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DAN REED NETWORK: Onde o funk, o hard e o metal reinam juntos

A história do que se convencionou chamar de funk metal passa por nomes como Extreme, Faith No More e Living Colour, todos mais conhecidos do grande público, mas uma das principais sementes do mercadológico rótulo musical atende por Dan Reed Network.

Dan Reed (vocal), Brion James (guitarra), Melvin Brannon II (baixo) e Dan Pred (bateria) – a formação original da banda americana, que hoje conta com Rob Daiker nos teclados – lançaram o terceiro álbum desde a volta, em 2012, e conversamos com Reed sobre o ótimo “Let’s Hear it for the King”.

Mas não apenas sobre o presente que aponta para o futuro. O longo e franco bate-papo incluiu uma viagem de volta aos altos e baixos do hard rock/heavy metal nos anos 1980 e 1990. E você confere a seguir a íntegra dessa conversa. Sem cortes, sem edição, sem censura e com vários vídeos do Dan Reed Network para acompanhar. Boa leitura interativa!

Começo com uma pergunta que tenho feito bastante: como você está e como ainda tem passado esse período de pandemia?
Dan Reed: Eu tive Covid duas vezes e felizmente não precisei ser hospitalizado em nenhuma delas, nem mesmo precisei me medicar. Apenas tomei canja de galinha e bebi muita água. Senti-me mal por três dias na primeira vez e por dois dias na segunda, apenas. Os dois anos que passei em casa, com a minha família, me trouxeram várias percepções sobre o que é importante, porque eu sempre estava na estrada, o tempo todo em turnê. Meu filho está com 9 anos agora, e eu passei seis anos da vida dele naquele ritmo. Com a pandemia, passei a ficar diariamente com ele em casa, lendo livros para ele, e isso foi muito bom para nos conectarmos. Quero fazer a turnê da banda junto com o Danny Vaughn, do Tyketto, mas não quero mais tocar todos os fins de semana, ficar sempre nos aeroportos e cada dia num hotel diferente. Então, esse período foi bom para isso. Foi muito positivo para a minha vida familiar, mas também escrevi muitos roteiros, algo que fazia há 15 anos e retomei agora. Tenho um longa-metragem que está entrando em produção, para começarmos a filmar em 2023. E comecei a pintar, o que nunca havia feito. A vida foi boa para nós, mas é óbvio que lamento pelas pessoas que perderam entes queridos.

Mesmo com seu filho, você teve a arte ao seu lado. Curioso, porque foi um assunto que surgiu quando entrevistei Ian Gillan, do Deep Purple, nos primeiros meses da pandemia. Aprendemos que podemos viver sem muita coisa, mas não sem a cultura. Música, literatura, filmes e séries… Isso sempre está ao nosso redor.
Dan: Você acertou em cheio! A pandemia nos ensinou sobre o realmente importa, coisas com as quais podemos ou não viver sem. Nos Estados Unidos, hoje em dia, muitos negócios estão tendo dificuldade para contratar pessoas, porque elas pensaram numa forma de ganhar seu sustento em casa. Com a pandemia, elas passaram a se perguntar: ‘Por que tenho de ficar oito horas num escritório, cinco dias por semana, se eu sei como fazer as coisas sozinho?’. Acredito que há um grande benefício em desacelerar. Isso ajudou o Planeta com a diminuição da poluição, o que foi ótimo, e nos ensinou, também, lições importantes sobre ao que precisamos dar valor: amizades, família e o que nos faz sentir como sonhadores, o que nos faz querer criar. Creio que seja uma lição valiosa.

E considerando que a banda lançou “Origins” em 2018, além de comemorado os 30 anos de “Slam” no ano seguinte, como foi organizar tudo até “Let’s Hear it for the King”?
Dan: Nós gravamos as músicas em janeiro, antes da pandemia, e o disco deveria ter sido lançado na primavera. Então, compus o material com os outros membros da banda em 2019, e em janeiro de 2020 nós nos reunimos no estúdio em Portland, onde fiquei 28 dias gravando o álbum. Eu ficava mandando faixas e mixes para o Rob, nosso engenheiro de som, tecladista e coprodutor, e ele mandava de volta, então fazíamos anotações. Gravamos algumas coisas aqui e ali durante o ano seguinte, o que nos deu tempo de mixar decentemente o disco, em vez de fazer esse trabalho em dez dias. Tínhamos um ano para finalizar as mixagens, pensando que o disco sairia em 2021, mas aí a pandemia continuou, e decidimos empurrar o lançamento para quando pudéssemos sair em turnê. É por isso que foi lançado agora.

