Lock Up. Sua destreza na criação de riffs poderosos e imponentes foi uma constante durante toda a performance, emprestando um fôlego extra ao espetáculo, notado logo nos primeiros acordes. O grupo de arruaceiros entrou pontualmente às 19h30, sem descontos e sem concessões.
Apesar da ausência de Shane Embury, do Napalm Death, e de Nicholas Barker, devido a problemas de saúde, o Brujeria mostrou sua resiliência, adotando uma abordagem que reverberou com vigor. E claro, a falta da vocalista La Encabronada (Jessica Pimentel, atriz da série Orange Is The New Black), também foi sentida por muitos. John Lepe, baterista e filho do vocalista Juan Brujo, assim como Sérgio Lopez, baixista da banda Sangre e também parte do vocalista El Sangron (Henry Sanchez), injetaram frescor e paixão no palco, provando que a essência da banda está na contínua evolução e adaptação. E nisso posso destacar a dualidade de forças familiares, onde pai e filho, fundem-se em uma sinergia macabra que impulsionou um set-list já carimbado com ferocidade e de forma implacável.
O que também merece reconhecimento é a qualidade sonora primorosa que permeou “dos falantes”. O som cristalino permitiu que cada riff de guitarra e batida de bateria atingisse os presentes com impacto brutal. A precisão dos bumbos e os timbres das cordas contribuíram para criar uma sinfonia poderosa e eletrizante. O intenso vínculo entre a banda e seus cúmplices na barbárie festiva, foram traduzidas facilmente nas rodas de mosh e ainda que no início tímidos de stage dives, essa interação incessante entre a plateia e os músicos tornou a coisa toda mais memorável e visceral.
Bom, a sequência do disco você já sabe, mas é importante destacar como “Sacrifício”, “Seis Seis Seis”, “Cruza la frontera”, “Narcos-Satánicos” e “Misas negras”, funcionam tão bem ao vivo. Na segunda metade da dilaceração cadavérica, a atmosfera alcançou novas alturas, intensificando-se como uma diligência delinquente, abraçando agressões como “La Migra”, “Colas de Rata”, “Hechando Chingados”, “La Ley Del Plomo”, “Marcha de Ódio”, “Revolución”, “Consejos Narcos” e a emblemática “Brujerizmo”. A culminação foi marcada pela invocação da própria “Matando Güeros”, um turbilhão sonoro que fez os fãs extravasar toda a sua paixão.
Mesmo com um set-list outorgado por todos, impossível não citar o ápice peculiar da noite com a folclórica “Macarena”, a deixa para muitos subirem ao palco, desencadeando uma cena de caos controlado. É aquele momento “Heaven Can Wait” do multiverso.
Em suma, o show do Brujeria não só celebrou um álbum marcante, mas também reafirmou a posição do grupo como um ícone dos extremos. As performances intensas, a qualidade sonora exemplar e a união com a plateia solidificam estes valores, mesmo após trinta anos.