Bastaram poucas horas para que o anúncio de uma possível volta da Dorsal Atlântica causasse um alvoroço entre os headbangers brasileiros. Muitos apoiando e outros questionando a validade, tanto da volta quanto dos métodos utilizados para viabilizá-la, a notícia reacendeu paixões e ressentimentos Brasil afora. Líder e fundador de uma das principais bandas brasileiras em todos os tempos, Carlos Lopes, outrora “Vândalo”, guitarrista e vocalista do trio completado por Claudio Lopes (baixo) e Hardcore (bateria), conversou com a ROADIE CREW e explicou em detalhes todas as questões que envolvem uma das voltas mais improváveis, esperadas e polêmicas do Metal brasileiro.
Nos conte sobre o projeto para um novo disco da Dorsal Atlântica?
Carlos Lopes: Estamos usando a internet para encurtar o caminho entre a banda e os fãs e tirar da história os intermediários, como as gravadoras. Um novo disco da Dorsal Atlântica com formação original pode se tornar realidade em 2012, através do financiamento coletivo. A data limite para que os apoiadores colaborem com a campanha é 10 de junho de 2012. O apoiador receberá em primeira mão o novo CD da Dorsal Atlântica, em formato digipack, gravado pela formação original, separada há 22 anos. Se todos os mil CDs forem vendidos, não haverá reprensagem e o CD se tornará item de colecionador. Os valores de contribuição cobrem todas as despesas relativas à gravação e prensagem do novo CD. As diversas opções de investimento estão disponíveis no site catarse.me (https://catarse.me/pt/projects/659-projeto-novo-cd-da-banda-de-metal-dorsal-atlantica), o mais importante site de financiamento coletivo do país, assim como todas as explicações sobre os custos e a qualidade do projeto, único no Brasil.
Você era bem enfático em afastar qualquer possibilidade de volta da Dorsal. Qual o motivo que fez você mudar essa decisão?
Carlos: O amor dos fãs.
O que o fez optar pela formação com Claudio Lopes e Hardcore, que gravou os álbuns “Antes do Fim”, “Dividir e Conquistar” e “Searching For The Light”?
Carlos: É a formação mais popular e tem meu irmão.
Nesse tempo de inatividade você se manteve ligado ao seu passado Metal com os relançamentos da Dorsal, a regravação do “Antes do Fim (Depois do Fim)” e o programa na rádio Venenosa FM. Esses fatos fizeram com que você não perdesse o contato com seu passado e o próprio Heavy Metal?
Carlos: Não sei se me ligaram ou se me deixaram ligado. Não há como negar minha importância, eu sou um dos pais do Metal. Minha história é muito ligada ao estilo, porque tal como muitos conhecem, foi criado à minha imagem e semelhança. Durante esse período da década passada, também dei depoimento para dois filmes: para o documentário canadense Global Metal de Sam Dunn e Scot McFadyen em 2007 e no ano seguinte para o filme Brasil Heavy Metal, mas preferi não dar depoimentos para outros 5 filmes, não tinha nada para dizer. É preciso ter algo para dizer. Se não, é só para aparecer.
O que esse provável retorno significará para sua outra banda, o Mustang?
Carlos: Normalmente trabalho em dois ou três projetos por ano. O Mustang estará vivo sempre que eu tiver cabeça e quiser. Hoje mesmo me procuraram para shows da banda, mas não há como me dedicar a vários ensaios com o pouco tempo que tenho. Uma coisa de cada vez para não atolar.
Você gravou “Antes do Fim – Depois do Fim” com Américo Mortágua na bateria, inclusive declarando à época do lançamento que ele não conhecia o material original. Essa gravação lhe fez cogitar, mesmo que isso não tivesse sido externado, a voltar com ele na bateria e outro baixista?
Carlos: O Américo é fantástico e uma pessoa do bem, mas ele não estava na formação que gravou o ‘Antes do Fim’. E nunca falei em volta da Dorsal. A campanha é para gravar um CD de tributo aos fãs, não para fazer shows.
O que o motivou a escolher esse modo de financiamento para um possível disco de retorno da banda?
Carlos: O que me motivou foi a visão do presente, da revolução da internet. Sempre escrevi sobre revolução e agora chegou a hora de usar a revolução a nosso favor, em favor de nossos fãs. Dizem que quem enxerga o futuro antes dos outros, está pronto para os novos tempos. Muitos usam a internet para baixar disco, e também muito se usa a internet para agregar pessoas em torno de causas justas, causas sociais. A demanda pela volta da Dorsal era e é gigantesca, disso ninguém tem dúvidas. Cedi à pressão popular, e pensei muito em meu irmão, em minha mulher, em minha família, antes de mim. Simples assim. Os fãs venceram, mas deveria ser dentro de certos termos: gravar CD e não pensar em show.
Já há alguma composição pronta para o disco ou tudo será feito em conjunto no estúdio?
