Por Samuel Souza
Fotos: André Santos
A expectativa para a nova passagem dos canadenses do Exciter por São Paulo era grande e se firmou com o rápido sold-out dos ingressos, o que tem uma justificativa meio óbvia: o local. O Jai Club é uma casa pequena, com pouca estrutura (o backstage é praticamente inexistente… para as bandas e equipe técnica, é uma luta) e assistir a shows lá é uma loteria. Nunca se sabe o que esperar! Com a lotação máxima esperada, tínhamos uma noção de quão árduo seria presenciar algo com um mínimo de qualidade e um certo conforto. O acesso ao banheiro, por exemplo, fica atrás do palco, o que tornava uma missão chegar até lá, especialmente para as mulheres passarem no meio de toda aquela multidão. O mais curioso é que na parte superior da casa existem outros banheiros, mas não há nenhuma informação sobre. Quem foi pela primeira vez, ficou surpresa ao descobrir! Além disso, o palco é baixo e sem praticável para bateria, então para a turma do fundão restou quase não ver os bateristas. Com esses aspectos em pauta já recorrente de outros shows por lá com público considerável, o número de bangers que optaram por ficar do lado de fora e fazer a resenha no bar ao lado foi bem significativo. Alguns desses apontamentos podem parecer bobos à primeira vista, mas são validados por muitos dos presentes. Um rápido bate-papo, isso vem à tona. Levando em consideração a audiência que o Exciter tem por aqui, afinal de contas, o trio possui um status cult que agrega um valor histórico às suas apresentações ao vivo, ou seja, certamente poderia ter sido escolhida outra casa. Fica essa observação às produtoras envolvidas, ainda que todo esforço seja válido e louvável, todavia, tanto o público quanto as próprias bandas mereciam uma estrutura um pouco melhor.
Feito esse relato inicial de intempéries, vamos aos excelentes shows das bandas, que compensaram tudo com muita energia e com aquele nostálgico sentimento de confraternização e vibração como nos velhos tempos. É sempre muito bom ver uma gama de gente nova misturada com o público mais velho e até mesmo reencontrar pessoas que há tempos não frequentavam eventos, estando ali no meio desse agito metálico. Uma euforia que só o heavy metal pode proporcionar!
Com a casa aberta às 17 horas, não demorou muito e o Inferno Nuclear já estava pronto para subir ao palco, ainda com um público reduzido, mas já empolgados para bater cabeça. Originalmente de Belém do Pará, a banda hoje está reformulada em São Paulo devido ao vocalista Wellington Freitas estar passando uma temporada por aqui. Eles seguem divulgando o mais recente álbum, “Diante de um Holocausto”, e com faixas dele, como “Soldados do Mal”, entregam um bom show de thrash metal naquela pegada oitentista e em português, agitando muito o público. Alguns ali não os conheciam, o que revelou ser uma boa surpresa. Apresentação simples, direta e empolgante!
Lançando seu debut full no dia anterior, os mineiros do Hellway Train vieram na sequência para apresentar um pouco desse excelente álbum, “Borderline”, um primor genuíno de heavy metal. É muito legal perceber que boa parte do público conhecia bem as músicas mais antigas que foram executadas, enquanto os que estavam os descobrindo, foram surpreendidos com um show afiado, alto-astral e dinâmico. Com timbragens bem encorpadas, abriram logo com “Hell on Earth”, primeira do play e é tão certeira quanto um míssil teleguiado para fazer um strike na geral. Eles têm uma veia Judas Priest na época de “Point of Entry”. O carismático vocalista Marc Hellway tem timbres semelhantes ao Halford e performance idem, mas com aquele destempero mais provocativo, vide usar uma espécie de máscara sadô ali no ato inicial, além de um chicotinho safado. Depois do refrão pegajoso que martela até hoje da primeira canção, do mesmo álbum tivemos “Born to Rock Hard”, como o próprio nome sugere, tem uma pegada mais hard. Dançante e marcante, essa é daquelas músicas para fazer guitar air com direito a coreografia à la Glenn Tipton e K.K. Downing. É muito som! Algo que tirou o riso de todos foi quando, o que seria para tocar uma intro entre uma música e outra, soltou dos PAs, um Red Hot Chili Peppers do nada. E com o embaralho da mesa em jogar o track certo, foi a deixa para Mark bradar o verdadeiro aço do Metal com aquelas frases de efeitos provocativos carregados de muitas verdades. Do split com os paranaenses do Hell Gun, tocaram “Out of the Cellar”, essa cantada por muitos dos presentes. Ainda do novo play mandaram ver a excelente “Bounded to Devour”, que possui uma bela e cativante melodia. Não tenho dúvida que após essa curta, mas cirúrgica apresentação, estes caras registraram o nome do Hellway Train em todos. E se o nível de empolgação estava alto, eles acabaram por destruir tudo para uma versão digna de “Jawbreaker” do velho Judão. Que aula de heavy metal!
Uma pausa necessária e até longa para a mudança do backline (em especial, da bateria), e o Jai Club já estava abarrotado de gente. O trio norte-americano Bat é um projeto que, com essa tour, estreava em solos brazucas, sendo que dois deles fazem parte do mundialmente conhecido Municipal Waste, uma banda que se conecta bem com a molecada, logo, era essa turma mais nova que estava lá na frente para ajudar a banda a avassalar o local. Basicamente, o set-list contou com a maioria das músicas do primeiro álbum de 2016, “Wings of Chains”. E olha, eles fizeram uma sequência que foi um verdadeiro arregaço!!! Bastou iniciarem com “Ritual Fool”, que logo a primeira roda se abriu, permanecendo por todo o show. E foi uma porrada atrás da outra: “Master of the Skies”, “Code Rude” e “Wild Fever”, essa, do EP “Axestasy” de 2019, serviram de fato para aceitação da banda pela audiência.
