CARL PALMER’S ELP LEGACY – São Paulo/SP, 24 de maio de 2018

Minha mãe costumava dizer que existem bandas que têm um espectro musical eterno, e outras bandas que são um eterno espectro musical. Algumas bandas que, por mais que o tempo passe, sempre deixarão para trás um rastro de pioneirismo e qualidade, mas um rastro tão forte e intenso, que jamais será possível ignorar que elas estiveram ali. E também existem as bandas espectro, aquelas que, mesmo pioneiras e excelentes, parecem lutar uma batalha invencível, e mesmo quando bem sucedidas na sua época, acabam para sempre como apenas um resquício, uma memória fragmentada e quase que completamente ausente, evanescente com o passar dos anos. Bem, ao menos foi isso que entendi. Talvez ela só quisesse mesmo era me dizer que o progressivo é a eternidade do espírito, e que o death metal é, bem, o metal da morte. Mas o fato é que, após assistir a bela apresentação do eterno baterista Carl Palmer no Espaço das Américas, encontrei sentidos muito maiores naquela frase que ouvi há tantos anos, e que hoje significam ainda mais, após confrontadas com esta valorosa experiência.

Ter, diante dos olhos, a figura do lendário baterista Carl Palmer, um dos gigantes que há mais de quatro décadas ajuda a redefinir a forma como a bateria é tocada, é uma experiência mais do que sensorial, é etérea para aqueles que vivem a música, trabalhem com ela ou não. E vê-lo em uma circunstância tão especial quanto esta que vem sendo celebrada nesta turnê, chega a ser impossível descrever. Sim, somos saudosistas. Olhamos para o passado com saudade, mas não por um sentimento egoísta de orgulho por nossos velhos triunfos, mas por lembrarmos de quem estava ao nosso lado quando aqueles momentos aconteceram. Ídolos que se foram. Amigos. Talvez, até aquela mãe que te ensinou tantas lições que você jamais esqueceria. Carl Palmer também estava ali para celebrar, para não deixar a memória se esvair. Era hora de homenagear seus velhos companheiros Keith Emerson e Greg Lake (ambos falecidos em 2016), ao lado de quem Palmer formou o lendário ELP.

Mostrando que certas bandas têm um espectro musical eterno, o lendário baterista subiu no palco acompanhado de uma banda mínima, formada apenas pelos jovens Paul Bielatowicz (guitarra) e Simon Pitzpatrick (Chapman stick e baixo). Não haveria teclados, e os microfones só seriam usados para, vez ou outra, mandar um recado para a plateia. O ambiente do palco começava a cada vez mais contagiar as cadeiras, e aquele grande evento começou a tomar contornos cada vez mais intimistas quando enfim a música se fez ouvir, com Abaddon’s Bolero, uma música que sempre imaginei ser inconcebível sem os teclados. Embora o nosso lado saudosista estivesse doido para irromper aos berros, em uma tempestade de críticas motivadas pela ausência dos nossos ídolos, a competência de Bielatowicz e Pitzpatrick não deixavam dúvidas de que até Emerson e Lake aprovariam. Nada como começar com uma ótima primeira impressão.

A sequência seria ainda mais surpreendente, sempre no bom sentido: Karn Evil 9: 1st Impression, Part 2 foi um deleite para os fãs de Brain Salad Surgery (1973), e era perceptível a emoção de muitos ali presentes, seja pela atuação irretocável do baterista, seja pela forma como Pitzpatrick recriava no baixo as mais intrincadas partes do teclado de Emerson, e a maneira como Bielatowicz usava sua guitarra para frisar as partes mais melódicas. Para aqueles que antes diziam que este seria ‘o show de uma única estrela’, estava aí a prova de que Carl Palmer não estava sendo acompanhado por meros coadjuvantes.

Tank abriu a sequência do álbum de estreia do grupo, Emerson, Lake & Palmer (1970), mas uma vez consagrando a dupla das cordas, mas foi com a pesada Knife-Edge (que contou até com Carl Palmer explicando a origem da canção antes de iniciar) que experimentamos um dos momentos de maior êxtase da noite. O ritmo pesado, que mescla partes fortes de bateria, baixo e guitarra trouxe à tona as eternas menções ao trabalho do ELP por parte das bandas do moderno Prog Metal. Trilogy (do álbum de mesmo nome, 1972) colocou fim na primeira parte da apresentação, mas sabíamos que ainda tinha muita coisa por vir, e coisa especial.

Falando em ‘coisa especial’ claro que Canario (Love Beach, 1978) foi celebrada, mas ouvir este trio incrível tocando 21st Century Schizoid Man, clássico absoluto do King Crimson, foi sensacional. Tão sensacional quanto ela, talvez apenas o emocionante momento em que a tão esperada Lucky Man deu as caras, com mais uma performance irretocável de Palmer, e com a plateia cantando os versos da canção, sem saber disfarçar a emoção. Se falamos antes em saudosismo, neste momento a saudade chegava a doer, ao mesmo tempo que a música oferecia um alívio para a alma.

Tarkus chegou para dar os tons finais à apresentação, e qualquer coisa que eu possa falar será pífio se comparado à beleza de Fanfare for the Common Man, uma das mais belas músicas que já foram escritas. O show precisa chegar ao fim, mesmo para as bandas que têm um espectro musical eterno. Novamente, o tempo vence. Saímos intimamente amaldiçoando o tempo, que levou nossos ídolos, que levou aqueles que amamos, que fez o show terminar tão rapidamente… Mas lá dentro, no nosso íntimo, sorríamos: pois este mesmo tempo tinha curado as feridas de Carl Palmer, e dado para ele a coragem de homenagear seus amigos de tão bela maneira. O mesmo tempo que mostrou-me que, mais uma vez, minha mãe estava certa: o espectro musical do ELP é eterno.

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