Por Heverton Souza | Fotos: Edu Lawless
A cidade de São Paulo passava por algumas das noites mais frias em pouco mais de três décadas e talvez o que os meteorologistas não saibam, é que, justamente após 31 anos de existência, uma das bandas mais gélidas vinda também de um dos países mais frios do mundo chegaria em nossa terra tropical trazendo esse clima. Brincadeiras à parte, finalmente, o Brasil teve a oportunidade de receber o ícone do black metal nomeado Emperor.
Pouco antes das 20h, a fila ao lado do fora do Audio Club, que fica lozalizado na região Oeste da cidade, trazia uma gama enorme de pessoas de todo o país, que pareciam se conhecer desde sempre, mas que não se viam há anos, tamanha a confraternização. Em atividade desde 1991, o Emperor era aguardado por grande parte dos brasileiros pelo menos desde a segunda metade da década de 1990. Para quem acha que o público black metal é só cara fechada, o que mais víamos na fila eram sorrisos e as palavras de expectativas para a realização do sonho de ver os noruegueses ao vivo.
Uma boa parte do público já estava dentro da casa quando, às 20h12, o Lockdown subiu ao palco. O super projeto de death metal, que conta com João Gordo (vocal, R.D.P.), Antonio Araújo (guitarra, Korzus e Matanza Ritual), Rafael Yamada (baixo, Claustrofobia, ex-Project46) e Bruno Santin (bateria, ex-Oitão, Endrah), fez o seu show de estreia como abertura da noite, mas sem Yamada, que reside nos EUA e foi substituído pelo baixista Wescley Ferraz (ex-As The Shadows Fall). O som da banda é cru, direto e sem frescuras, mas parecia ainda faltar mais entrosamento à banda, o que é compreensível sendo uma estreia. Além disso, não foi uma grande atração para fãs de black metal e muitos questionavam a escolha, sendo que temos centenas de boas bandas mais voltadas ao estilo e que seriam mais atrativas ao público da banda norueguesa. Em geral, o headbanger brasileiro ainda é resistente às combinações de diferentes estilos, aceitando um pouco melhor essa condição em grandes festivais.
De todo modo, o Lockdown deu seu recado executando as músicas de Unholy Ceremony Heretic (2021), como Archangel, Hymn of Hate, Unholy Ceremony Heretic, Black Demons Reign e Desprezo, a única em português do primeiro EP, lançado em 2021. A apresentação ainda teve duas do Ratos de Porão – Máquina Militar e Arranca Toco –, além do clássico Raining Blood, do Slayer – sem a presença do João Gordo e com Antonio Araújo no vocal –, encerrando o set.
“Para mim foi um pouco desafiador e confesso que há tempos não me sentia tão apreensivo antes de um show… Afinal, a ideia do Lockdown nasceu durante a pandemia, e as músicas, apesar de curtas, são bastante desafiadoras. Tínhamos o desfalque do Rafa Yamada para esse primeiro show. Recrutei meu primo Wescley Ferraz (ex-As The Shadows Fall) para o seu lugar, por confiar na sua competência e também por termos em comum uma longa história com as músicas do Emperor”, comentou Antonio Araújo, idealizador do projeto. “No fim, tudo acabou correndo muito bem e o dia do show acabou sendo uma celebração muito legal. Primeiro pelo feito de ter colocado meu amigo João Gordo no palco cantando death metal, depois por ter estreado esse projeto ao vivo abrindo o show de uma banda que tanto ouvi e curti na vida como o Emperor. Foi um dia foda. A produção feita pela honorsounds, como sempre, irretocável”, acrescentou o guitarrista.
Dali até às 21h40, horário previsto para o trio norueguês subir ao palco, seria um parto. Mais de 20 anos de espera estavam engasgados para a grande maioria ali presente. Pessoas que, na época, ostentavam cabeleiras e hoje estão mais pra calvícies e fios brancos em suas barbas. Então, eis que antes do horário, às 21h27, a movimentação em palco nos trouxe Ihsahn (vocal e guitarra), Samoth (guitarra), Trym (bateria) e os músicos de apoio Ole Vistnes (baixo, Shinning e Tristania) e Jørgen Munkeby (teclado e backing vocals, Shinning).
O caos do Emperor começou com In the Wordless Chamber, única representante do álbum Prometheus: The Discipline of Fire and Demise, último disco de estúdio da banda, lançado em 2001. E ali já foi arrepiante ouvir a voz de Ihsahn pela primeira vez. Em seguida, o primeiro momento “apoteótico” da noite veio com Thus Spake the Nightspirit, o maior clássico do álbum Anthems to Welkin at Dusk (1997) e um dos maiores entre os demais da banda. Não tinha como se conter em formar o coro do final da música e cantar com Ihsahn o trecho “Nightspirit, spirit, spirit embrance my soul”, que aliás, fazia todo sentido ao que cada fã da banda sentia nessa noite.
