EDU FALASCHI & JOÃO CARLOS MARTINS – TEMPLE OF SHADOWS IN CONCERT – São Paulo, 04 de maio de 2019
Tom Brasil - São Paulo/SP

Por Matheus Augusto Leite
Edu Falaschi se apresentou no último sábado (03), no Tom Brasil, em São Paulo. Em uma noite pra lá de especial, juntamente a Orquestra Bachiana Filarmônica, regida pelo maestro João Carlos Martins, o músico e sua banda solo comemoraram os quinze anos de existência do icônico “Temple of Shadows” (2004). Com aproximadamente três horas de duração, a apresentação, que contou com diversos convidados especiais, foi gravada e será lançada posteriormente em DVD. “Acho que nunca vivi uma noite tão intensa! Com tanta gente boa, querida e alto astral vibrando uma energia tão linda”, postou Falaschi em suas mídias sociais. “Deu tudo certo; o show do DVD deixará lembranças eternas na minha memória. Agradeço toda a minha equipe e os profissionais que se dedicaram ao máximo”, acrescentou.
O jogo nasceu ganho, simples assim. A partir do momento em que Falaschi anunciou a turnê ‘Temple of Shadows In Concert’, nada mais poderia dar errado. Se por um acaso algo desse, no fim o resultado, ainda sim, seria positivo. Acontece que, para essa data em São Paulo especificamente, o patamar foi um pouco mais alto. O anúncio do show com a Orquestra Bachiana Filarmônica, celebrando a união entre o heavy metal e a música erudita, fez com que o evento subisse de nível. Sendo gravação de DVD, a certeza de que teríamos participações especiais, alinhada ao sempre caprichoso gosto de Falaschi para presentear seu público, acrescentou mais alguns degraus. Convenhamos, não é todo dia que temos a oportunidade de assistir nomes icônicos como o de João Carlos Martins, executando faixas de nossos discos favoritos. Por fim, o sold-out. Tudo estava perfeitamente arquitetado para uma noite memorável, e foi exatamente isso que aconteceu.
Às 22h em ponto, conforme o previsto, a grande cortina do ‘Temple of Shadows’ que escondia o palco foi levantada. Em um primeiro momento, os presentes foram recebidos apenas pela orquestra, com a impecável execução da ‘Sinfonia nº 5’, de Beethoven. Durante os aproximadamente oito minutos da composição, o público observava silenciosamente, quase como se estivessem na Filarmônica de Berlim, sala de concerto que recebe o maior espetáculo atual da música clássica. Em seu término, a primeira calorosa salva de palmas da noite aconteceu. Gate XIII, faixa que fecha com ousadia o disco do Angra e que nunca havia sido executada ao vivo, veio, para a surpresa dos presentes, a seguir.
Aquiles Priester foi o primeiro da banda a dar as caras. Recebido fervorosamente pelo público, em sua nada humilde bateria, mais se enxergava o clássico polvo que fica no topo de seu kit do que sua cabeça, escondida por entre tantos tambores e pratos. Aos poucos, o restante da banda foi aparecendo, mas foi com a entrada de Falaschi que o repertório do disco se iniciou, com Spread Your Fire. Sem tempo para respirar, os músicos emendaram a tríade inicial do álbum, com as faixas Angels and Demons e Waiting Silence. Nessa última, Falaschi pegou seu celular e fez um pequeno registro da euforia de todos que ali estavam. Foi então que o seu primeiro contato com o público aconteceu.
“E aí, São Paulo. É muito bom estar aqui”, disse com um enorme sorriso na cara. “Vocês não fazem ideia do trabalho que deu para estarmos aqui fazendo história juntos. O papo de executar o ‘Temple of Shadows’ com orquestra estava engasgado em mim desde 2004 e a possibilidade de realizarmos isso com toda essa produção veio de vocês que compraram o ingresso”, declarou Falaschi, ainda brincando que muitos dos presentes nem eram nascidos na época que o disco saiu. Arrancando algumas gargalhadas do público, Falaschi então pegou o violão para a execução de Wishing Well.
