Não era o que os fãs queriam, mas, infelizmente, e, inevitavelmente, tanto o dia 19 de março de 2016 quanto o Carioca Club ficarão marcados na história do Rock nacional como sendo a data e o local em que o Dr. Sin pisou pela última vez em um palco de sua cidade natal. A “Farewell Tour” da banda contou com 32 shows e esse foi o penúltimo de uma longa carreira de sucesso, reconhecimento e respeito – essa trajetória se encerraria no dia seguinte, mais precisamente na cidade de Campinas. Durante quase duas décadas e meia, o trio formado pelos irmãos Busic, Andria (vocal e baixo) e Ivan (bateria e vocal), e também pelo guitarrista Eduardo Ardanuy, acumulou momentos muito importantes. Foram vários shows dividindo palco com inúmeras bandas mundialmente consagradas e participações em todos os principais festivais de música pesada do país, como “Hollywood Rock”, “Monsters Of Rock”, “Skol Rock”, “Live ‘n’ Louder”, “M2000 Summer Concerts 1994” e, culminando com o mais famoso de todos eles, o “Rock In Rio”. Além disso, a principal banda de Hard Rock do Brasil é detentora de uma obra muito rica, a qual totaliza oito discos de estúdio, um de covers, três ao vivo, um DVD e diversos videoclipes. Tudo isso garantiu com que em todos esses anos o Dr. Sin contasse com uma base muito sólida e leal de seguidores. E nessa noite de despedida seus fãs não decepcionaram e compareceram em peso, lotando o Carioca Club.
Para esta ocasião, a banda escalada para fazer a abertura foi a experiente Seventh Seal. O grupo paulistano está na estrada há 21 anos e segue na divulgação de seu mais recente lançamento, o terceiro álbum, “Mechanical Souls”, que é baseado no clássico filme “Blade Runner: O Caçador De Andróides” (1982), que por sua vez foi inspirado no livro “Do Androids Dream Of Electric Sheep” (1968) – de Philip K. Dick. O álbum foi lançado em 2014 e marcou as estreias do vocalista Leandro Caçoilo (ex-Eterna), do guitarrista Thiago Oliveira (Addicted To Pain e Warrel Dane) e do baixista Victor Prospero (ex-Necromesis e Justabeli), que às 18h15, após a breve introdução mecânica, entraram em ação acompanhados do fundador Tiago Claro (guitarra) e do estreante Marcos Dotta (bateria), impondo muito peso através de “Beyond The Sun”, música que também abre seu mais novo álbum.
Desde a primeira nota o som esteve demasiadamente alto, principalmente no que diz respeito ao microfone de Leandro Caçoilo, e assim prosseguiu até o final da apresentação do Seventh Seal. Conhecido por executar um Heavy Metal moderno, com doses de Prog Metal e até mesmo de Hard Rock, o grupo resolveu dar ênfase nesse show a “Mechanical Souls”. Com a arte de capa do álbum aparecendo no telão, ao fundo da bateria, a futurística “Virtual Ego” e a veloz música que dá título ao disco deram sequência até a primeira pausa.
Caçoilo falou com o público, que aquela altura já enchia o local, valorizando e recebendo bem os músicos do Seventh Seal. A banda é dotada de muita técnica e seu ‘line up’ mostrava uma performance impecável, mesmo com o palco reduzido, já que o praticável da bateria de Dotta estava a frente ao de Ivan Busic do Dr. Sin. As guitarras de Oliveira e Claro, ao mesmo tempo em que soavam pesadas, dispunham de bastante melodia, principalmente nos solos; Já a cozinha entre Próspero e Dotta dava ainda mais poder de fogo ao restante do time – com destaque para o baterista, que tocava com uma pegada forte; Em relação à Caçoilo, o ‘frontman’ tinha a seu favor não só o seu talento vocal natural, como também a experiência, que era mostrada através de sua segurança em cena.