Além do processo de gravação, os lockdowns e tudo que veio com a pandemia tiveram algum impacto no que você escreveu?
Dan: Brion escreveu a letra de “I See Angels”, Rob coescreveu as de “Just Might Get it” e “Last Day on Saturn”, e as demais eu escrevi antes da pandemia. Mas sabe o que é estranho? Parece que o novo disco fala sobre esses últimos dois anos, política e socialmente, e sobre o vício em redes sociais, também. O TikTok virou uma febre durante a pandemia, só que eu falo sobre essas coisas em letras que escrevi em 2019! De uma forma estranha, parece meio profético, mas tem um discurso rítmico no fim de “Pretty Karma” que eu compus durante a pandemia, então só adicionamos depois. Um dia, Rob mandou uma mensagem dizendo: ‘Acho que é um bom momento para você pensar num daqueles raps no velho estilo Dan Reed Network e colocar no fim dessa faixa’. Foi a única letra que escrevi durante a pandemia.

E eu estava me perguntando se “Homegrown”, principalmente pelo videoclipe, era fruto das consequências da pandemia…
Dan: O texto que o cara do rádio fala, logo na introdução do vídeo, foi escrito mês passado (N.R.: a entrevista foi realizada no dia 9 de junho de 2022), então tem uma visão dos últimos dois anos. “Homegrown” começou como uma música do Brion, que criou algo mais hip hop com um pouco de dance music eletrônica, e a lera falava de maneira direta sobre maconha, sobre cultivar maconha de qualidade. No entanto, por mais que todos na banda fumem maconha de vez em quando, eu disse que canções apenas sobre maconha já foram feitas muitas vezes (risos). Assim, eu quis encontrar uma forma de pegar algumas partes da letra que Brion escreveu e fazer com que fossem sobre cultivar amor, e o amor que temos em casa com nossa família. Curiosamente, fiz isso antes da pandemia! (risos)

E qual é, então, a mensagem da letra de “Unfuck My World”?
Dan: Ela fala sobre se cercar de pessoas que nos façam se sentir bem ao buscarmos nossos sonhos. Há muitas pessoas por aí que chamo de “vampiros de energia”, aquelas que tentam sugar qualquer paixão que você tenha na vida. São as que dizem ‘Isso é uma besteira!’ ou aquelas que, em vez de ensinar a cantar no tom, dizem a uma criança que ela não pode cantar porque cantou fora do tom no coral. O mundo está muito conflituoso atualmente, e ficou muito pior durante a pandemia, com direita contra esquerda, corporativistas contra ambientalistas, então “Unfuck My World” fala sobre estar com pessoas que o ajudem a desmanchar esse caos externo, é sobre estar com pessoas com as quais você gosta de estar junto para rir, para fazer arte, para criar.

Ainda assim, independentemente do teor das letras, a música soa muito positiva, para levantar o espírito. Isso faz sentido para você?
Dan: Totalmente! Li uma resenha que dizia que “Let’s Hear it for the King” é ‘o disco mais raivoso do Dan Reed Network’, mas consigo entender por que as pessoas pensam assim. Do ponto de vista irônico, os refrães são bem hardcore… Aliás, o álbum todo é irônico! ‘Quero ser um rockstar como você, e você quer ser um rockstar como eu’ ou ‘um belo carma virá para chutar a sua bunda por todas as coisas negativas que você fez no mundo’, ironias como essas, mas, no fim das contas, há uma mensagem positiva para mim, porque ainda tenho fé na humanidade. Ainda acredito que poderemos virar a página um dia. O que acho estranho, porém, é estarmos cantando hoje sobre as mesmas coisas que cantávamos há 30 anos. Naquela época, fazíamos isso de uma maneira mais idealista, tipo ‘Vamos lá, gente! Aceitem a paz e o amor para que possamos viver juntos!’, e agora, depois de eu ter aprendido muito nestes 30 anos, não é mais sobre aceitar a paz e o amor, não é sobre direita e esquerda. É sobre o centro, é sobre as pessoas encontrarem um ponto comum e celebrar isso em vez de gritarem umas com as outras. Eu era um idealista nos anos 1980 e início dos anos 1990, e hoje eu já canto com um pouco de ironia. Se parece raivoso dessa maneira, então que seja.

