Quando foram anunciadas as primeiras datas no Brasil da Latin Attack 2018, bateu aquele desânimo ao imaginar que o Rio de Janeiro ficaria fora do itinerário, afinal, está cada vez mais difícil fazer shows desse porte por aqui. Por razões que vão da situação geral do estado, um reflexo piorado de como está o país, ao desinteresse do público headbangers, pois há quem deixe passar porque “Ah, eles estiveram no Rock in Rio (2013)” ou “Ah, eu vi na última vez (em 2014)” ou, pior ainda, “Ah, eu vi aquele show no Circo Voador (em 2006)”. Bom, felizmente o Rio se juntou às datas em São Paulo (capital e Limeira), Minas Gerais (Belo Horizonte), Brasília e Amazonas (Manaus).
Obrigado, produção; parabéns a quem foi; e meus pêsames aos que ficaram em casa porque acreditam que uma vez já está bom. O cenário local de metal agradece ao público razoável que compareceu ao Teatro Odisseia naquela noite de terça-feira. Um público razoável que foi testemunha de um show simplesmente matador. Provavelmente, o melhor em solo carioca do Destruction, que não poupou parafernália no pequeno palco do Teatro Odisseia.
O pano de fundo estava lá, os painéis laterais também, a iluminação colorida foi uma daquelas raridades na casa, e Marcel “Schmier” Schirmer manteve seus três microfones – um no centro, um à esquerda, um à direita –, e quem já assistiu à banda num espaço maior sabe como é empolgante a performance do baixista e vocalista correndo o tempo todo pelo palco para cantar em cada um deles. Claro, ainda havia a máquina de riffs chamada Mike Sifringer, um dos melhores guitarristas da história do thrash metal, e o experiente novato Randy Black, que foi um espetáculo à parte. E os caras ainda começam o set com “Curse the Gods”! Era o prenúncio de uma noite maravilhosamente nostálgica…
“Vocês estão prontos para o thrash metal alemão old school?”, perguntou Schmier antes de “Tormentor”, e a resposta dos fãs foi do mesmo nível da atuação arrasadora de Black na canção do primeiro ‘full-length’ do Destruction, o clássico “Infernal Overkill” (1985). E o que aconteceu foi mesmo uma viagem de volta à velha escola germânica, com nada menos que dez das 17 músicas pinçadas dos três primeiros trabalhos do grupo – além de “Infernal Overkill”, o EP “Sentence of Death” (1984) e “Bestial Invasion” (1986). Até fez sentido o fato de as ótimas “Armageddonizer”, de Day of Reckoning (2011), e “Dethroned”, de “Under Attack” (2016), terem tido uma recepção menos calorosa.
O clima era mesmo o do lançamento de “Thrash Anthems II” (2017) – como o nome entrega, o segundo álbum com regravações de hinos do estilo forjados pelo Destruction –, então nem vale ficar lamentando a ausência de material de “Metal Discharge” (2003), “Inventor of Evil” (2005), “D.E.V.O.L.U.T.I.O.N.” (2008) e “Spiritual Genocide” (2012). De jeito nenhum. Não depois de ver uma pista de dimensões modestas receber uma roda como a que os fãs abriram em “Mad Butcher”. Não depois da roda que começou antes mesmo dos primeiros acordes de “Total Desaster”, porque bastou Schmier anunciar o nome do rolo compressor.
E, olha só, teve a maravilhosa instrumental “Thrash Attack”; teve “Black Mass” fazendo sua estreia no Brasil; teve “Eternal Ban” com a união entre Brasil e Alemanha, como frisou o baixista e vocalista, e um coro animado dos fãs no antológico refrão; teve Mike e seus riffs mágicos em “Release from Agony”, faixa-título do homônimo disco lançado em 1987, o terceiro ‘full-length’ do Destruction; e teve Schmier lembrando as passagens anteriores, incluindo o Rock in Rio, antes de “Antichrist”. E brincando com um fã depois que jogou para ele uma lata de cerveja. “Você deixou cair no chão? Cara, se você faz isso na Alemanha…”, disse ele, fazendo o gesto de cortar o pescoço antes de jogar outra lata. “Foi a menina que conseguiu pegar. Aprenda com ela.”
Mas a noite não foi apenas de clássicos nascidos nos anos 80, porque o Destruction soube se reconstruir no mercado depois que Schmier voltou à banda, em 1999. Tocado no primeiro quarto do show, “Nailed to the Cross”, de “The Antichrist” (2001), mostrou mais uma vez ter se tornado um clássico de primeiro escalão: os fãs foram à loucura, e Schmier agradeceu com sinceros “Do caralho!” na boca e sorriso no rosto. De “All Hell Breaks Loose” (2000), “The Butcher Strikes Back”, com sua sonoplastia de serra elétrica no início, fechou de maneira espetacular o set antes de um bis que teve de protocolar apenas a certeza de que aconteceria.
“Thrash Till Death”, mais uma de “The Antichrist”, iniciou o serviço final antes do único porém para alguns fãs. “Nós sempre gostamos de tocar um punk rock”, disse Schmier antes de “Holiday in Cambodia”, cover do Dead Kennedys que se justifica no repertório não apenas por ter sido incluída como bônus de “Thrash Anthems II”, mas por Black, que se divertiu tanto a ponto de tocá-la quase pulando do banquinho – e, diga-se, o excepcional batera deu à canção um groove completamente novo. “Façam mais um mosh pit como aqueles”, pediu Schmier antes da última da noite, “Bestial Invasion”. E os fãs obedeceram, transformando-se na cereja do bolo de um show absurdo de bom de uma banda que, 36 anos depois, segue dando aula de thrash metal.