A primeira participação especial da noite veio a seguir, com o anúncio de que Kai Hansen (Helloween, Gamma Ray e outros) entraria para alternar e dividir os vocais de Temple of Hate. O alemão teve seu nome cantado em coro pelo público logo após a canção, que também teve Raphael Dafras, baixista, como destaque. Em seguida, na execução de The Shadow Hunter, Falaschi apareceu no palco com um pequeno chapéu preto, em menção ao trecho ‘Dark old hat, reminds me of someone’, – velho chapéu negro, que me lembra alguém -, da faixa. Muitos notaram a brincadeira e abriram um sorriso no rosto. Foi também na mesma música que Falaschi deu o até então maior agudo da noite, deixando o público boquiaberto. “Porra, eu até brinquei com meu empresário. Próxima turnê é só voz e violão, bicho. Bossa nova, sei lá. Muito difícil cantar isso até hoje”, brincou Edu ao término da canção.
Sabine Edelsbacher (Edenbridge), cantora austríaca e presente no álbum, foi convidada a seguir. ‘Uma princesa, uma diva, querida de tudo’, foi como Falaschi a apresentou. No Pain for The Dead foi perfeitamente executada, com destaque para a parte de Sabine, onde toda a banda (menos Aquiles), se retirou do palco fazendo com que o momento fosse exclusivamente da elegante vocalista. No fim da canção, Falaschi contou uma pequena história de como a ideia da turnê surgiu. Segundo o vocalista, um contratante do Peru queria que sua banda fizesse um show tocando apenas clássicos do Angra, mas, em primeiro momento, ele recusou. Com a proposta seguindo em frente para tocar para mais de dois mil pagantes, o músico acabou cedendo. “Fui pro Peru, realmente”, brincou.
Edu continuou a história contando que estava no camarim com o pessoal do evento, entre eles Michael Vescera e Joe Lynn Turner. Michael perguntou para Edu quem era ele, e ele contou brevemente a sua história com o Angra. Como Vescera havia notado como o público havia se portado quando Edu executou as faixas de sua antiga banda, ele deu a seguinte declaração: “Edu, você é burro pra cacete. Você ta abandonando uma história que não é sua, é dos fãs. Pega o legado que você ajudou a construir e faça a sua história outra vez. Não é seu. É dos fãs”, concluiu. Foi assim, e com muito carinho, que Edu decidiu levar em frente a ideia da turnê comemorativa. Ao término da história, Michael Vescera subiu ao palco para Winds of Destination.
Já na reta final do disco, foi a vez do pianista e compositor Tiago Mineiro aparecer. “O foda de fazer disco com participações é ter que ficar parando o show toda hora para anunciar os caras”, ironizou Falaschi. Antes da próxima faixa, Edu brincou que a noite estava perfeita e que como era gravação de DVD, podiam usar essa desculpa pra tocar todo o disco de novo. Logo após a reação da plateia, o vocalista concluiu com os seguintes dizeres: “Não posso, senão o maestro me mata”. O público novamente caiu na gargalhada. Sprouts of Time e Morning Star vieram a seguir. Falaschi, então, anunciou a saída do maestro João Carlos Martins do palco.
Late Redemption, um dos momentos mais esperados da noite, viria a seguir. Guilherme Arantes então subiu ao palco, anunciado por Edu como “uma grande influência para mim”. Após os aplausos, Arantes se comunicou com o público. “É uma honra muito grande tocar essa música hoje, ainda mais que a original foi gravada com o inigualável Milton Nascimento. Essa música é uma obra prima, parabéns Edu. Com certeza, hoje é um presente para minha carreira”. Antes de terminar a primeira parte do show, já que o disco havia sido executado na íntegra, Guilherme, a pedido de Edu, ainda executou algumas de suas canções em seu piano. Com os holofotes inteiramente apontados para si, vieram Amanhã, Meu mundo e nada mais e Um dia, um adeus, essa última com Falaschi acompanhando alguns pequenos trechos ao lado do piano. Por mim, os músicos se retiraram inteiramente do palco. “Voltaremos para a segunda parte do show”, disse Edu. Se a noite se encerrasse por ali, São Paulo teria tido um dos mais belos espetáculos dos últimos meses. Felizmente, ainda tivemos mais algumas surpresas.