Pretendo voltar a esse assunto, mas antes gostaria de mencionar algumas das minhas músicas favoritas para você comentar. Começo com “I See Angels”, porque uma vez pensei que a banda tivesse criado a sua música mais bonita com “Champion” (N.R.: do álbum “Fighty Another Day”, lançado em 2016), mas agora não tenho certeza (risos).
Dan: É uma música do Brion, e ele ainda é um pouco idealista, como nos velhos tempos. Acredito que ele veja anjos nas pessoas enquanto anda por aí, e eu transito entre dois pensamentos. Gosto do pensamento budista de olhar para cada pessoa como se ela pudesse ter sido minha mãe em outra encarnação, e ter esse tipo de respeito pelo próximo é ótimo. Vez ou outra, porém, eu também acho que esse respeito deve ser conquistado. Brion tem mais fé na humanidade, definitivamente, e acredita que a inteligência artificial e os robôs roubarão nossos trabalhos, enquanto eu digo que, um dia, serão uma boa coisa para nós. Ele compôs “I See Angels”, eu ouvi e disse que adoraria colocá-la no próximo disco. Brion respondeu: ‘Então, você deveria cantar nela’, e eu compus a segunda estrofe. Mas todo o restante é dele. Creio que a ideia da música, pelo modo de pensar do Brion, é que geralmente somos bons seres humanos, e há apenas uma minoria que tenta nos direcionar para o ódio mútuo, por lucro, para ganhar dinheiro em cima de nós. Isso faz parecer como se eles estivessem no controle e que o mundo é uma merda, mas se você viajar por esse mesmo mundo e visitar as vizinhanças das cidades, os bairros, encontrará as melhores pessoas do mundo. Bom, eu já fiz isso e posso dizer que 99% das pessoas que encontrei são incríveis!

Musicalmente, a beleza do novo álbum se dá na capacidade da banda de gravar músicas como “I See Angels” e, depois, “Homegrown”, “Supernova” e “Where’s the Revolution” fazendo com que todas soem bem juntas…
Dan: É isso mesmo! Eu ficaria entediado se o disco inteiro soasse igual. Cresci ouvindo álbuns de Elvis Presley, Frank Sinatra, Doobie Brothers e Johnny Cash, porque eram os que a minha mãe escutava. Havia as músicas do trem, as baladas, as músicas da prisão, e cada uma tinha um tempo diferente, uma instrumentação diferente… O Doobie Brothers é o melhor exemplo disso! Também cresci ouvindo Rush, e não há duas músicas iguais em nenhum dos discos do Rush! Pode pegar o catálogo inteiro da banda, porque você nunca encontrará a mesma canção! (risos) Enquanto artista, é disso que eu gosto, de ir sempre além, de ir do super funky ao estilo pesado do Led Zeppelin, como no começo de “Unfuck My World”, no groove de “Homegrown”, em “Last Day on Saturn”, que é uma viagem. Gostamos da ideia de criar um álbum que você possa ouvir do começo ao fim e fazer uma viagem. Não nos orientamos por singles, não buscamos fazer um hit, porque, para nós, um disco não deve ter músicas para preencher um buraco entre uma e outra. Um disco é para ser uma viagem.

Eu não poderia concordar mais, até porque sou ‘old school’. Leia até ficha técnica e lista de agradecimento nos encartes dos CDs (risos). Mas é algo que não combina com o imediatismo atual no público consumidor de música.
Dan: Não sei se é algo a lamentar, mas acredito que a humanidade está evoluindo para essa maneira muito rápida… É como se estivéssemos nos tornando meio que alienígenas, que teoricamente são mais rápidos, compreendem tudo rapidamente, conseguem ouvir uma música inteira numa fração de segundo. A minha esperança é que estejamos progredindo nesse sentido, não que seja apenas sobre ego e dificuldade de atenção. Conheço pessoas que nem ouvem as estrofes, pulam direto para os refrãos e em seguida vão para a próxima música. Com o TikTok, isso ficou ainda mais evidente, com esses vídeos de 15 segundos. Não sei se algum jovem consegue, hoje em dia, sentar-se e assistir a um filme de duas horas de duração que não tenha explosões e super-heróis. Sentar-se e assistir a um drama de duas horas, sobre algo que aflige a vida de alguém, seria perto do impossível para essa nova geração! (risos) Estou brincando, claro, porque há exceções à regra. De maneira geral, no entanto, estamos lidando com um déficit de atenção, e ainda quero lutar para ter um disco que seja como assistir a um filme ou ler um livro. Quero que a pessoa ouça do começo ao fim e tenha uma boa experiência.

