Por Daniel Agapito
Fotos: Glauber Magalhães
Anunciado pouco menos de duas semanas antes da data do show, os “mexicanos” do Brujeria, que quase têm CPF e cartão do SUS, voltaram ao Brasil após uma longa hora em terras tupiniquins em agosto do ano anterior. Marcado para o dia 31 de março, domingo de Páscoa, no intimista City Lights Music Hall, no bairro de Pinheiros, zona sul da capital paulistana, o show que viria naquela noite prometia ser no mínimo interessante. Desta vez, vinham ao Brasil promovendo seu novo álbum, “Esto Es Brujería” (2023), tocando em São Paulo e no tradicional festival pernambucano Abril pro Rock no dia anterior. Quando passaram por aqui em agosto fizeram 8 shows, todos promovendo os 30 anos de seu primeiro LP de estúdio, “Matando Güeros” (1993). Já conhecidos por sua qualidade duvidosa ao vivo, aquele domingo tinha tudo para dar errado.
Subvertendo expectativas de alguns, havia uma fila decente formada fora da casa de shows, repletas de camisetas da banda criada em Tijuana. Entrando no City Lights, a estrutura com capacidade para até 600 pessoas (de acordo com um texto da UOL) se encontrava relativamente cheia, mas nada que a tornasse intransitável. Logo antes da performance se iniciar, a fila do bar era grande, e a quantidade de cervejas já na mão de quem frequentava o City Lights era maior ainda. O clima fora da casa podia até estar ameno, fazendo por volta de 23 graus, mas dentro já estava fervendo.
Às 20h10, parava a música que rolava pelos PAs e iniciava a introdução da faixa-título do novo álbum. Enquanto parte da banda subia ao palco, os fãs gritavam o nome da banda. Pouco tempo depois, subiram ao palco dois dos três vocalistas, Juan Brujo e El Sangron. Mesmo com a primeira faixa sendo do “Esto es Brujería”, lançado em setembro do ano passado (coincidentemente enquanto estavam em sua turnê latino-americana), grande parte do público a cantava, mostrando que os espectadores que estavam lá realmente conhecem a discografia da banda de ponta a ponta.
Desde a primeira música, era possível ver um clima absolutamente enérgico, com um grande mosh sendo formado no centro da pista. Com menos de um minuto de show, já se via diversas camisetas e long-necks de cervejas levantadas ao ar, e a cantoria dos fãs chegava a se igualar com a da banda, em termos de volume.
O carismático terceiro vocalista Pinche Peach subiu no palco com o final da primeira música, segurando o famigerado mascote da banda, o coco loco. Recebido com aplausos, anunciou com um grito a próxima faixa que seria tocada, a clássica “Colas de Rata”. A roda continuou fervorosa, apenas aumentando e dominando mais e mais espaço na pista. Durante “Hechando Chingasos”, a próxima faixa, um fã que estava usando uma máscara estilo lucha libre subiu no palco e pulou bem no meio da roda, uma cena que realmente poderia acontecer em uma partida de lucha libre. Surpreendentemente, ficou bem, porque foi visto repetindo a mesma cena ao longo da “missa negra” dos Brujos.
O que seguiu foi um misto de clássicos estabelecidos dos mexicanos e faixas mais novas menos conhecidas. A próxima a ser tocada foi “Mexorcista”, sétima faixa do novo disco. Mesmo sendo recente, apenas fomentou o clima que já estava lá no alto. Olhando para o mosh, era difícil identificar se havia gente realmente saindo na mão, ou se realmente era apenas o efeito do Brujeria no ser humano. Após “Mexorcista”, veio uma enxurrada de clássicos do “Matando Güeros”, sendo eles a sempre muito bem recebida “Cruza La Frontera”, “Chingo de Mecos” (completa, com os gestos vulgares e duvidosos de Pinche Peach), “Culeros” e “Cristo de La Roca”.
