Quando o Cradle Of Filth nasceu, em 1991, o vocalista, líder e fundador da banda, Dani Filth já era um apaixonado por filmes de terror, por contos do sobrenatural, pelo universo gótico e pelo vampirismo já por vários anos. Assim, foi muito natural que a sua banda refletisse a sua paixão, e já no primeiro álbum completo, The Principle of Evil Made Flesh (1994) as referências ao vampirismo eram evidentes. A coisa ficou ainda mais perceptível no EP V Empire or Dark Faerytales in Phallustein (1996), se estenderam por todo Dusk And Her Embrace (1996), mas foi no terceiro álbum completo do Cradle of Filth, Cruelty and the Beast (1998) que Dani resolveu elevar o tema a outro patamar na sua eterna busca por novas histórias.
Cruelty and the Beast se tornou o primeiro álbum verdadeiramente conceitual do Cradle of Filth, e narrava a história da infame condessa húngara Elizabeth Báthory, conhecida até os dias de hoje pela alcunha ‘Condessa de Sangue’. Dotada de um instinto assassino e de uma crueldade incomuns, a Condessa é possivelmente a mais famosa e ‘prolífica’ assassina do sexo feminino, e entre seus hábitos peculiares encontramos a lenda de que ela costumava se banhar no sangue de suas vítimas, acreditando ser esta uma forma de se preservar dos efeitos do tempo. É claro que essa é uma história tão chocante quanto fascinante, e se o nome da Condessa de Sangue inspirou até o nome de uma banda, imagine se não inspiraria um fanático por histórias com este apelo.
Assim, em 5 de maio de 1998 o Cradle of Filth lançou Cruelty and the Beast, e o time era incrível: ao lado de Dani Filth estavam os guitarristas Stuart Anstis e Gian Pyres, o baixista Robin Graves, o tecladista Lecter e o lendário baterista Nicholas Barker, além da sensacional vocalista Sarah Jezebel Deva. Lembro de ter assistido algumas performances desta formação na época, especialmente de um show em algum dia de maio de 1998, no Zeche Carl, na Alemanha. Na época a banda tinha acabado de lançar o álbum, e vinha com sangue nos olhos. Acompanhados pelos noruegueses Einherjer, Old Man’s Child e Gorgoroth, o Cradle of Filth roubou a cena, e até hoje não esqueço como foi incrível ouvir algumas músicas de Cruelty and the Beast ao vivo pela primeira vez, com a formação que de fato registrou o álbum.
Então, claro, eu não perderia a chance de ouvir o álbum sendo tocado na íntegra, vinte e um anos depois de seu lançamento, por uma nova e incrível formação do CRADLE OF FILTH. E foi exatamente isso que tivemos no Carioca Club, como parte da turnê mundial Lustmord and Tourgasm. Sempre com Dani Filth comandando o show, a banda não perdeu tempo, e a apresentação começou já com a celebração dos vinte anos de um dos seus melhores discos.
Após a introdução Once Upon Atrocity, o mar de sangue começou a jorrar com Thirteen Autumns and a Widow, até hoje uma das minhas favoritas do repertório dos ingleses. A mescla de ritmos mais acelerados com outros mais contemplativos e calmos, as linhas de teclado inteligentes e melodiosas em contraste com os ‘blast beats’, tudo evocava a aura daquela época em que o Cradle of Filth reinava no auge de sua criatividade, uma ótima primeira impressão, se levarmos em conta que, daquele time, restou apenas o vocalista.
Mas, se ainda havia dúvidas, elas seriam dizimadas em seguida, quando a vocalista/tecladista Lindsay Schoolcraft pronunciou os versos que abrem Cruelty Brought Thee Orchids: “Hear Me now! All crimes should be treasured, if they bring thee pleasure somehow”, entoou ela, enquanto todos pareciam extáticos, encarando aquela que discretamente ocupava o seu posto atrás do grande teclado. Sim, a noite estava ganha, e era impossível não repararmos o quão bem o baterista tcheco Marthus executava aquelas linhas de bateria, originalmente criadas por alguém que se tornou uma lenda do instrumento.
Beneath the Howling Stars nos trouxe um pouco de volta para a realidade. Afinal, não estamos mais nos anos 90, Dani Filth não é mais um garoto em seus anos de glória, e é claro que o tempo não torna mais fácil cantar registros altos em um ambiente musical prevalentemente extremo. Obviamente ele precisou tomar alguns ‘atalhos’ na apresentação e mudar alguns tons de sua antiga performance, mas eu tenho que dizer, ainda é impressionante ver sua performance ao vivo, e não creio que outro vocalista conseguiria uma performance tão digna de elogios quanto ele permanece merecendo.
Após a breve pausa fortuitamente providenciada pela instrumental Venus In Fear, a banda estava de volta para dar sequência aos seus trabalhos. Desire in Violent Overture e Twisted Nails of Faith formaram ao vivo um duo tão perigoso e maldito quanto no álbum, mas era óbvio que seria na longa e repleta de diferentes climas, Bathory Aria, que a banda teria a chance de ouro para marcar esta apresentação para sempre em nossa memória. Primeiro os teclados de Schoolcraft, passando pela voz sussurrada de Dani, a bateria de Marthus, as linhas de baixo melódicas de Daniel Firth, e claro, as guitarras de Ashok e Rich Shaw, que no primeiro movimento (Benighted like Usher) cativam e hipnotizam o ouvinte para depois golpeá-lo com a precisão de uma navalha, tudo soou perfeito e inesquecível, exatamente como esperávamos que fosse.
O fim dessa grande celebração veio, claro, com a instrumental Portrait of the Dead Countess preparando o terreno para um dos grandes clássicos do repertório dos ingleses, Lustmord and Wargasm (The Lick of Carnivorous Winds), uma daquelas canções que marcaram toda uma geração e que permanecem até hoje intocadas pelo tempo, firmes na lista de favoritas de muitos fãs. Mas, esse ainda não era o fim, já que os ingleses queriam nos brindar com mais material de sua longa e prolífica carreira. Malice Through the Looking Glass (Dusk and Her Embrace, 1996), a ‘nova’ Heartbreak and Seance (Cryptoriana – The Seductiveness of Decay, 2017), foram as que mais se destacaram desta segunda parte do show, mas não poderíamos ir embora sem antes ouvir Her Ghost In The Fog, música que gravou Midian (2000) para sempre como um dos nossos álbuns favoritos.
No fim das contas, que ótima experiência vivemos. Como foi bom ver que, mesmo com uma formação quase que inteiramente diferente, o Cradle of Filth ainda é capaz de fazer um show tão bom e eficiente quanto aqueles que assisti no passado. Agora, que tal celebrar os vinte anos de Midian, no ano que vem? Estaremos lá, sem sombra de dúvida.