A propósito, outra das minhas favoritas é “The Ghost Inside”, que, assim como “I See Angels”, remete a Phil Collins, e isso é realmente um elogio.
Dan: Nossa! Isso é um grande elogio! Sou um grande fã do Phil Collins, e “In the Air Tonight” é uma das melhores músicas já escritas e arranjadas na bateria… As estruturas das músicas, a voz dele, meu Deus! Que voz! É uma honra ser comparado a ele dessa forma. Obrigado! Fui influenciado pela música do Phil Collins ao longo dos anos, quando comecei a compor de verdade, então entendo a conexão que você fez. E Phil costumava a falar sobre temas como o de “The Ghost Inside” antes de ele se apaixonar e começar a compor todas aquelas canções pop (risos). O Billy Joel fez o mesmo caminho, lembra? “Uptown Girl” (N.R.: Reed começa a cantarolar), e eu pensei: ‘Que mudança de rumo!’. “The Ghost Inside” fala sobre fazer as pazes com os demônios que todos nós temos. Assim como temos potencial para sermos como Madre Teresa de Calcutá ou Gandhi, também temos potencial para sermos Pol Pot ou Hitler. Temos isso dentro de nós. Os ensinamentos de Buddha falam sobre fazer as pazes com esse lado escuro e criar um equilíbrio, o Yin e o Yang. Se você faz as pazes com esse lado em vez de ter medo dele, ou de alimentá-lo, terá uma vida melhor. Não irá preso, não matará ninguém.

Rob está no Dan Reed Network desde 2015, mas a banda conseguiu ter quatro integrantes originais, você, Brion, Melvin e Dan Pred, desde a reunião em 2012. É ótimo e, também, bastante impressionante, devo dizer. Qual é o segredo?
Dan: São duas as razões. A primeira é que retomamos a nossa amizade, porque, quando começamos, eu e Dan Pred frequentamos a mesma escola. Tínhamos 14 ou 15 anos quando começamos a tocar juntos, então essa conexão ecoou para os demais membros da banda. Dessa forma, sempre fomos meio como uma família, e assim continuamos por um longo período. Quando nos separamos e ficamos sem nos falar por alguns anos, essa família desmanchou, cada um foi fazer suas próprias coisas. Quando nos reunimos em 2012, nos demos conta do quanto sentimos falta daquela relação. Agora não temos mais o ego no nosso caminho, aquelas bobagens de quem é mais popular na banda, quem compõe o quê, quem dá mais entrevistas… Nada disso importa mais. Hoje em dia, é sobre as letras, as melodias, as estruturas das músicas. A segunda é o fato de que ainda conseguimos tocar, conseguimos cantar, não perdemos nossas vozes e nossos dedos. Por incrível que pareça, ainda consigo pular no palco! Acordo no dia seguinte com dores nos joelhos, não vou mentir (risos), mas ainda fingimos ter 27 anos quando estamos no palco (risos).

Dan Reed Network
Dan Reed Network: Brion James, Rob Daiker, Melvin Brannon II, Dan Reed e Dan Pred (Foto: Divulgação)


Essa é uma pergunta que sempre quis fazer a você, e é sobre a letra de “Thy Will Be Done” (N.R.: do álbum “The Heat”, lançado em 1991). Infelizmente, 30 anos depois, a mensagem continua válida e muito atual, certo?
Dan: Verdade, e é mesmo uma tristeza imensa que essa letra ainda faça sentido hoje e dia, porque nós achávamos que em 30 anos teríamos progredido. No que diz respeito ao quão divididos estamos atualmente, creio até mesmo que regredimos. Não nos importarmos com as guerras que acontecem no Iêmen, na Síria e em vários outros lugares do mundo, mas quando acontece na Ucrânia, todo mundo se importa. Todos os lugares deveriam receber a mesma atenção, e às vezes eu não entendo esse mundo. Parei de fazer comentários políticos na internet, algo que sempre fazia, e sobre várias causas, porque aprendi que pregamos para convertidos em nossa própria bolha, para pessoas que pensam como nós, e isso fortalece ainda mais os sistemas de crenças daquelas que pensam de forma contrária. Então, daí para frente eu passei a me posicionar no centro… Acho que me perdi na sua pergunta (risos).

