Eles até poderiam ter tentado trilhar caminhos separados, mas a vida insistia em mantê-los unidos. Foi assim no AMPUTATION e no OLD FUNERAL, o então baixista e vocalista Olve Eikemo e o guitarrista Harald Nævdal pareciam destinados a fazer música juntos, e claro que isso não poderia mudar nos anos 90, justamente quando o mundo começava a prestar atenção na música que era produzida no país natal da dupla, a Noruega. Na verdade, foi justamente o contrário: bastou iniciar a nova década e os dois abandonavam todos os outros projetos para formar aquela banda em que poderiam explorar todo o seu caráter musical, lírico e até de imagem. Nascia assim, em 1991, o IMMORTAL, um dos mais importantes e célebres de todos os grupos do black metal em todos os tempos. Olve era agora Abbath, e Harald assumia a alcunha Demonaz. Uma das duplas mais célebres do metal extremo estava pronta para entrar para a História.
Com o IMMORTAL a dupla lançou álbuns históricos, lançou as bases definitivas do black metal noventista com os seminais Pure Holocaust (1993) e Battles In The North (1995), e arriscou até uma bem sucedida mudança de rumos em 1999, quando lançou At The Heart Of Winter, um álbum que mesclava muito rock’n’roll à fórmula black metal do grupo. E foi justamente com esse som mais abrangente e acessível que eles conquistaram de vez o mundo, especialmente com o lançamento de Sons Of Northern Darkness, de 2002.
Porém, este também foi um momento chave, pois depois de todo o longo e intenso ciclo de promoção do álbum, algumas fissuras começavam a ser sentidas no trabalho da dupla, muito talvez decorrente do próprio cansaço e sérias questões contratuais. Antes imparável, o IMMORTAL precisava dar uma pausa para não encontrar um fim precoce. Foi justamente nessa pausa que Abbath encontrou o tempo e a motivação correta para levar adiante um novo projeto musical: “Naquela época houve distúrbios e precisávamos dar uma pausa”, declarou Abbath para a ROADIE CREW, “depois de um tempo comecei a trabalhar em material para algo diferente, um projeto solo. Na época eu não pensava muito no futuro. De fato não costumo fazer isso, apenas cuido do meu tempo e não forço nada”.
A verdade é que a ideia de um projeto solo acabou se transformando em uma banda, e com isso, o próprio nome da banda mudou. Não na sua grafia, mas na forma como o seu idealizador passaria a pronunciar o nome I. Então, se você sempre ficou na dúvida entre ‘I’ ou ‘One’, ele explica que as duas formas são válidas, mas que passou a ter preferência pela segunda opção: “O nome não deixa de ter uma ligação com o IMMORTAL, pela letra inicial e também pelo fato de ser o meu projeto. O ‘I’ (‘eu’ em inglês) simboliza a minha carreira solo. Fiz isso porque eu não queria que a banda se chamasse Abbath. Achei esse nome simples e brilhante, e quem deu a ideia para ele foi o Demonaz. Mas agora somos uma banda, então prefiro chama-la de ‘One’.”
Como você viu, embora Abbath seguisse por um novo caminho, sua parceria com Demonaz ainda estava longe de estremecer, e o nome da banda não foi a única contribuição da grande mente criativa do IMMORTAL para a nova banda de Abbath, como ele mesmo nos contou: “Pedi para que o Demonaz fizesse algumas letras, pois não gosto muito de fazer isso. Ele é um grande letrista! Ele acabou querendo fazer todas e eu disse que tudo bem, achei até melhor, pois sempre gostei muito das letras que ele faz. A minha música falou com ele, e assim as letras surgiram de uma forma bem legal (…). Apesar de ter seguido um caminho mais aberto nas letras para o I, definitivamente elas têm muitas características típicas dele”.
Ainda assim, o I jamais poderia ser considerado como uma banda se contasse apenas com um vocalista/guitarrista e um letrista, e foi por isso que Abbath não se demorou em recrutar alguns bons parceiros. Aliás, ótimos parceiros, um verdadeiro ‘time dos sonhos’ do black metal norueguês. Ao lado do idealizador do projeto estavam Ice Dale (guitarra, ENSLAVED), Armagedda (bateria, ex-IMMORTAL) e King Ov Hell (baixo, ex-GORGOROTH e SAHG), que aqui assinava como TC King. Claro que contando com um time desses, o resultado não poderia ser menos do que ótimo, e o repertório de Between Two Worlds já impressionava de cara, com a ótima abertura The Storm I Ride, uma belíssima mescla do tradicional som do IMMORTAL com o rock’n’roll sujo e pesado do MOTÖRHEAD, uma das bandas favoritas de Abbath, que inclusive tem uma banda tributo ao lendário grupo inglês, o BÖMBERS: “Acho que tocar com o Bömbers acabou me dando algumas influências extras para o I, principalmente no que diz respeito às linhas vocais”, nos contou Abbath, “certamente essa é uma das grandes razões pela influência do MOTÖRHEAD na minha sonoridade”.
Porém, o grupo liderado pelo saudoso Lemmy não era a única referência musical da nova banda norueguesa: “Eu basicamente procurava pelo passado dourado”, contou Abbath, “então peguei algumas influências do IMMORTAL e as misturei a uma atmosfera bem voltada para o metal ‘old school’, de bandas como BATHORY, VENOM, e muitas outras”. Satisfeito, ele conclui: “Trabalhei com a mente bem aberta e fiz um álbum bem aberto e pessoal”. Tão pessoal que seria impossível não incluir uma homenagem ao lendário Quorthon, que com o seu BATHORY tornou-se a referência básica para a jornada do IMMORTAL e consequentemente do I. O saudoso vocalista sueco foi reverenciado em Far Beyond The Quiet, uma das melhores composições deste Between Two Worlds. “Eu cheguei com a pré-produção desta música, que tinha uma sonoridade bem Bathory. O Demonaz percebeu isso na hora e disse que seria legal se nela fizéssemos uma homenagem ao Quorthon. Decidimos, então, fazer a letra seguindo o estilo típico dele como letrista”.
Lançado oficialmente em 3 de novembro de 2006, Between Two Worlds marcou uma nova era para o então vocalista do IMMORTAL, e debutou nos palcos na cidade natal do grupo, Bergen (NOR). O show de estreia foi durante a edição de 2006 do festival “Hole In The Sky”, e pouco depois Abbath voltaria a concentrar suas atenções no IMMORTAL, que em 2009 lançaria o álbum All Shall Fall. O que poucos poderiam esperar é que o I seria engavetado, Abbath e Demonaz romperiam de vez e que o vocalista/guitarrista fosse seguir adiante com a banda que agora sim carrega o seu nome, ABBATH. Porém, Between Two Worlds permanece como um registro definitivo da música pesada de sua era, e como mais um grande registro de uma parceria que nunca deveria ter terminado.