Um dos pontos altos do show veio com o cover do hino “Balls To The Wall”, do grupo alemão Accept, o qual Leandro Caçoilo considerou ter feito o melhor show da última edição do festival “Monsters Of Rock”, que foi realizada em 2015. Nessa, Leandro teve a seu lado o apoio vocal da plateia. Ao final, o vocalista arrancou algumas risadas ao lembrar que sem querer pulou uma música. Mas isso logo foi concertado e “Back To The Game” não ficou de fora. Antes do final, Leandro Caçoilo apresentou a banda, enquanto que o guitarrista Tiago Claro enfatizou que em 20 anos de estrada, o Seventh Seal já havia tocado com o Dr. Sin por pelo menos umas dez vezes e era sempre um prazer dividir palco com o grupo. Aí então, o show foi encerrado após a única música que não faz parte de “Mechanical Souls”, “Pleasures Of Sin”, que integra o segundo álbum, “Days Of Insanity” (2007). Foi uma apresentação correta e energética, de pouco mais de meia hora, onde o único fator que atrapalhou um pouco foi o som, que estava extremamente alto. Mas, independentemente deste detalhe, o quinteto agradou o público e saiu aplaudido.
A ansiedade tomou conta das pessoas que aguardavam para conferir os últimos momentos do Dr. Sin, que estaria finalizando também a promoção do seu último álbum, “Intactus” (2015). Eis que, após 25 minutos de espera, a euforia se espalhou pelo local, quando às 19h15 Andria, Edu e Ivan dominaram o palco e mandaram uma de suas músicas mais conhecidas, “Down In The Trenches”, que faz parte do pesadíssimo segundo álbum, “Brutal” (1995). De cara, a qualidade de som se revelou estar muito boa e não decaiu. A alegria de ver a casa lotada de gente que compareceu para se despedir e prestigiar o Dr. Sin pela última vez estava estampada no rosto de cada um dos integrantes. Antes da próxima, Andria se mostrou empolgado por estar tocando em casa e aí então anunciou “Lady Lust”, do penúltimo álbum, “Animal” (2011). Depois foi a vez de seu irmão Ivan apresentar a música seguinte, “Time After Time”, de “Dr. Sin II” (2000), e emendar com um solo de bateria em seu belo kit estilo ‘vistalite’. Após “Fly Away”, do mesmo álbum, o genial Edu Ardanuy fez um solo que dispensa elogios e viu seu nome ser gritado em uníssono. Até Ivan foi a frente do palco vibrar pelo o que o guitarrista extraiu de suas seis cordas.
Antes de Andria Busic dizer que estava sofrendo com o calor no palco e dar a deixa para a banda tocar “Fire”, perguntando aos fãs o que eles achavam de incendiar o lugar, Ivan agradeceu ao público por lhes acompanhar por 24 anos e disse: “Tenho certeza que vocês vão continuar Dr. Sin pra sempre e vão passar isso pra frente, para os filhos e para os netos, porque a música é difundida dessa forma”. Após “Fire”, os integrantes foram apresentados e aí então um momento impagável do show aconteceu quando o tema de “Star Wars” começou a tocar de fundo, ao mesmo tempo em que personagens da saga, como Darth Vader e os Stormtroopers, por exemplo, deram o ar da graça no palco, enquanto a banda tocava “May The Force Be With You”. Um verdadeiro presente aos fãs. Nessa hora, um mar de luzes de celulares providenciou um espetáculo a parte para quem assistia ao show pelos camarotes laterais e do fundo. Ao final da música, Ivan foi à frente do palco novamente, disse ao público que amava todo mundo que estava ali e saiu cumprimentando as pessoas da primeira fila.