Tudo bem, dá para recuperar (risos), então vamos lá: e por causa do conceito da letra de “Thy Will Be Done”, você ainda mora em Praga (N.R.: capital da República Tcheca)?
Dan: Sim, ainda moro em Praga. A letra de “Thy Will Be Done” fala dessa raiva do status quo corporativo, de um paradigma que parece inquebrantável. Se os ricos estão mantendo os políticos em seus cargos, por que os políticos lutariam pelo homem comum e todos os demais gêneros? Por que eles lutariam por qualquer um de nós? Acredito que teremos que contar com algum desastre natural ou talvez alienígenas descendo no gramado da Casa Branca (risos). Estou esperando por isso, então será que podem aterrissar logo? Quanto mais teremos que esperar? (risos)

Então, acredito que você acompanhou e acompanha o que está acontecendo nos Estados Unidos, principalmente desde o governo de Donald Trump. Você está preocupado com isso?
Dan: É uma das razões por que tenho me posicionado no centro, ultimamente. Passei alguns anos odiando Donald Trump, fazendo piadas sobre ele, gravando vídeos o parodiando, e é claro que todos os meus amigos liberais estavam me apoiando e achando graça. Agora, olhando para a administração Joe Biden, vejo a alta da inflação, a questão da fronteira, que é uma loucura, sem nenhum cuidado, e o que eles fizeram durante o pico da pandemia, forçando as pessoas a se vacinar… Isso tudo pareceu uma linha de raciocínio de direita. Olhando pelo retrovisor da administração Trump, ele não parece ser tão perigoso e maluco quanto o fizemos parecer, ainda que seja um egomaníaco que gosta de se gabar de tudo, e uma pessoa assim obviamente não deveria governar os Estados Unidos. No entanto, as nossas opções são Biden ou Trump: um cara que deveria estar observando pássaros no quintal de casa, e outro que é um egomaníaco. São as melhores opções? Nós temos tantas boas opções, como Bernie Sanders, por exemplo. A minha opinião sobre a política americana é que não estamos escolhendo as melhores pessoas para o cargo, e creio que isso é proposital, vem das mesmas pessoas que falei há pouco, os ricos. O campo liberal está forçando demais o liberalismo, e a direita está forçando contra, o que cria a tempestade perfeita para quem não quer se comprometer. Aquele 6 de janeiro foi um dia terrível (N.R.: quando o Capitólio foi invadido por apoiadores de Trump, incentivados até mesmo pelo ex-presidente, que não reconheceu a derrota e adotou o discurso de fraude nas eleições). Discuti com alguns amigos liberais por causa disso, mas não acredito que tenha sido uma faca na garganta da democracia. Foi um motim de lunáticos que durou duas horas e meia, e que jamais deveria ter acontecido porque foi estúpido. Claro, Donald Trump chorando que venceu a eleição era o fogo que mantinha aquele circo acontecendo, mas tudo foi resolvido em algumas horas, por isso eu não creio que a nossa democracia estivesse ameaçada. Do contrário, todos teriam sido presos, e o exército teria tomado as ruas. Não eram todos os apoiadores do Trump que estavam lá, mas somente alguns, porque ele tem milhões de seguidores. O que quero dizer é o seguinte: o combustível era barato, e Vladimir Putin (N.R.: presidente da Rússia) não havia invadido nenhum país, e olha que ele invadiu outro país na administração Barack Obama, mas na administração Trump ele não invadiu lugar nenhum (N.R.: Reed, na verdade, se refere à invasão à Crimeia, em 2014, quando os russos anexaram Donetsk e Luhansk, antes regiões ucranianas, ao seu território). Mas não me entenda mal, porque Trump é um idiota, egomaníaco, metido a besta, uma aberração, e as pessoas estavam com medo do que ele poderia fazer porque ele é louco, mas elas sabem que qualquer um pode pisotear Biden a qualquer momento. No momento, não apoio o Partido Democrata e muito menos o Partido Republicano, uma vez que nenhum deles ofereceu bons líderes. Aliás, sei que o Brasil vive um dilema parecido como o dos americanos quanto a Trump, mas desconheço as opções a Jair Bolsonaro. Qual é a sua opinião sobre ele?