Carlos: Para resumir: a inspiração para a sonoridade do novo CD é o ‘Antes do Fim’ de 86, mais ‘Dividir e Conquistar’ de 88, mais ‘Antes do Fim Depois do Fim’ de 2005. O disco presta uma homenagem à tradição da banda, as canções em português mesclam Metal, Punk, Hardcore, Thrash antigo e Metal tradicional. As composições estão prontas, mas elas só verão a luz do dia se o projeto for aprovado. Títulos até o momento: Stalingrado, Operação Brother Sam, Jango Goulart, Eu Minto, Tu Mentes, Todos Mentem, O Retrato De Dorian Gray, Corrupto Corruptor, Colonizado / Entreguista, A Invasão Do Brasil, 168 Bpm, Imortais.
Nem todas as reações nas redes sociais foram favoráveis ao retorno. Uns por discordarem do meio escolhido para levantamento dos recursos, outros por citarem o manifesto que você escreveu para a 1ª edição da revista Skreemer (2000), onde você disse que o Metal tinha morrido, bem como alusões aos seus trabalhos com o Usina Leblon (Funk) e o Mustang (Rock’n’Roll). Essa resistência era esperada e como você enxerga essas críticas mesmo depois de tanto tempo passado desde os fatos?
Carlos: Ao falar que o Metal estava morto, parece difícil entender que o estilo estava morto para mim, como expressão artística. Nunca toquei Metal, sempre toquei Dorsal, que está acima de rótulos, é difícil entender isso? Essa é uma questão pessoal. Eu posso ter sido um dos criadores do Metal brasileiro, mas não sou o dono da verdade alheia, sou o responsável pela minha verdade. E assim que eu disse isso ou aquilo, fui tratar da minha vida, o que me deu dignidade e provou que eu não estava brincando. Encarei meus desafios e foram ótimos, fiz altos discos, toquei para outras plateias e descansei minha agonia interna em busca de mais expressões artísticas, até chegar em 2012, o ano da revolução. Eu não usei o santo nome da Dorsal para gravar merda. Não enganei ninguém, tanto que a campanha está sendo recebida de braços abertos pelos apoiadores. Sou um personagem único na história do Metal e do Rock no Brasil, as reações sobre mim não são normais. Se sou um apaixonado pelo que faço, as pessoas também lidam comigo com paixão. Sou um pai orgulhoso de todos os meus filhos, dos meus livros, bandas e se quero gravar um CD da Dorsal agora, não é só somente pela minha vontade ou desejo, é pela pressão que os fãs de verdade exerceram sobre mim, durante longos 12 anos e sem sair de cima um segundo. O projeto nasceu de fãs para os fãs, os críticos que façam o papel deles, mas a demanda popular foi muito maior do que as críticas, isso é um fato.
Inclusive o valor de 40 mil reais está sendo contestado, quantia julgada excessiva inclusive por integrantes de bandas underground na rede.
Carlos: Se você colocar no papel todas as contas da forma correta, o imposto de renda toma, logo de cara, 27,5% e o site Catarse que faz a intermediação toma em média com as taxas bancárias, uma média de 12% ou algo assim, o que sobra cobre todas as despesas sem luxo. Nós escolhemos o melhor estúdio do Rio, pagamos o pessoal técnico, ensaios, equipamento, a arte, há a diagramação do livro Guerrilha!, cuja cada edição de luxo com capa dura, e letras prateadas custa a unidade, uma média de 100 reais por livro, dependendo da quantidade comprada, fora o correio e outros produtos, enfim, se fizerem as contas não sobrará um centavo… Quem argumenta que o valor de 40 mil é alto, não pensa no melhor para o público da banda. A Dorsal é uma família e seus fãs são para nós como irmãos, nossas extensões. A Dorsal e o público da Dorsal merecem o melhor. Em segundo lugar, quem fala que 40 mil para produzir um disco, é um valor alto, não deve ter passado pelo que eu passei ao ver meus discos serem vendidos sem receber por eles ou pior, ter recebido uma caixinha de CDs em troca. A banda encontrou seu final por não conseguir pagar as contas pela própria sobrevivência. Há verdade mais cruel do que essa? É muito duro se empenhar tanto, lutar e ver o seu próprio trabalho ser roubado por ‘Piratas do Caribe’?
É normal que você tenha mantido contato com seu irmão Claudio Lopes, que tem como último trabalho na banda o disco “Alea Jacta Est” (1994). Mas parece que você e Hardcore (vulgo Rabicó) não tiveram contato por muitos anos. Como foi essa reaproximação?
Carlos: O Hardcore eu reencontrei em 2007 em um show do Azul Limão no Rio. Não o via desde 1990. Ele me perguntou se eu estava puto com ele, ou algo assim e falei que não. Ele havia saído da banda por não acreditar mais nela, mas isso para mim não era problema, pois não havíamos brigado. Eu só havia ficado triste na época, pois gostava muito dele, mas assim é a vida, feita de chegadas e despedidas. Simplesmente a vida, meu amigo, te engole, quando você segue adiante, pois você precisa trabalhar e não há volta para certas coisas. Quando você olha já se passaram 20 anos, é assim que acontece. Não tenho o hábito de ficar pensando besteira de alguém só porque a pessoa seguiu outro caminho. Tenho que cuidar da minha própria vida porque ninguém mais fará isso.