A animação do público era tanta, que até chegou a surpreender Pinche Peach, que antes de iniciar a “El Desmadre” perguntou se estavam prontos para mais. Quando recebeu um grito de sim em uníssono, com uma expressão de surpresa disse, “uau, calma, calma, tranquilo”. Com o término de “El Desmadre”, vimos o primeiro pedido por maconha de muitos. El Sangron, segundo vocalista humildemente e gentilmente pediu um baseado para o público, que pela rapidez do início de “Mochado”, a próxima faixa, não conseguiu atender seu pedido. Quando já estavam chegando ao fim, Pinche Peach discretamente se retirou do palco e voltou segurando diversos exemplares em CD do “Esto Es Brujería”, e distribuiu aos outros vocalistas.
Com as cópias físicas do novo álbum em mãos, Juan Brujo perguntou se os fãs estavam gostando das músicas do novo disco (sendo elas a faixa homônima, “Mexorcista” e a própria “Mochado”) e após uma resposta calorosa, começou a arremessar os CDs em direção à pista, dizendo, “aqui, grátis!”
O mosh que havia começado logo na primeira música da noite ainda não dava sinais de se acalmar, provando ser praticamente incansável, durando a noite inteira. Não era incomum ver fãs fazendo crowdsurfs por cima de boa parcela do público ou pulando diretamente do palco. No geral, estava um clima bastante descontraído, bastante animado naquele domingo de Páscoa.
Pouco após “Mochado”, ecoaram pelo City Lights os bumbos duplos vertiginosos de “Ángel de La Frontera”, mantendo o ritmo de uma música atrás da outra, parando muito ocasionalmente. Um dos grandes hits de “Pocho Aztlan”, 4º álbum (bastante subestimado) da banda, lançado em 2016 “Ángel” foi muito bem recebida pelos fãs, que continuavam moshando como se não houvesse amanhã. Continuando a missa negra pascoal do mexicanos, a pesada “Vayan Sin Miedo” seguiu jogando lenha na inesgotável fogueira que era o público daquele show. Um dos destaques da noite foi “La Ley de Plomo”, sempre uma pedrada sonora. Durante o refrão, os fãs cantavam junto com a banda, quase tão alto quanto os próprios.
A turnê passada, celebrando os 30 anos de Matando Güeros, contou com um setlist até que variado, com o álbum celebrado praticamente na íntegra e mais alguns dos clássicos dos outros discos, como “Colas de Rata”, “La Migra” e “Brujerizmo”, todas músicas que não podem faltar. Surpreendentemente, uma das faixas que foram cortadas do set no ano passado foi “Raza Odiada (Pito Wilson)”, faixa que para os fãs, é muito mais do que uma simples crítica ao ex-governador da Califórnia Peter Barton Wilson. Bastou a voz do controverso Wilson passar pelo sistema de PAs que os que frequentavam o show foram à loucura. O que seguiu foram 3 minutos e meio de pura insanidade, pura loucura. As críticas sociais não foram limitadas apenas ao ex-governador, mas o (também polêmico) ex-presidente americano Donald Trump também recebeu palavras carinhosas de Juan Brujo, que o chamou de “hijo de puta, racista” (filho da puta, racista). Trump também já foi alvo de uma música do Brujeria (“Viva Presidente Trump”), mas não foi tocada no show.
“Desperado” e seu riff surpreendentemente dançante foi a 15ª faixa a ser tocada, seguida por “Castigo Del Brujo”, do mesmo álbum (“Matando Güeros”). “Marcha de Odio” e “Revolución” continuaram a baderna interminável, com “Revolución” contendo mais alguns stage dives, de fãs que àquela altura do campeonato deveriam estar demasiadamente embriagados. Finalizando “Revolución”, Pinche Peach tentou fazer duas perguntas aos fãs, dizendo que ia ser honesto e até soltando algumas frases em português, dizendo que “aqui não está seu pai, aqui não está sua mãe” e exigindo silêncio de um fã que tentou falar enquanto Peach falava. O coitado do terceiro vocalista nem conseguiu começar a primeira indagação que foi atropelado por Sangron e Juan Brujo, pois estava fazendo as perguntas antes da música errada. “La Migra” perpetuou a folia, com grande parte do público gritando o envolvente refrão (“La migra, la migra, la migra, la migra”).
