A Orquestra Petrobras Sinfônica, do Rio de Janeiro, realizou nos dias 29 e 30 de junho, dois memoráveis espetáculos no Allianz Parque Hall, do estádio Allianz Parque, da Sociedade Esportiva Palmeiras. No sábado, a OPES, sob a regência do maestro Felipe Prazeres, apresentou uma versão inédita da trilha sonora de “Bohemian Rhapsody” (2018), longa-metragem que retrata a trajetória de Freddie Mercury e do Queen. Já no domingo, seguindo a ‘Série Álbuns’, que desde 2016 já homenageou clássicos como Dark Side of the Moon do Pink Floyd e Thriller de Michael Jackson, o mote foi Metallica, quinto e comercialmente mais bem sucedido álbum do Metallica, lançado em 1991 e mais conhecido como “Black Album”. Os dois concertos da Petrobrás Sinfônica fazem parte de um pacote de iniciativas que visam popularizar a música clássica, renovando o público do gênero. Criada em 1972 pelo saudoso maestro Armando Prazeres, a OPES tem como compromisso a democratização do acesso à música clássica.
Os fãs de Queen, que lotaram o Allianz Parque Hall no sábado (29), foram presenteados com um repertório recheado de hinos do grupo britânico, todos rearranjados por Alexandre Caldi. O espetáculo teve dois atos, com um intervalo de 20 minutos entre eles. Pontualmente, às 21h, os 31 músicos que compunham a sinfônica postaram-se no palco e assim que o maestro surgiu, todos foram bastante aplaudidos. A ovação foi mais contundente ainda quando Felipe Prazeres abriu o blazer e exibiu sua camiseta estampada com a capa do álbum Queen II. Simpático, o maestro falou da felicidade de estar de volta a São Paulo, um ano depois de trazer o citado musical em homenagem ao Pink Floyd. Falou também que a outra missão da OPES é apresentar o universo de uma orquestra sinfônica e sua diversidade de instrumentos, timbres e dinâmicas. Ele ainda explicou como seriam feitas as adaptações que substituiriam os arranjos originais de voz e solo, por exemplo, sendo que as linhas vocais de Freddie Mercury passariam pelas madeiras. Por fim, Prazeres pediu que alguns músicos demonstrassem o som de seus instrumentos, com e sem distorção, e arrancou gargalhadas ao comentar que a orquestra também tinha seu próprio Freddie Mercury: o baixista, que se levantou e revelou o cabelo e o bigode parecidos com os do saudoso cantor.
As primeiras músicas da noite, Another One Bites the Dust, Now I’m Here e Who Stop Me Now?, foram muito bem recebidas, mas foi em Radio Ga Ga que rolou maior participação do público, que cantou o refrão, fazendo o famoso acompanhamento nas palmas. Em retribuição, a orquestra se levantou e saudou os presentes. Under Pressure, que saiu em single em 1981 e, no ano seguinte, no álbum Hot Space do Queen, agradou fãs de Freddie Mercury, Brian May, John Deacon e Roger Taylor, e do também saudoso cantor britânico David Bowie.
Se Keep Yourself Alive ganhou uma versão eletrizante, Who Wants to Live Forever emocionou a todos, principalmente no decorrer, em que a orquestra proporcionou à música um momento de tensão. Crazy Little Thing Called Love ficou ainda mais parecida com música de baile dos anos 50, principalmente pelo naipe de metais.
Na volta do intervalo, o público foi surpreendido com uma das mais aguardadas da noite, a própria Bohemian Rhapsody. A euforia foi geral, ainda mais na parte agitada da música. I Want to Break Free manteve a euforia no topo, com todos na plateia cantando-a do início ao fim. Em oposto, houve um silêncio respeitoso na belíssima e comovente versão de Love of my Life, que veio a seguir. Aliás, nesta e em outras lentas e emotivas, a plateia era um espetáculo à parte quando iluminava a arquibancada com celulares. The Show Must Go On e Somebody to Love ficaram geniais. Elas antecederam duas das mais comemoradas e cantadas: We Will Rock You e We Are The Champions. E se na primeira delas a orquestra se levantou e aplaudiu a plateia, na segunda a retribuição foi imediata.
