Há quem diga que o heavy metal morreu. Ouço isso desde 1984, mas é mentira. Para muitos, o punk também se foi. Mas, desde 1981, o The Exploited já negava essa infâmia. O fato é que o primeiro estilo, ainda que em escala muito menor do que na década de 1980, consegue vez ou outra aparecer na mídia mainstream, e isso lhe garante uma, digamos, sobrevivência no inconsciente coletivo da sociedade. Mas a segunda vertente musical sempre ficou isolada no próprio mundo. Por culpa das próprias bandas ou dos fãs? Não importa e nem podemos falar em “culpados”. Avalio, porém, que a cena punk e hardcore precisa ter mais espaço, ainda mais nos tempos sombrios que estamos vivendo. “Ah, mas a ROADIE CREW fala de metal”, podem dizer alguns. Sim, mas é muito mais do que isso. A ROADIE CREW fala de música, de cultura. Tudo bem, metal e punk no passado foram adversários. Aquele tempo, felizmente, passou. Por qual motivo estilos que têm tanto em comum não podem coexistir pacificamente? Todos sairemos ganhando. Conversei com a DOPS Banda de Protesto, legítimo nome do punk nacional, direto de Belo Horizonte, uma das cenas musicais mais efervescentes do Brasil. Na entrevista, o vocalista Silva Dops e o baixista Cahue Teixeira falam dos desafios que a política continua criando para todos nós brasileiros e dos novos passos na carreira do quarteto, que conta ainda com Tefo HC (bateria) e Victor Terror (guitarra).
Quais bandas são as influências musicais do Dops?
Silva Dops: As influências são diversas dentro do cenário punk, hardcore e metal, bandas da Grã-Bretanha, do Brasil, dos Estados Unidos, da Finlândia, da Itália. Algumas das referências são The Exploited, Discharge, Varukers, GBH, Anti-Nowhere League, The Adicts, Knife 49, Ratos de Porão, Garotos Podres, Sick of It All, Kaos 64, Invasores de Cérebro, DFC, Sociedade Armada, Força Macabra, Face to Face, Olho Seco. Do Punk Rock 77 até o Grindcore.
As temáticas seguem a base do punk/hardcore: críticas sociais e políticas. Qual a importância de focar nestes temas no Brasil da atualidade onde voltaram com muita força a extrema-direita, o militarismo e a influência religiosa na política nacional?
Silva: A temática das letras, sendo majoritariamente de crítica social e sobre temas políticos no Brasil e no mundo, é uma linha que nasceu no punk e hardcore brasileiro que se desenvolveu durante o período da ditadura nos anos de 1964 até 1985. Fomos influenciados por esse conteúdo lírico ao iniciarmos a banda em 2001. Quando começamos a tocar, o contexto era de tempos de neoliberalismo, desemprego, recessão dos anos finais do governo FHC na década de 2000. E sobre os conflitos da América Latina com os problemas crônicos de autoritarismo e a busca pela plena cidadania. Nessa década ocorreram um retorno de polarizações políticas e ideológicas, queda da qualidade de vida, aumento do custo de vida da população e ascensão de visões autoritárias e de exploração. Nossas letras têm como objetivo promover uma reflexão, uma análise, e questionar como a sociedade permanece com tantas desigualdades, violência e manipulação nessa década que está terminando. De como nessas duas décadas do século XXI a humanidade vem retroagindo em avanços de direitos e conquistas sociais.
O Brasil saiu de um período de estabilização econômica, passou por quatro governos de esquerda, sendo que houve uma proliferação de denúncias de corrupção contra o partido que, nas origens, tinha um discurso de ser diferente do que a direita havia feito historicamente. E agora o Brasil vive sob um governo praticamente de extrema-direita, com as características que citei na questão anterior. Em meio a isso tudo, a população parece estar anestesiada. Fome, desemprego, crime organizado, corrupção. Nada disso foi resolvido. E parte da população parece estar cega, negando a existência de uma pandemia e apoiando radicalmente o atual governo. Na avaliação de vocês há solução para reverter isso tudo?
Silva: Sim, há diversas formas de se reverter esse quadro trágico. E depende da mobilização da sociedade, se organizando para questionar os governantes e exigir o retorno dos elevados impostos que custeiam a máquina pública. Vivemos uma bolha de crescimento da economia na década de 2000 pela alta da exportação de commodities, que garantiu um aumento da renda e consumo das famílias. Mais pessoas ascendendo para a classe C. No entanto, entramos em declínio na década de 2010 na economia e numa grave crise política que se encontra até os dias atuais. É um ciclo oneroso e desgastante. Mas a sociedade tem de se organizar em movimentos que possam ir além da democracia representativa, para conseguir alcançar maiores êxitos a uma sociedade mais equitativa. E isso depende de ações que vão desde de manifestações culturais, até a mobilização dos trabalhadores e da sociedade civil como um todo. Tornar a sociedade brasileira mais justa, com renda distribuída e com um desenvolvimento sustentável que preserve também nossa natureza e sua biodiversidade.
Vocês conseguem sentir como o público da banda está reagindo ao que o país está enfrentando?
