Sob muitos aspectos, a Abraxas vem nos presenteando com muitas ótimas surpresas na última meia década. Selo, produtora de shows, a Abraxas tem estendido seus longos tentáculos em múltiplas direções, e cada vez mais aproxima os fãs brasileiros de música pesada dos nomes mais criativos do cenário, não raras vezes nos garantindo um primeiro contato ao vivo com alguns nomes que antes julgávamos impossíveis de se ver por estas paragens.
Pois bem, para comemorar os seus cinco anos, a Abraxas preparou uma surpresa especial, e que rendeu muita ansiedade desde que foi anunciada: Em 2018, como parte do Abraxas Fest, o Brasil receberia pela primeira vez o maior e mais importante nome do sludge em todos os tempos, o norte-americano Eyehategod. Ativos a exatas três décadas – a banda foi formada em 1988 em New Orleans, EUA – o Eyehategod é parte da tríade estadunidense que reformulou e garantiu novos tons de criatividade à música nos anos 90, e, junto com seus pares do Corrosion of Conformity e do Neurosis, se tornaram a referência máxima para nomes essenciais do cenário, como Crowbar, Pantera, Mastodon, Down, Soilent Green e High on Fire.
Se só este primeiro nome já bastaria para deixar qualquer fã de música de cabelos em pé e contando as horas para a apresentação, a ansiedade se agravou ainda mais quando os outros nomes foram anunciados: Noala, ITD e Samsara Blues Experiment também fariam parte da festa!
Infelizmente, qualquer pessoa que faz tratamento para o controle de uma doença autoimune sabe que nem sempre é possível se manter completamente fiel ao cronograma, existem dias piores que outros, épocas piores e melhores. Por conta disso, este repórter precisou perder as primeiras atrações do festival, uma verdadeira lástima. Mas, no início da noite, lá estávamos, para aguardar o início da apresentação incendiária dos alemães.
O Samsara Blues Experiment não é nem de longe uma banda tão experiente, tão longeva quanto o Eyehategod. Na verdade, a banda alemã surgiu em 2007 – quase duas décadas depois dos americanos – e só em 2010 lançou seu primeiro álbum, Long Distance Trip. Mas, aquilo que falta de tempo no mercado da música, sobra de inteligência, criatividade e inventividade musical. Como foi bom ter a chance de conferir isso ao vivo! Formado por Hans Eiselt (baixo), Christian Peters (guitarra e voz) e Thommas Vedder (bateria), o trio alemão começou seu show com Shringara, faixa que abre o terceiro álbum, Waiting For the Flood.
Army of Ignorance veio na sequência, colocando o citado álbum de estreia no jogo, para delírio dos muitos fãs ali presentes. A mistura de músicas extensas, dotadas de longas passagens instrumentais psicodélicas, e uma criatividade e senso de improviso único ia derrubando os queixos enfileirados diante do palco com uma facilidade enorme, e à essa altura, era difícil dizer quem seria a atração principal da noite. A sensação de torpor e estupefação ficou ainda mais evidente com a execução de Vipassana e One With the Universe, dois longos épicos que só o stoner/doom pode conceber, e que ajudaram a tornar o álbum One With the Universe um dos grandes destaques de 2017.
Mas, com o passar dos minutos e um Senhor do Tempo sempre disposto a retomar suas migalhas, era chegada a hora de conferir a atração principal, o Eyehategod. E aqui saía de campo a loucura musical centrada dos alemães, para entrar um dos maiores e mais insanos vocalistas de metal que os fãs brasileiros já tiveram a chance de conhecer: Mike Williams.
Começando a apresentação com Agitation! Propaganda!, Mike já mandou a mensagem em alto e bom som no microfone: “São Paulo, essa é a nossa primeira vez aqui, não nos desapontem!”. A festa insana e maldita do Eyehategod tinha realmente começado! Enquanto sons seminais da sujeira vinham enfileirados – uma sequência matadora se iniciou com Jack Ass in the Will of God e só terminou com Lack of Almost Everything, que apareceu para a maior parte dos fãs apenas em 2007, como parte do clássico Take As Needed for Pain – Mike ia garantindo um show à parte, mordendo os cabos, gritando com o público… A coisa chegou a um ponto de insanidade que em certo momento ele disparou: “Eu amo vocês… nossa, como eu amo. De verdade”. Enquanto a plateia reagia com as habituais palmas, ele continuou: “É sério, eu amo mesmo. Liguem para mim”, e passou um número, que esperamos não seja de nenhum ‘infeliz felizardo’ nos Estados Unidos.
Claro que não se pode julgar toda a apresentação do Eyehategod apenas pela performance de seu vocalista. Afinal, como seria possível imaginar a sonoridade dessa banda sem os riffs gordurosos e sujos de Jimmy Bower, ou sem a condução intensa e maníaca do baixo de Gary Mader? Mas, convenhamos, com um vocalista que passeia pelo palco como um maluco, assoando o nariz, atirando água nos fotógrafos, quem mais poderia chamar atenção e atrair todos os olhares? Sim, Mike Williams soube convencer seus fãs, e canções como as duas partes de Sisterfucker (também do sensacional Take as Needed for Pain) foram um alívio enorme para uma semana tensa na Capital Paulista, e nem a garoa foi capaz de reduzir a empolgação dos muitos presentes.
Assim, entre as mais variadas loucuras, músicas clássicas, riffs intensos e músicas hora causticantes e hora aceleradas, a apresentação foi chegando ao final, com duas peças definitivas: Left to Starve (In the Name of Suffering, 1990) e Serving Time in the Middle of Nowhere, outra do fenomenal Take As Needed For Pain. Mais uma vez o Senhor do Tempo recolhia suas migalhas, e era hora de todos voltarmos para casa. Que belo cartão de visitas o Eyehategod deu aos brasileiros! Por fim, resta agradecer e cumprimentar a Abraxas pelo seu aniversário, pela inteligência na montagem de seu cast, pela honestidade com que trabalha em seus eventos. Enfim, pela coragem de trazer ao Brasil bandas que sempre quisemos ver, e que antes estavam muito longe do nosso circuito de shows.Parabéns pelos 5 anos, e que venham mais 500! Um forte abraço e desejos de sucesso, de todo o time ROADIE CREW!