Eu o abomino. Trata-se de um autocrata entusiasta da ditadura militar, sem qualquer respeito pela democracia e, também, pela vida. É um dos piores seres humanos que já pisaram na Terra…
Dan: Eu ouvi falarem isso sobre ele, mas nunca li discursos traduzidos, então o meu conhecimento a respeito do presidente brasileiro vem somente do que vi nas notícias (N.R.: reforçando que a entrevista aconteceu no dia 9 de junho de 2022, ou seja, antes da derrota do candidato da extrema-direita nas eleições). Donald Trump é algumas dessas coisas também, mas vi como manipularam discursos e o transformaram num cara homofóbico e racista porque ele disse coisas que soaram mal. A direita faz isso com a esquerda, e vice-versa, também, e sei como a mídia manipula as pessoas. Recentemente, na sala de imprensa da Casa Branca, Matthew McConaughey falou sobre armas, e ele é um texano de Uvalde, onde aconteceu aquele massacre terrível de crianças (N.R.: no dia 24 de maio, o tiroteio na Robb Elementary School, vitimou 19 estudantes e dois policiais). Matthew foi à Washington, D.C. falar a respeito do controle de armas, e dá para notar que ele realmente se importa com o país, porque é um ator, e um ator rico, então não precisa entrar para a política para encher os bolsos. Seria alguém assim, de quem as pessoas gostem da personalidade, que se importe com o país e que não precise do dinheiro e nem de favores para obter dinheiro, que me faria voltar a votar. E eu espero que vocês encontrem alguém assim, também, alguém que se importe com o país e com as pessoas mais do que com as empresas e corporações. Ao mesmo tempo, e eis o dilema, várias dessas empresas provêm muitas das coisas que nós amamos e usamos, e criam empregos. Nós ficamos gritando ‘Empresas malignas, sumam daqui!’, mas, no fim das contas, todos nós usamos óleo de palma (N.R.: o azeite de dendê), extraído de uma palmeira plantada em alguma floresta tropical, provavelmente também no Brasil. O verdadeiro crime está aí, porque se nós plantássemos árvores na mesma velocidade com que as derrubamos, especialmente em meio ambientes tão ricos como as das florestas tropicais, e se não matássemos todas as criaturas que vivem nela, isso curaria o planeta. Não teríamos que nos preocupar em queimar combustíveis fósseis se mantivéssemos as árvores.

Como esta é sua primeira entrevista para a ROADIE CREW, tenho algumas perguntais sobre a história do Dan Reed Network, um assunto mais agradável (risos). A banda trabalhou com Nile Rodgers em “Slam” (1989), e o resultado é um disco à frente de seu tempo, que acredito ter algo a ver com essa união de forças. Como foi a experiência?
Dan: Foi a nossa primeira vez como banda, e morando numa cidade grande, Nova York. Imagine: morávamos em prédios altos, estávamos gravando com Nile Rodgers e íamos a shows diferentes toda terça-feira à noite, a diferentes casas noturnas, então era muito animado! O estilo de produção do Nile era baseado em tirar o melhor de nós, nos deixando tocar livremente e, também, cocriar. Ele tentava encontrar o tom e o estilo de cada música, quase o que falamos mais cedo. Eu diria que o Nile é um guitarrista de heavy metal enrustido (risos), e até acredito que ele se vê assim em sua própria cabeça (risos), mas ele é o mestre do funk, fez grandes discos com Duran Duran, David Bowie e Madonna. Nile sabe o que é certo para um álbum, como o “Let’s Dance” (1983), do Bowie, provavelmente um dos meus discos favoritos. Trabalhar com ele foi magia pura! E a equipe dele, também. O engenheiro de som, o programador de sintetizadores, tecladistas, todos esses caras que trabalham para o Nile, artistas diferentes que produziam as faixas, e tudo antes das redes sociais. Assim, era muito legal ver como Nile tinha um aglomerado de gênios criativos, todos trabalhando para ele.

