Por Antonio Carlos Monteiro
Fotos: Roberto Sant’Anna
O trânsito em ritmo de carro de boi nas imediações do Espaço Unimed, o estacionamento gigante praticamente lotado e uma quantidade indescritível de pessoas nas ruas já indicava o que mais tarde se confirmaria: o Deep Purple ainda é uma banda arrasta atrai multidões quando se apresenta. Uma vez dentro da casa, isso só se confirmou: não chegamos a ver nenhuma informação se a apresentação estaria com ingressos esgotados, mas, caso não estivesse, não consigo imaginar onde caberia mais gente dentro do Espaço Unimed naquela tórrida sexta-feira 13.
Dentre o público, desde muitas cabeças brancas até várias crianças, praticamente todos ostentando camisetas das mais variadas fases do Purple, deixavam claro que o fascínio que a banda exerce transcende gerações. E, uma vez que Ian Gillan (vocal), Simon McBride (guitarra), Don Airey (teclado), Roger Glover (baixo) e Ian Paice (bateria) tomaram o palco de assalto com a icônica Highway Star (de Machine Head, 1972) isso só se confirmou: a música não apenas foi cantada do início ao fim pelos fãs como, ao seu final, entoaram um coro com o nome do vocalista, que ficou claramente surpreso com a reação da galera.
E aqui cabe um comentário sobre o que é o Deep Purple hoje. Gillan vem enfrentando problemas com sua voz há tempos, mas conseguiu dar seu jeito: mudou o tom de algumas músicas, tirou algumas do repertório e espalhou pelo show de maneira sábia aqueles temas que mais exigem de sua voz. Detalhe importante: seu carisma permanece inalterado. Por sua vez, a saída de Steve Morse deve ter sido um dilema para a banda: como substituir um monstro das seis cordas? Única resposta possível: por outro monstro. Simon McBride pode não ser tão conhecido como deveria, mas é um guitarrista excepcional. Além da criatividade e da técnica exuberante (apesar de não ser um músico exatamente “pirotécnico”), tem uma palhetada totalmente rock, colocando aquela “sujeira” indispensável a qualquer banda que se preze. Sem jamais querer desmerecer Morse (o que seria uma heresia imperdoável), mas não é difícil concluir que McBride tem uma pegada muito mais a ver com Deep Purple do que seu antecessor. Don Airey se tornou um dos protagonistas da banda há um bom tempo. Seu Hammond comanda as ações em diversos momentos e ele tem direito a dois solos durante o show – mostrando, inclusive, muito bom humor em cena. E está cada vez mais parecido com Charles Bronson sem bigode… Glover é o mais jovial da turma. Sorrisão na cara, anda pelo palco, interage com o público e continua com aquele baixo bem timbrado que é um dos motores da banda. E Ian Paice, a despeito da idade, continua uma máquina de peso e precisão – isso ficou bem claro desde as primeiras notas de Machine Head. É sempre bom lembrar que, à exceção de McBride, todos os demais músicos já passaram dos 75 anos de idade – Gillan faz 80 ano que vem.
Logo em seguida a Highway Star, veio A Bit on the Side, a primeira das quatro músicas do novo álbum, o excelente =1 (2024), que fizeram parte do show. E dá pra dizer que elas têm a mesma vibe dos temas clássicos da banda, convivendo em total harmonia com eles. Uma dupla de In Rock (1970) veio a seguir: Hard Lovin’ Man e Into the Fire. Nesta última, com o palco tomado por luzes vermelhas, havia a incógnita: como Gillan iria se sair nos agudos do refrão? Claro que se saiu muitíssimo bem – nos closes, dava pra ver que não era uma tarefa exatamente fácil para ele alcançar aquele tom, mas, como o vocalista excepcional que ainda é, saiu-se muitíssimo bem.
O solo de guitarra que veio na sequência de certa forma surpreendeu. Simon McBride deixou a pegada rocker um pouco de lado e apresentou um tema bastante melodioso, praticamente uma homenagem a Steve Morse e que mostrou toda sua versatilidade. Mais a gente via o cara tocando, mais a gente o admirava.
Uncommon Man (de Now What?!, 2013), foi dedicada a Jon Lord, seguida por mais uma do novo disco, a interessante Lazy Sod, e pelo primeiro solo de Airey. Aí ele mostrou tudo que é capaz de fazer diante de um teclado – inclusive, mostrou um pouco de seu humor inglês ao deixar uma nota soando sozinha e ser servido de uma taça de vinho por um garçom. E um solo de teclado é a deixa perfeita para introduzir Lazy (Machine Head), que foi mais uma a colocar o Espaço Unimed abaixo, principalmente pelo riff entoado por Airey e McBride com muito peso – e, de novo, Gillan não decepcionou ao alcançar as notas mais altas. Por falar em Gillan, sua interpretação a When a Blind Man Cries levou a galera a entoar mais uma vez seu nome ao final da música.
Após Portable Door (=1) e Anya (The Battle Rages On…, 1993), foi a vez do segundo solo de Don Airey. Aí o cara se jogou! Tocou um trecho de Aquarela do Brasil e emendou um bom pedaço do Hino Nacional, que, diga-se não é uma música exatamente simples de se tocar (e que foi cantado aos berros por boa parte da plateia) – em resumo, só faltou o Hino do Corinthians…
Mais uma de =1, Bleeding Obvious, e uma dupla do insuperável Machine Head, Space Truckin’ e Smoke on the Water encerraram a primeira parte do show. E aqui cabe um comentário. Se você é daqueles que não aguenta mais ouvir Smoke on the Water eu te entendo perfeitamente. Mas quando que a interpreta é a banda que a escreveu e gravou, a coisa muda completamente de figura, principalmente quando você se dá conta que, mais do que uma música, é um capítulo importantíssimo da história do rock que está emanando daquele palco.
Após aquele finalzinho ‘fake’ (que felizmente só durou pouco mais de dois minutos), eis a banda de volta para as últimas da noite: a instrumental Green Onions veio emendada em Hush (do álbum de estreia, Shades of Deep Purple, 1968) e Black Night (que saiu como single em 1970) encerraram uma noite memorável. Antes de sair de cena, a banda se mostrou claramente feliz e surpresa com a relação do público – especialmente Glover e Gillan. O cantor ainda mandou um “vocês são incríveis!” Mas, deixa eu dar a real aqui: não é nada disso, Gillan. Incríveis são vocês!
Deep Purple – setlist:
Highway Star
A Bit of the Side
Hard Lovin’ Man
Into the Fire
Solo de guitarra
Uncommon Man
Lazy Sod
Solo de teclado (1)
Lazy
When a Blind Man Cries
Portable Door
Anya
Solo de teclado (2)
Bleeding Obvious
Space Truckin’
Smoke on the Water
Bis:
Green Onions
Hush
Black Night
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