Você chegou a cogitar a participação de algum outro membro nesse retorno, como o Animal, Guga ou o Alexandre?
Carlos: Como explico no blog da campanha, era para ser a formação mais popular da banda.
Algumas bandas como Metallica, Dismember e Ratos de Porão fizeram shows comemorativos com ex-membros tocando sons de suas respectivas fases. Algo do tipo em mente?
Carlos: O projeto todo foi montado para gravar um CD, não para shows. Isso será consequência. Primeiro, eu quero que o projeto triunfe sob auspício popular e que essas mesmas pessoas que bancaram a ideia, possam me dizer sem intermediários, ‘o disco é foda’ ou ‘o disco é uma merda’. Não quero saber de resenhas ou críticas. Só quem bancou e acreditou tem a palavra. O socialismo, meu amigo, é real e não ‘a violência’! Só a esses apoiadores devo explicações, pois eles confiaram em mim. Particularmente, não me interessa cair na estrada, o que me interessa é gravar. Gosto de compor e registrar o que escrevo, e se o fizer com meu irmão e com o baterista Hardcore, melhor ainda. Nos convidaram para sermos headliners do ‘Metal Open Air’ no Maranhão, tendo como abertura para a Dorsal Atlântica, as bandas Exodus e Anthrax. Muitos diriam sim, eu disse não porque não havia cachê. Muitas bandas pagam para abrir shows internacionais, pagam para tocar, eu nunca fiz isso, a Dorsal nunca se sujeitou a empresários e produtores.
A produção ficará a cargo de quem?
Carlos: Eu sou o produtor. Sei exatamente o que quero e sinto em minha alma como o CD deve soar.
Recentemente o Metalmorphose, banda com a qual você dividiram o split “Ultimatum”, voltou à ativa, tocando e gravando novo álbum. Um show com as bandas dessa geração, como Azul Limão, Stress e outras está nos seus planos?
Carlos: Na verdade, não. Não penso em nada disso. Só tocaríamos em condições especiais que transformassem a noite em um acontecimento único. Desejo que cada show, se houver, seja uma realização pessoal e coletiva, um encontro de almas. Mas como te disse, é muito cedo para falar nisso. O objetivo é o CD. Nada mais.
Outro projeto ligado à volta é a reedição do livro Guerrilha!, que narra a história da Dorsal Atlântica e foi lançado originalmente em 1998. Já há data para o lançamento desse livro, que consta de alguns planos do financiamento?
Carlos: O livro, da forma como imaginamos, edição de luxo, com capa dura recoberta por courvin negro, couchê 150 gramas e título impresso em letras prateadas em hot stamping só será lançado se a campanha do CD da Dorsal for vitoriosa. Talvez outra versão seja lançada por uma editora, mas em nada será parecida com essa, que por sinal a unidade custa, preço de fábrica, quase 100 reais. Sem CD, não há livro de luxo.
Uma banda como a Dorsal Atlântica certamente deve ter inspirado diretores a realizarem um documentário com a história da banda. Você já foi procurado por alguém com esse intuito?
Carlos: As gravações do novo CD, se houver novo CD, serão filmadas para um documentário e já fui procurado para um longa-metragem sobre o livro Guerrilha!. Seria uma biografia sobre a Dorsal Atlântica, a minha própria vida e a do Metal brasileiro. Não seria um filme para sessão da tarde, será um filme artístico, sobre emoções, vitórias e derrotas, fé e conquistas.
Há algum plano B caso a quantia não seja alcançada até 10 de junho?
Carlos: Só há plano A. Nostradamus previu o final do mundo em 2012, só estamos cumprindo a profecia.
Fique à vontade para dar seu recado àqueles que querem ver a Dorsal novamente ou nunca viram e não querem morrer sem ver.
Carlos: Sem CD, essa chance não existe. A história se encerra aí. A data limite é domingo, 10 de junho de 2012, a data mais importante para o Metal brasileiro.
O que mudou naquele Carlos Lopes que disse há 12 anos que o Metal estava morto e aquele que agora está prestes a voltar com a Dorsal Atlântica?
Carlos: De forma simples, estou mais velho e continuo tendo uma alma inquieta. As conclusões sobre ‘a morte do Metal’ se referem exclusivamente a mim e não à ‘cena’. Almas inquietas precisam explorar mares nunca dantes navegados. O Metal está muito bem e vivo sem mim, eu só fui um dos criadores, e isso ninguém nunca conseguirá me tirar. A Dorsal sempre esteve além do Metal, isso todo mundo sabe, musicalmente, liricamente, filosoficamente. A Dorsal é a esperança de tempos novos para esse mesmo Metal. A Dorsal não voltará sem o CD. Não há ego envolvido nessa história, só amor pelos nossos fãs.
Site: https://dorsalatlantica.com.br
Catarse.me: https://catarse.me/pt/projects/659-projeto-novo-cd-da-banda-de-metal-dorsal-atlantica