E foi aí que a banda saiu em turnê com Bon Jovi e Rolling Stones. Quais são suas lembranças?
Dan: Com o Bon Jovi foi demais, porque não havíamos feito nada tão grande como aquilo antes. Nós tocamos com o UB40 um ano antes, em alguns lugares abertos nos Estados Unidos, mas, convenhamos, Dan Reed Network e UB40 não eram a melhor combinação (risos). No entanto, com o Bon Jovi dava muito certo musicalmente, e o público curtiu muito. Os caras do Bon Jovi gostam de piadas e brincadeiras, então a gente ria muito, e eu aprendi muito sobre negócios. Havia muita gente envolvida e, portanto, muito dinheiro entrando. Cara, o Bon Jovi tinha uns cem funcionários, e eu achei aquilo tudo até meio assustador. Lembro-me de pensar se eu queria assumir aquele tipo de responsabilidade. Foi uma grande turnê! Já com os Rolling Stones, os meus medos sobre os negócios se confirmaram. Quanto maiores os palcos, menos divertido era tocar, porque seu guitarrista está a 18 metros de você, o baterista está a dez metros, o tecladista está ainda mais longe, e você fica tentando preencher esse espaço imenso. E se você quiser um momento de camaradagem com os outros músicos, precisa literalmente correr até um deles e, depois, perceber que agora está a 60 metros do baixista (risos)! O som é aquele imenso eco dos estádios e arenas, muito diferente do som de lugares pequenos e fechados, que é muito energético. A conexão com o público é a mesma coisa, já que a plateia fica a 20 metros de distância, e isso tudo me fez perceber que eu queria continuar fazendo música e compondo, mas o sonho de transformar o Dan Reed Network numa grande banda de estádios ruiu. Hoje em dia, nós achamos que fazemos músicas fortes o suficiente para tocar com outros grupos em arenas, e o faríamos num piscar de olhos, porque tenho uma visão diferente de tudo isso agora. Voltei a olhar novamente para a composição de canções, não mais para os negócios, então adoraríamos voltar aos grandes palcos e chutar bundas! (risos)

Depois de “Slam”, você voltou a trabalhar com o falecido Bruce Fairbairn, e “The Heat” (1991) foi um grande sucesso no Reino Unido. Mas logo depois disso a banda se desfez. Trinta anos depois, olhando para trás, foi a decisão certa?
Dan: Tenho um arrependimento: eu deveria ter informado meus colegas de banda das minhas intenções muito antes, dando a eles mais tempo para planejar outras coisas. Em vez disso, apenas disse: ‘Então, gente, vou tirar um ano de férias. Talvez dois. Preciso disso para a minha mente’, e foi assim que fizemos “The Heat”. Dei a eles apenas um mês de aviso, e isso criou um clima ruim, mas eu estava chegando a um ponto de querer me machucar, estava depressivo, então fiz uma pausa quando eu realmente precisei.

O primeiro álbum do Dan Reed Network (N.R.: homônimo) foi lançado em 1987, que foi um ano incrível para o hard rock. “1987”, do Whitesnake, “Appetite for Destruction” do Guns n’ Roses; “Hysteria”, do Def Leppard; “Girls Girls Girls” do Mötley Crüe… Não era uma competição, mas como vocês se encaixavam naquele cenário?
Dan: Nós assinamos com o Derek Shulman, que também assinou com o Bon Jovi; fomos produzidos pelo Bruce Fairbairn, que também produziu Bon Jovi e o grande disco de retorno do Aerosmith (N.R.: “Permanent Vacation”, também de 1987); nosso manager era o Bill Graham, um empresário musical incrível que fez tantas coisas maravilhosas pela indústria… Tínhamos essa turma toda ao nosso redor, profissionais que sabiam o que estavam fazendo e eram cocriadores da cena musical de forma geral, e eu acredito que, aos olhos deles, nós nos encaixávamos nas rádios, na MTV, mas algumas pessoas tinham dificuldade em categorizar a nossa música. Elas não sabiam se éramos uma banda funk ou metal ou rock, e assim não tinham ideia de a quais estações de rádios pertencíamos. Como você bem disse antes, nossas canções são diferentes umas das outras, então se “Get to You” tocasse na rádio, todo mundo pensaria que o disco era inteiramente como ela. Não sei onde nos encaixamos nessa grande foto do rock dos anos 1980, mas eu diria que grupos como Faith No More, Extreme, Living Colour, Red Hot Chili Peppers e Dan Reed Network foram bandas funk que pegaram elementos de rock, ou vice-versa, e devemos tudo isso ao Mother’s Finest, que fazia essa mistura muito antes de todos nós!