Entusiasmado, o maestro Felipe Prazeres ofereceu a todos um bis no qual algumas músicas do repertório foram reprisadas. Curiosamente, em todas elas o público esteve mais empolgado do que quando foram tocadas na primeira parte do show. Todos comemoraram e vibraram com Bohemian Rhapsody e seu solo contagiante de violino, muitos dançaram em Crazy Little Thing Called Love e ninguém mais sentou durante I Want to Break Free e Radio Ga Ga, que foi a escolhida do público quando o maestro perguntou se queriam essa ou Under Pressure. Foi uma noite emocionante, em que, certamente, Mercury, May, Deacon e Taylor se sentiriam honrados com o espetáculo em si e com os arranjos executados pela Petrobrás Sinfônica. Como se costuma dizer ao final de uma boa apresentação de música clássica: Bravo, bravíssimo!
No domingo, foi a vez de a orquestra capitaneada pelo maestro Felipe Prazeres executar a íntegra do “Black Album”, do Metallica. Apesar de o próprio Metallica já ter se apresentado neste formato e, inclusive, lançar o álbum S&M, cuja regência ficou a cargo do saudoso Michael Kamen, havia certa curiosidade sobre como a orquestra soaria e como os fãs deveriam se portar, já que se tratava de um show mais “comportado”.
Assim como na noite anterior, o maestro Felipe Prazeres apresentou cada seção da orquestra, explicando quem estaria responsável pela interpretação dos instrumentos usados pelo Metallica. O destaque ficou com os dois violinistas principais, responsáveis por executar os solos de Kirk Hammett – ambos usavam violinos elétricos, com distorção e, principalmente, o indispensável e tão característico pedal wah-wah. Definitivamente, os dois foram um show à parte.
Como em um verdadeiro show do Metallica, a introdução foi ao som de The Ecstasy of Gold, de Ennio Morricone, seguida pela ovacionada Enter Sandman. O sinal verde para a diversão foi dado pelo maestro quando, como um verdadeiro frontman, pediu para que o público cantasse junto. O show seguiu com o peso de Sad But True. Nela, ficou evidente o único pecado cometido pela orquestra: “o baterista”. Um músico de orquestra lê e toca tudo o que está na partitura, cada nota, cada tempo e cada detalhe escrito ali. O problema, se assim pode ser dito, é que ele parecia nunca ter ouvido aquelas músicas e apenas tocou o que estava escrito, tirando, assim, todo o feeling de partes tão marcantes e que são essenciais em “Black Album”, referência de som para grande parte dos bateristas do mundo.
A rápida Holier than Thou antecedeu um dos momentos mais emocionantes do show na música seguinte, The Unforgiven, quando o Allianz Park foi iluminado pelos celulares e o público cantou junto. Wherever I May Roam também fez o público cantar, contrastando com Don’t Tread on Me, que apenas os mais fanáticos conheciam, assim como Through The Never.
Outro momento de muita emoção, com o Allianz Park novamente tomado pelas luzes dos celulares, ocorreu em Nothing Else Matters, que foi repetida no bis. A partir de então, Of Wolf and Man, The God that Failed, a espetacular My Friend of Misery e a última e extremamente complicada The Struggle Within fizeram a alegria dos verdadeiros fãs. Porém, foi no bis que o espetáculo ganhou ares de show de metal. Todos em pé cantando a plenos pulmões Master of Puppets (que só rolou até a metade), a reprise de Enter Sandman, Nothing Else Matters e Sad But True, além, novamente, da primeira parte de Master of Puppets.
Uma escolha louvável da Orquestra Petrobras Sinfônica, que mostrou não ter preconceito com nenhum estilo, incluindo o heavy metal na pauta de espetáculos. Ao contrário do que muitos pensam, “Black Album” não é um disco simples de se tocar, algo que ficou nítido no esforço que todos os músicos e o maestro Felipe Prazeres empenharam para que tudo soasse da melhor forma. De fato, James Hetfield, Lars Ulrich, Kirk Hammett, Jason Newsted e o produtor de Metallica, Bob Rock, ficariam orgulhosos em ver a obra deles ser revista desta maneira.