Silva: As pessoas estão tentando resistir ao quadro de pandemia, desemprego, avanço do neoliberalismo e do autoritarismo. Enfrentando de cabeça erguida todas essas máculas que um habitante de um país de terceiro mundo tem de enfrentar.
As letras críticas do HxCx ainda têm efeito no público?
Silva: Com certeza têm efeito. A sociedade se politizou mais no Brasil. As pessoas estão mais interessadas em debater temas sociais e em aumentar mais seu grau de informação sobre os contextos de desigualdades históricas que temos.
Vocês já enfrentaram algum tipo de críticas ou repressão por causa da temática abordada?
Silva: Já, diversas vezes. De tentativa de censura em divulgação de nosso som em redes sociais, boicotes, interpretações equivocadas sobre a temática abordada. De choque de ideias também.
Voltando à parte musical. Quais são os planos da banda para 2021?
Cahue Teixeira: Em 2021, o Dops Banda de Protesto completa 20 anos, e temos alguns projetos de comemorações para a data. Faremos um show de aniversário em julho, mas antes já teremos passado por estúdio para gravar um novo EP com quatro músicas, que vai se chamar O Ovo da Serpente e tratará sobre o período de 2013 até 2020. Também faremos nossa segunda turnê europeia, passando pelo maior festival Punk do mundo, o Rebellion, aonde tocamos em 2019. A turnê começará na Inglaterra, e passará por alguns países que já visitamos, como Alemanha e Áustria. E tocar pelo Brasil comemorando os 20 anos, passando por São Paulo, Rio, Bahia e aonde mais formos acionados
Enquanto não surgir uma vacina dificilmente teremos uma retomada de shows. Quais são as alternativas para divulgar a banda?
Cahue: Fizemos uma live a convite do Lemmy’s Bar, de Belo Horizonte, e estamos planejando fazer mais uma. A live no momento de pandemia ajuda, mas queremos levar sempre uma qualidade boa de som e imagem, então ainda não realizamos muitas, porque depende de um convite legal e de algum investimento. Mas estamos participando de alguns festivais virtuais, como o Contra Mão Merda Musical que acontece durante o mês de dezembro, e a ideia é participar de mais alguns. Enquanto isso, lançamos em novembro o EP Tocando Hardcore, que já tínhamos gravado mas ainda não havia sido mixado. Com o EP lançamos 4 lyric videos, e isso contribuiu muito nesse momento, pois manteve as atividades tanto de produção quanto de divulgação da banda, mantendo nosso contato tanto com o público que já tínhamos e, também, com bastante gente nova.
Vocês têm ampla experiência, tendo tocado com nomes de destaque do punk/hardcore. O quanto esse intercâmbio ajudou no amadurecimento da banda? Por favor, citem uma ou mais experiências que mereçam destaque.
Cahue: Experiência que vai desde regular melhor o som numa apresentação ao vivo, criar casca em termos de subir no palco e extrair o melhor da aparelhagem. De aprender os caminhos do palco e de como lidar com o público. São verdadeiras aulas de como tocar hardcore e se manter independente no underground com todas as adversidades e dificuldades que uma banda enfrenta para poder fazer um show ao vivo. Aprendemos muito com essas oportunidades e contatos com bandas que sempre escutamos e são referência para gente em termos de som, de postura. As regulagens dos amplificadores, o timbre dos instrumentos, a amplificação da bateria, como conduzir um show com energia. Na Europa vimos várias grandes bandas que estão ativas desde os anos 80, e seus integrantes vivem intensamente o punk até hoje. Como destaque colocaria as aberturas para Varukers, CJ Ramone, Exploited e Ratos de Porão e a turnê pela Europa de 2019 que fizemos com mais duas bandas brasileiras, o Pacto Social, do Rio, e o Filhos de Inácio, de São Paulo. Passamos pelo festival Rebellion na Inglaterra, onde a gente viu o movimento punk europeu e tocou ao lado de alguns dos maiores nomes da cena mundial. Depois seguimos para República Tcheca, Alemanha, Áustria e Holanda.
Belo Horizonte é uma cidade de forte relevância musical no Brasil. Quer seja na MPB, quer seja no pop rock, a capital mineira é conhecida nacionalmente. Além disso, o heavy metal fez da capital mineira uma fonte mundial de música pesada. Isso tudo ajuda ou atrapalha as bandas de punk e hardcore daí?
Silva: Ajuda demais. Belo Horizonte nos anos 90 era chamada de a Seattle brasileira, por ter várias bandas e um cenário musical rico, com possibilidade de ter diversos espaços para tocar. O público aqui gosta de música com mais distorção e velocidade e isso é herança dessa cena musical que é diversa. O Metal é uma das raízes de BH, e somos felizes por tocarmos juntos de grandiosas bandas clássicas e históricas do som extremo aqui de Minas Gerais, como Overdose, Holocausto, Chakal e Sextrash, além de termos grandes amigos na cena metal da cidade. É uma satisfação enorme poder ter esse cenário rico e diverso, que abriu portas para que pudéssemos tocar e nos expressar através de nosso som hardcore!
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