A segunda parte veio conforme o previsto, alternando momentos da carreira de Edu e das participações especiais que ali estavam. O retorno ao palco aconteceu novamente com Arantes, e para a surpresa dos presentes com a execução da belíssima Planeta Água, cantada de cabo a rabo pelo público. Roberto Barros, teve seu momento exclusivo executando Vivaldi junto a orquestra. Antes de Streets of Florence, alguns dos fãs gritaram por Saint Seiya, para desespero de Edu, que brincou que não aguenta mais isso. “Porra bicho, eu estava na Itália e pensei ter ouvido alguma coisa de estranho, mas não era possível, né? Então, escutei de novo. ‘Cavalieri’. Fiquei meio sem entender. E, então, de novo: ‘Cavalieri dello zoadiaco’, contou, fazendo com que o público caísse na risada. Qualquer dia vou reunir uma banda para tocá-la pra vocês, acústico é muito chato”, concluiu. The Glory of Sacred Truth veio a seguir, com destaque para Diogo Mafra, sempre marcando presença e interagindo com os presentes.
Kai Hansen voltou ao palco para Rebellion in Dreamland, clássico do Gamma Ray, muito bem recebida pela casa, assim como The Seventh Sign, clássico de Malmsteen e executado com Michael Vescera. A noite estava chegando ao fim e Edu tirou o momento para um pequeno discurso e desabafo. O vocalista primeiramente agradeceu a banda, a orquestra, sua família e a confiança do público por acreditarem em sua índole e honra. Em seguida, contou que quando entrou no Angra, via os caras como ídolos, e que hoje, depois de um monte de mentiras e declarações infelizes dizendo que ele só se interessa por dinheiro, ele perdeu isso. “Eu não tenho vergonha de falar, não estou ganhando um centavo hoje. Estou fazendo um investimento na memória e no legado que deixei com os fãs”, declarou Edu. “O tempo passou e não é assim que as pessoas deveriam tratar quem tanto se dedicou para elas e para os fãs. Mas, no fim, eu só os agradeço por terem moldado o Edu Falaschi de hoje, não tenho raiva de ninguém, só tristeza”, concluiu.
Antes de fechar a noite com Rebirth e Nova Era, ambas acompanhadas fielmente pelo público e creio eu que, em sua melhor execução desde o ‘Rebirth World Tour: Live in São Paulo’ Edu apresentou a banda, com destaque para Fabio Laguna e Aquiles Priester, segundo Falaschi também dois dos grandes responsáveis por aquilo tudo estar acontecendo. Por fim, o baterista desceu para apresentar o vocalista, ‘alemão’, como Priester o chama. “O maior vocalista da história do heavy metal brasileiro”, anunciou Aquiles. A casa veio abaixo, na maior e mais calorosa salva de palmas da noite.
Depois de três horas de show, Edu Falaschi e sua banda deixaram o palco com o dever mais do que cumprido. Superando a má fase de alguns anos atrás, o vocalista ressurgiu e mostrou estar mais feliz do que nunca, passando por cima de todos aqueles que duvidaram de seu potencial. O que os mais de quatro mil presentes assistiram nessa noite de sábado foi histórico e memorável. O que aconteceu no Tom Brasil foi algo jamais visto pelo heavy metal no país, colocando o patamar de shows um nível acima. Marcante. Emocionante.
Se a produção visual acompanhar o nível em que o show foi executado, teremos com toda certeza o melhor registro em vídeo já lançado por aqui. Ainda, segundo presentes, Kai Hansen e Falaschi foram festejar a noite no Manifesto Bar, com direito a chegada de limusine e uma jam tocando Rebellion in Dreamland com a Eye of The King (King Diamond Tribute). Que noite!