Após a entrevista concedida para a edição 161 da ROADIE CREW, Marcus D’Angelo topou o desafio de comentar faixa a faixa o álbum “Peste”, fornecendo revelações sobre o processo de composição e sua visão pessoal sobre cada música e os temas nelas abordados.
Peste: Essa é a música mais forte do disco e foi a última que fizemos para o álbum. O disco na verdade se chamaria Alegoria do Sangue, que é uma das faixas e que seria o samba. Lembro de comentar com meu irmão (N.R.: o baterista Caio) que precisávamos de uma música mais bruta, mas não tínhamos nada pronto. Fomos para o estúdio e pedi que o Caio fizesse alguma batida. Fui acompanhando e registramos tudo. Depois gravei outra guitarra, fizemos aquele estéreo ao contrário (N.R.: Marcus se refere ao vaivém de guitarras nos lados esquerdo e direito das caixas no início da música) e o som ficou muito louco. Eu já tinha a frase da letra “não é febre, é peste” e entramos numas de mudar tudo para pôr essa música como abertura e chamar o disco de Peste. Ela foi a última música do disco, mas mudou tudo.
Metal Maloka: Ideia de louco aquela variação de riffs que é do Caio, pois a gente compõe junto. E foi muito coisa de maloqueiro mesmo, brincando com coisa séria, e fluiu já com o som dando ideias pra letra. Tem um puta solo de guitarra animal do Alê (N.R.: Alexandre de Orio, guitarrista) e ele inclusive gravou uma viola caipira ali que está escondida, mas se prestar atenção é possível ouvir.
Bastardos do Brasil: Gosto de todas músicas, mas essa é uma das mais legais de se ouvir no disco. Tem uma pegada meio Punk e a letra, que é do Daniel (baixista), é pra mim a melhor do álbum. Nesse caso, a letra já existia e eu só adaptei algumas coisas pra cantar, mas encaixou muito bem na música. E ainda tem o lance do Alborghetti (N.R: a introdução da música é uma gravação do falecido apresentador Luis Carlos Alborghetti cantando Aquarela do Brasil).
Nota 6,66: Bem, esse é o samba e colocamos no começo do disco para já entenderem logo. O que está no disco não é igual à demo que tínhamos feito, e queríamos que fosse igual. A primeira versão tinha quatro minutos, a do CD tem sete. Quando chamamos os caras para gravar, queríamos que eles tocassem igual, só que eles nem lembravam o que tinham feito e como tinham feito porque eles tocam muito no improviso. Lembro que era por volta das 4h da manhã e estávamos todos no estúdio ainda, todo mundo exausto. A gente se estressou, acabou microfonando tudo e pedindo pros caras fazer ali ao vivo mesmo e saiu essa samba de sete minutos. Depois disso, alguns instrumentos foram dobrados e no fim das contas tivemos que fazer tudo de novo, pois virou outra música, mas a guitarra guia foi a que acabou ficando na gravação. No outro dia, nós ouvimos, curtimos o resultado e colocamos solo e ficou uma versão muito mais rica.
Pino da Granada: Foi a primeira feita para o disco. É aquilo, né (risos)… Nesse mundo do Rock sempre tem nego que tira o pino da granada. Para cada um significa uma coisa, gente que bebe pra caralho, gente que usa droga, gente que gosta da putaria, então é meio que uma homenagem a essa loucura toda, de um jeito meio irônico. O jeito que o Caio leva a música é muito legal, com grooves e ‘blasts’, e a galera curtiu muito esse som.
Alegoria do Sangue: Gosto muito dessa música e acho também uma das melhores. Daniel e eu fizemos a letra em cima de uma ideia de um brother nosso. A gente pirou na ideia dele e fomos desenvolvendo isso junto com a música. Ela é meio que uma metáfora, citando o Carnaval, que é uma energia forte no país, tanto pro cara que quer descansar alguns dias, quanto pra pessoa que quer cair na farra. Um período que é legal, mas também é perigoso, então é meio que uma alegoria do sangue, mesmo. Você vê gente que está na bosta, mas às vezes está lá se divertindo. O país vive na corrupção, mas a festa está rolando, então é essa metáfora mesmo. Gosto da levada dessa música, pois tem um riff meio Punk, mas tem um swing.
Bicho Humano: Foi uma das últimas que a gente fez, tem uma letra legal que fala do ser humano, de como ele cava a própria cova, até a hora de morrer segue cavando, depois deita, dorme e vai sei lá pra onde (risos). A música é do Henrique (Fogaça, vocalista da banda Oitão e convidado na música) e é a primeira vez que gravamos uma música com uma afinação diferente, pois ela é em lá sustenido (A#) que é mais baixa e ficou podreirona, com influência de Napalm Death.
Vida de Mentira: Puta groove com uma influência de Hardcore nova-iorquino e uma letra de revolta total. Você vive várias situações na vida e às vezes descarrega tudo. E nesse lance de groove, uma banda que influenciou muito a gente no começo foi o Biohazard na época de Urban Discipline (1992). Tem também o Body Count, que era meio maloqueirão também, mesmo o Slayer tem groove, o Pantera, então não tem como negar umas influências como essas.
Caosfera: Eu costumo falar que essa música tem uma pegada Hardcore no estilo do Ação Direta e a letra de um amigo meu, o Ivan (Goetschi), um cara que já tocou no Claustrofobia, lá no começo, na época das demos, e mostra um pensamento meio abstrato do fim do mundo.
Viva: Terminando com uma mensagem positiva, apesar de toda desgraça que acontece no disco, mas sem aquela idéia clichê de ‘vamos pensar positivo’. A gente sempre tenta pensar positivo, mas é difícil. Todos podemos cair em tentações, pois a vida é cheia de venenos. E terminamos o disco com a frase ‘exercitando a positividade com o pensamento’. Foi num dia em que acordei bem (risos).