E quem poderia imaginar que em menos de quatro ou cinco anos, no início dos anos 1990, as coisas começariam a mudar drasticamente para o hard rock nos Estados Unidos…
Dan: Recentemente, assisti a uma entrevista com um rapper que é do fim dos anos 1980, e ele falava sobre como eles tiveram uma reunião em 1991 com vários dos maiores rappers e com os maiores executivos do mundo do hip hop. Era uma reunião privada, na qual eles falavam sobre a indústria querer começar a promover o gangsta rap e se livrar do rap tipo P.M. Dawn e De La Soul, que faziam rap sobre amor e positividade. Depois disso, esse tipo de rap sumiu! Eles queriam começar a promover o gangsta rap com o único intuito de criar pessoas com uma mentalidade criminosa, as levando para o sistema de forma que os presídios privados pudessem ganhar dinheiro. Havia executivos da indústria da música investindo em ações de prisões particulares, então eles queriam essa mudança porque sabiam que isso causaria mais violência nas ruas, mais uso de drogas, essas coisas. Não é estranho como o gangsta rap tomou a indústria do rap em 1992 ao mesmo tempo em que apareceu o rock mais sombrio, o grunge, em que pessoas estavam com raiva do mundo e lidando com questões emocionais sérias? Era o oposto dos anos 1980, que eram sobre se apaixonar, ir a festas, se divertir, transar… Foi de partir o coração ouvi-lo contar essa história, e ele, ao se opor a esse movimento, acabou sendo chutado para fora da reunião por não querer fazer parte daquilo. Eu não fazia ideia de que isso estava acontecendo de forma orgânica, mas sei que aconteceu em Seattle de forma orgânica, então tive de fazer uma escolha depois de “The Heat”: se queríamos entrar nessa zona de compor música sombria ou lançar um disco com as nossas coisas idealistas. Lembro-me dos dias em que o Iron Maiden, depois do grunge, não conseguia lotar uma casa de 1.500 lugares. Hoje em dia, a banda lota estádios com 60 mil pessoas, vendendo todos os ingressos em dois dias! Assim, muito disso foi se manter firme na sua música, como foi o nosso caso, para ter uma longevidade. Nós continuamos fazendo nossos discos, e talvez estivéssemos em outro lugar caso tivéssemos dançado conforme a música. Mas não sei se algum de nós queria realmente ter mansões, iates e helicópteros. Nós não nos importamos em sermos ricos, mas apenas em poder compor boa música e viver bem, com as contas em dia.

O que impressiona nessa história é que alguns rappers não se opuseram à ideia…
Dan: Mas não era culpa dos artistas. Eles estavam falando sobre suas experiências nas letras, e isso é ótimo, mas a indústria fazer uma mudança 180º na consciência por lucro?! E nem era por lucro com venda de discos, mas de mandar gente para a cadeia! Isso é devastador! Mandei isso para um amigo, e, apesar de termos muitas coisas horríveis acontecendo hoje, ele comentou que essa história deveria ser divulgada. Então, disse a mim mesmo que, na próxima entrevista, eu falaria sobre isso. (N.R.: Reed pede um momento para procurar a história no celular). Achei, e Krayzie Bone é o nome do rapper que concedeu a entrevista.

Você falou do movimento orgânico em Seattle, e é curioso que o Queensrÿche atingiu seu pico de sucesso comercial junto com a ascensão do grunge…
Dan: Cara, o Queensrÿche! Que banda! “Operation: Mindcrime” (1988) é simplesmente genial!

Pelo menos aqui no Brasil, toda vez que alguém fala em funk rock ou funk metal, é sempre Extreme, Faith No More, Living Colour e Fishbone, às vezes o Electric Boys, e eu preciso dizer: ‘Cadê o Dan Reed Network na sua lista’? Acontece o mesmo em outros países?
Dan: Fishbone! Bem lembrado, porque é outra grande banda! Nunca fomos ao Brasil, mas sei que em todos os lugares onde tocamos ao vivo as pessoas se lembram de nós. Até hoje é assim. Nunca tocamos no Japão e na América do Sul, o que acredito ter sido um erro, porque teria sido ótimo nos apresentarmos aí, então espero que desta vez, agora que temos um agente muito bom, consigamos. Recentemente, dei uma boa entrevista ao Eddie Trunk, no programa de rádio dele, e espero que isso faça algum barulho para que as pessoas nos chamem para um Monsters of Rock Cruise, por exemplo. Isso levaria a mais shows nos Estados Unidos, o que nos possibilitaria seguir para América do Sul e Austrália, de onde já recebemos proposta. Tomara que em 2023 nós no vejamos aí no Brasil!

Obrigado pela entrevista, Dan. Há 30 anos, eu nunca poderia imaginar esse papo…
Dan: Muito obrigado a você, Daniel, por conversar comigo e ajudar a divulgar a nossa música no seu lindo país. Espero que as questões políticas por aí se equilibrem, porque eu só ouvi coisas boas sobre o povo brasileiro. Os que conheci pelo mundo são pessoas maravilhosas, e mal posso esperar para finalmente tocar aí e aprender mais sobre a sua cultura.

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