Seguindo pelo disco Anthems tivemos Ensorcelled by Khaos e The Loss and Curse of Reverence, que para muitos foi a porta de entrada ao som do Emperor quando seu clipe foi transmitido pela primeira vez no extinto Fúria Metal de nossa saudosa MTV dos anos 1990. Para o repórter aqui, toda uma nostalgia passava pela mente em ver aquelas primeiras imagens de uma banda diferente de tudo até então, que gerava num jovem de 16 anos o sonho de fazer black metal e garanto ao amigo leitor que essa era a história de muitos presentes ali nesse momento.
Educado, mas sem muitas palavras, basicamente anunciando as músicas, Ihsahn era dos poucos que parecia expressar a felicidade em estar ali, mas não expressá-la não significa que os demais não estivessem felizes, vide suas redes sociais. O lance era manter um clima soturno, mas sempre sóbrio e nada forçado. Não haviam luzes diretas nos músicos, então basicamente assistíamos suas silhuetas.
Tecnicamente, o baterista Trym talvez seja quem mais sente o peso da tour, mas a experiência fala mais alto e ele se saía muito bem quando parecia cansar, aplicando mais viradas. Poucos sentiram diferença em qualquer execução. Samoth e Ihsahn sempre muito entrosados nas guitarras, que são bastante complexas em suas linhas, e os músicos de apoio completam a maestria musical em palco. Vale citar que Secthdamon, baixista da banda Zyklon que toca ao vivo com o Emperor desde 2005, fez falta em sua presença e seus backings extremos.
Anthems continuou ganhando vez com sua exata sequência de estúdio ao tocarem The Acclamation of Bonds e With Strength I Burn. E chegavámos então a 1999, com o álbum IX Equilibrium ou talvez ao ano 2000, no qual tantos ali circularam o VHS ao vivo Emperial Live Ceremony ou seja, era a vez de Curse You All Men!. É ainda mais impressionante a complexidade da música com toda uma base erudita feita por guitarras, bateria e vocais gritados. Lembrando que o Emperor foi um dos criadores do chamado symphonic black metal, título que ganhou notoriedade anos depois com nomes como Dimmu Borgir e Cradle of Filth.
Na pista, alguns mais jovens arriscavam uma roda, mas a maioria ali não estava mais para tamanha empolgação. A euforia existia, mas com a atenção voltada ao palco. E se queriam nostalgia, todos foram levados ao ano de 1994, com uma sequência do álbum In the Nightside Eclipse: Towards the Pantheon, The Majesty of the Nightsky, e os clássicos I Am The Black Wizards, Inno A Satana, essa última gerando mais um coro da plateia, que era orquestrada por osmose, cantava sem nem se dar conta, de forma hipnótica.
Sem o tradicional encerramento de Opus a Satana, a banda deu uma pausa muito rápida para voltar com a sequência que abre o disco Anthem to Welkin at Dusk. Um pequeno trecho do final de Alsvartr (The Oath), que já emenda com Ye Entrancemperium. Aqui tivemos provavelmente o momento mais extremo e agressivo de toda a apresentação e tudo executado com a maestria que poucos têm no metal extremo.
E para encerrar a noite, Ihsahn nos avisa que aquela seria a última, nossos últimos minutos presenciando aquele dia tão esperado por tantos, com Cosmic Keys to My Creations & Times. Por quase 1h 30 min, todos ali pareciam em transe. Havia um sentimento de estar em uma dimensão paralela, tentando entender que aquilo estava mesmo acontecendo, que era real. E como foi real!
Alguns já haviam visto a banda em festivais europeus, mas para absoluta maioria ali, foi a primeira e única vez e isso dá toda a magia e o sentimento de volta ao tempo que aconteceu finalmente, depois de quase perdermos mais esse show para a pandemia. Banda e público foram vitoriosos em celebrar uma noite hipnótica com o eterno imperador.
Emperor – setlist:
1 In the Wordless Chamber
2 Thus Spake the Nightspirit
3 Ensorcelled by Khaos
4 The Loss and Curse of Reverence
5 The Acclamation of Bonds
6 With Strenght I Burn
7 Curse You All Men!
8 Towards the Pantheon
9 The Majesty of the Nightsky
10 I Am the Black Wizards
11 Inno A Satana
12 Alsvartr (The Oath)
13 Ye Entrancemperium
14 Cosmic Keys to My Creations & Times
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