Vale constatar que (até preocupantemente), Pinche Peach aparentava estar bastante cansado, ficando do lado de fora do palco, encostado na parede durante diversas músicas, parecendo estar um pouco perdido. Mesmo assim, conseguiu fazer o show inteiro com seu carisma característico, soltando berros e gritos da melhor qualidade e interagindo com os fãs como ninguém.
Com “La Migra” finalizada, o City Lights Music Hall momentaneamente cessou todos os moshs incessantes para dançar brevemente, quando a voz doce e leve de uma criança invadiu os alto-falantes. Era a introdução da enérgica “Brujerizmo”, que também marcou o início do “ato final do show”. Durante a música, o mosh voltou, e outro fã que estava usando uma máscara estilo lucha libre (diferente da do fã do início do show) subiu no palco e novamente se jogou em direção à roda punk. Este fã não pulou novamente, então sabe Deus como está agora. Depois da música, Pinche Peach conseguiu fazer sua pergunta. Surpreendendo a todos que estavam lá naquela noite, pediu maconha. Mais surpreendente ainda, foi recebido por um mar de baseados. Agora com Pinche estando devidamente “emaconhado” (e sem sinal algum de cansaço, como já foi mencionado), El Criminal executou o riff inicial de Consejos Narcos. Com seu beck perdendo a chama, Peach agachou, no meio da música, e um fã gentilmente reacendeu sua chama (literalmente). Nos segundos finais da música, soltou um “viva marijuana” para todos ouvirem.
Adotando as palavras do próprio Pinche Peach, infelizmente havíamos chegado na parte mais triste da noite, o final. Perguntando qual era o hino dos soldados do Brujeria e coincidentemente qual era a única grande música que ainda faltava ser tocada, tanto os três vocalistas quanto o público – que ainda não mostrava sinais de querer parar – gritaram de forma simultânea, “Matando Güeros”. Esta última faixa resumiu perfeitamente o show, todos cantavam junto, o mosh continuava ativo como nunca, a banda, mesmo cantando, continuava interagindo com os fãs, colocando seus facões para o alto, Pinche Peach corria pelo palco segurando o Coco Loco. Foi realmente catártico. Como de costume, logo após as últimas notas da primeira grande música dos mexicanos, soou pelo sistema de alto falantes a divertida e descontraída “Marijuana”, essencial das performances dos Brujos. Assim como os outros shows, diversos fãs subiram no palco e dançaram, bateram fotos e conversaram com a banda, realmente uma ótima maneira de finalizar esta festa.
Pode passar o tempo que for, shows do Brujeria vão sempre ser no mínimo interessantes e bastante divertidos. Mesmo com a real qualidade sonora ao vivo dos pioneiros do deathgrind ser algo que ainda gera diversos debates entre os fãs e críticos da banda, não tem como dizer que o show deles não é sempre uma farra – no mínimo algo tão ruim que chega a ser cômico. Desde sua formação em 1989, nunca foram uma banda que levaram muito a sério, sempre abraçaram seus aspectos mais “brincalhões”, de certa forma. Mesmo não sendo um show tecnicamente impressionante, ao nível de um Dream Theater, por exemplo, certamente foi melhor do que ficar sentado em casa assistindo os diversos especiais de Páscoa que eram transmitidos naquele dia.
Não foi, mas ficou com vontade? Não esquenta, ano que vem estão de volta.
Setlist Brujeria:
1. Esto Es Brujería
2. Colas de Rata
3. Hechando Chingasos
4. Mexorcista
5. Cruza la Frontera
6. Chingo de Mecos
7. Culeros
8. Cristo de La Roca
9. El Desmadre
10. Mochado
11. Ángel de La Frontera
12. Vayan Sin Miedo
13. La Ley de Plomo
14. Raza Odiada (Pito Wilson)
15. Desperado
16. Castigo del Brujo
17. Marcha de Odio
18. Revolución
19. La Migra (Cruza la Frontera II)
20. Brujerizmo
21. Consejos Narcos
22. Matando Güeros
23. Marijuana* – pelo sistema de PA