Era a vez de tocar músicas de “Intactus”, então a banda mandou logo uma trinca formada por “Saturday Night”, “We’re Not Alone” e “The Great Houdini”, a qual Ivan anunciou dizendo que Andria e Edu, literalmente, fazem mágica nela. E não é exagero, pois o instrumental dessa música é absurdo! Algo que foi muito bonito aconteceu no final de “Miracles”, quando a plateia puxou o coro: “Não acaba não!”. A emoção ficou evidente no semblante de Edu e dos Busic, principalmente em Andria, que segurou as lágrimas. Em compensação, Ivan comentou: “Essa turnê teve 32 shows. Amo todas as cidades e as pessoas que estiveram com a gente. Pessoas que se locomoveram de países diferentes, de cidades muito longe. Mas tocar aqui na cidade onde eu moro é uma puta emoção”. Na hora o baterista foi interrompido pelo público que voltou a fazer coro pedindo para que o Dr. Sin não acabasse. Comovido, Andria agradeceu: “Isso é muito bonito. Demais. Muito obrigado, eu nunca vou esquecer esta noite na minha vida!”. Em termos de música, uma que arrepiou foi “Revolution”, do álbum “InSinity” (1997), não só pelo refrão e a famosa paradinha em que público e banda sempre cantam de forma contagiante, mas também pelo belíssimo improviso que aconteceu no começo dela, onde as variações de arranjos entre o instrumental (principalmente da parte de Ardanuy) e o vocal cheio de efeitos de Andria Busic deixaram a plateia bastante impressionada. Fim da primeira parte do show.
Na volta para o bis, Ivan voltou brincando, mostrando uma garrafa de uma bebida da Croácia (de onde ele e seu irmão possuem origem direta), chamada Šljivovica. Já que estava na frente do palco, assumiu o microfone no insólito cover do músico norte-americano Randy Newman para “Last Night I Had A Dream”, indo para a bateria no decorrer da música. Ivan Busic mesmo fez questão de anunciar a próxima, ressaltando que fazia tempo que a banda não a tocava. Para surpresa de todos, ele se referia a “Eternity”, que também faz parte do álbum “Dr. Sin II”, único gravado com a banda no formato quarteto, na época em que Michael Vescera (Yngwie Malmsteen, MVP e Loudness) assumiu o posto de ‘frontman’ do grupo, deslocando Andria apenas para o baixo e vocais de apoio. Perto do fim, a banda ainda encaixou “No Rules”. Pela última vez, Andria falou com a plateia, fazendo alguns agradecimentos e afirmou mais uma vez que aquela era uma noite que ele jamais esqueceria. Curiosamente, a história do Dr. Sin na capital São Paulo terminou por onde tudo começou, já que a última a ser tocada para seus fãs paulistanos foi exatamente a música que fez com que a banda se tornasse conhecida em 1993, na época de seu primeiro e homônimo álbum: “Emotional Catastrophe”.
Todos ainda tinham esperança de ouvir mais alguma música, especialmente “Futebol, Mulher E Rock ‘n’ Roll”, que sempre encerrou os shows da banda. Por se tratar de ser a penúltima apresentação (último em solo paulistano), faltou também alguma do álbum “Bravo” (2007). Mas não havia tempo para mais nada. E foi assim, com um show inesquecível e emocionante, preparado com boas surpresas e recebido por um Carioca Club completamente lotado, que as cortinas literalmente se fecharam para o Dr. Sin. É realmente muito triste, mas infelizmente chegou ao fim um dos capítulos mais importantes do Rock’n’Roll brasileiro. Esperamos que o que hoje é dado como uma certeza, amanhã vire ao menos uma incógnita, para que um fio de esperança ganhe força no pensamento dos fãs em relação a uma reunião da banda. O certo é que o legado deixado pelo Dr. Sin, esse sim permanecerá intacto. Deixo aqui registrado em nome da equipe da ROADIE CREW os nossos cumprimentos e agradecimentos a Edu Ardanuy, Ivan Busic e Andria Busic pelos 24 anos de um trabalho brutal, animal… Bravo!
Down In The Trenches
Lady Lust
Time After Time
Solo de Ivan Busic
Fly Away
Solo de Edu Ardanuy
Fire
May The Force Be With You
Saturday Night
We’re Not Alone
The Great Houdini
Miracles
Isolated
Zero
Revolution
Last Night I Had A Dream (Cover de Randy Newman)
Eternity
No Rules
Emotional Catastrophe
SEVEN7H SEAL – Setlist:
Intro / Beyond The Sun
Virtual Ego
Mechanical Souls
Imprint Memories
Balls To The Wall (Cover do Accept)
Back To The Game
Pleasure Of Sin