Eles estão prestes a lançar um segundo álbum, “Under the Crooked Claw”, pela Nuclear Blast, compondo agora o cast de um selo que dará ao trio aquela exposição de emergência, mesmo que já estejam fazendo o dever de casa na estrada. “Rite for Exorcism”, o single de divulgação do álbum, tocada com toda a potência, deu a entender que o Bat amadureceu mais seu som, apostando numa encruzilhada entre Motörhead e Venom com a veia HC mais ponderada. Impossível não querer quebrar tudo! Do disco novo também ouvimos “Street Banger” carregada de uma sonoridade despojada com ares de um rock´n´roll que cheira a álcool. E essa pegada mais crua e rápida recebe doses cavalares de peso e andamentos que foram feitos para bater cabeça. O trio já estava ganhando o público desde cedo, fazendo uma apresentação realmente extasiada. Para aqueles que são fãs de Whipstriker e Midnight, saíram dali completamente satisfeitos com um show sem economia. Encerraram com a dobradinha “Total Wreckage”, visceralmente rápida e com a canção que inspirou o nome da banda, “Beware of the BAT”, um puta Heavy Metal para tornar a coisa toda ainda mais intensa.
Merecida pausa. Reabastecer as energias e fazer as devidas hidratações. O calor já tomava conta do local, completamente lotado. Os mais aguerridos permaneceram na frente do palco e alguns, com aquela sensação claustrofóbica, preferiram buscar um lugar mais estratégico para presenciar uma apresentação sem dó e piedade do Exciter. Pelos nossos cálculos, essa foi a nona vez que o trio veio ao Brasil, sendo a mais emblemática a de 1986 ao lado dos ingleses do Venom, um momento histórico para muitos headbangers, alguns deles, 38 anos depois, estavam lá no Jai Club para vê-los novamente. É muito amor metálico envolvido!
Este giro na América Latina, incluindo três datas no Brasil, faz parte da comemoração dos 40 anos de lançamento do clássico absoluto “Heavy Metal Maniac” e, foi com “Stand Up and Fight”, primeira do álbum, que eles abriram o show de forma feroz e com os pés nas portas. O destaque imediato foi o guitarrista Daniel Dekay, executando perfeitamente e com respeito toda a originalidade do grupo. Substituindo o guitarrista original, John Ricci, Dekay tem uma pegada mais forte e técnica, mas sem firulas e macaquices. A faixa homônima chegou como um esmeril cortante e afiado para colocar o local abaixo.
Deram um salto logo para “Break Down the Walls”, de “Unveiling the Wicked”, uma canção alta e cheia de levadas quebradas, mostrou que o baterista e vocalista Dan Beehler está em grande forma no alto de seus 61 anos de idade. Suas linhas vocais bem particulares sempre funcionaram com o tipo de speed metal que eles praticam, dando um diferencial exclusivo não apenas por ocupar dois postos dificílimos de conciliar com tanta precisão e, sobretudo, ter carisma para entreter mesmo “parado” no mesmo lugar.
Voltam ao debut com a pesada e cadenciada “Iron Dogs” e do também clássico “Violence & Force”, mandam ver na empolgante “Evil Sinner”, que tem uma bela passagem melódica que emociona qualquer um. O curioso é que “vendendo” a tour de comemoração do “Heavy Metal Maniac”, ficamos apenas nas três músicas citadas. Confesso que gostaria muito de ouvir a enigmática “Black Witch”, mas por ser um som mais épico, certamente iria quebrar o clima de violência e insanidade que rolava por todo o ambiente. “Pounding Metal” solta dos falantes para todos cerrarem os punhos para o alto e parece nos transportar numa espécie de túnel do tempo atemporal. Como citei antes no início da resenha, o encontro de gerações reflete esse vórtice de culto à música pesada que permanece na vanguarda nos subterrâneos barulhentos ao longo dos anos. Momento para o velho Beehler respirar um pouquinho e aquele famigerado solo de guitarra para encher linguiça, mas nada tão chato, diga-se.
Estamos caminhando para o final apocalíptico, mas preciso destacar o corretíssimo baixista Allan Johnson, três anos mais velho que seu companheiro de banda desde o início dos anos 80, o cara também está com o vigor total, tocando forte e alto, além de fazer os backing-vocals e bastante animado com a audiência, manteve a linha de frente ao lado de Dekay movimentada e dinâmica. E se tudo já estava entregue ao belo caos, o tornado de couro e rebites com “Beyond the Gates of Doom”, “Violence & Force” e a matadora “Long Live the Loud” impactou a todos, brindando mais uma manifestação genuína de Metal Pesado como nos bons tempos. O ar já não existia mais e ao deixar a parte interna do show, ainda se ouvia “Iron Fist” encerrando essa noite desumana, no bom sentido. Este encontro de gerações reflete esse vórtice de culto à música pesada que permanece na vanguarda nos subterrâneos barulhentos ao longo dos anos.
Fim do evento, mas não do rolê. Muitos bangers ficaram para curtir e deixar um lembrete vívido da resiliência e da unidade que o heavy metal inspira, unindo aqueles que estavam nos shows com os que extrapolaram o esquenta. Apesar das limitações da casa, considerando o grande público presente, a paixão dos fãs e o profissionalismo das bandas e da equipe técnica brilharam intensamente, criando essa atmosfera única já recorrente nos últimos eventos que estamos cobrindo.
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