Não é porque o Flotsam And Jetsam tem uma longa história no metal que as coisas precisam ficar mornas e os discos opacos. Contrariando o tempo, parece que a banda norte-americana reencontrou a sua veia em Flotsam and Jetsam (2016) e injetou ainda mais gás ao seu thrash/speed metal no décimo terceiro disco de estúdio – o recém-lançado The End of Chaos. O segredo de tamanha vitalidade musical apresentada pelo nosso entrevistado, o guitarrista Michael Gilbert, nesta fase da banda ao lado de Eric “A.K.” Knutson (vocal), Michael Spencer (baixo), Steve Conley (guitarra) e Ken Mary (bateria), é contado na entrevista a seguir.
Ao ouvir The End of Chaos, a primeira impressão que tive foi a de que vocês optaram por um direcionamento mais pesado. Foi isso mesmo?
Michael Gilbert: Sim, foi uma direção um pouco diferente para nós. Parece que a banda estava firmando às raízes com Jason (Bittner, ex-baterista) quando lançamos Flotsam and Jetsam (2016), mas parece que nós nos encaixamos muito bem neste novo álbum com a entrada de Mary e as composições que ele trouxe parece. Se antes, lá na época de No Place for Disgrace (1988) era eu que fazia grande parte das composições, no disco anterior e neste, nós tivemos contribuições de todos os músicos da banda. Tem sido um grande prazer ter aquele peso tirado de mim e ter outras pessoas contribuindo. E cara, devo dizer que A.K é um dos meus melhores amigos, mas também é um cara que floresceu. Dizem que o cara velho fica sem riffs ou que suas ideias começam a se dissipar, mas A.K é o oposto disto. A voz dele só melhora e as suas letras em The End of Chaos estão matadoras.
De fato a performance de A.K vem chamando cada vez mais atenção…
Michael: Acho que esta foi provavelmente a sua melhor performance, juntos das letras e melodias mais grudentas que ele já fez. A.K grava as vozes com quem quer que esteja disponível. Quando A.K quer cantar, ele liga para ver quem está disponível e vai gravar. O cara aparece e me deixa de queixo caído. Sei lá, o cara é incrível e cheio de talento.
The End of Chaos é um título abstrato ou tem alguma relação pessoal com a banda?
Michael: Estávamos considerando alguns títulos e pensamos em chamá-lo de “The End”, fazendo alusão à última faixa do disco. Mas ao apresentarmos a ideia para a gravadora eles disseram que tinham outras sugestões, já que eles não queriam que as pessoas pensassem que seria o fim da banda. Há muitas bandas se aposentando por aí e não queríamos dar esta impressão. Ainda mais agora que finalmente encontramos o nosso passo. The End Of Chaos pode ter alguma coisa a ver com isso, pois já teve alguns anos onde a banda estava meio que tentando se encontrar e experimentando algumas coisas. Parece que com o disco anterior e especialmente neste, nós conseguimos nos agarrar em algo. É como se o caos de ficar tentando nos encontrar tivesse acabado e aqui estamos nós.
Vocês lançaram cinco álbuns só nesta década e parece que mesmo depois de trinta anos a banda continua crescendo. Você sente isto acontecendo?
Michael: Sim e é incrível. As nossas composições começam com Conley e eu fazendo riffs na minha casa e então organizamos as ideias das músicas para que A.K as veja. Nós jogamos tudo para que A.K decidisse por aquilo que ele queria trabalhar. É assim que tem sido. Não era assim no passado, mas agora temos uma química diferente acontecendo. É uma nova linha de produção das músicas.
A impressão que tive foi a de que o álbum homônimo deu um belo empurrão para a realização de turnês…
Michael: Parece que sim. Está rolando uma grande promoção, então… Nós passamos por um período de dormência e sempre que bandas de metal como nós fica um tempo sem fazer turnês, elas meio que vão desaparecendo. Se você quer ser uma banda que faz turnê, ficar sentado em casa é muito ruim. Você tem que manter as composições e fazer aquilo que os fãs querem ouvir. Esta também foi por esta razão que trouxemos de volta o lagarto – tinha muita gente pedindo por ele (risos).
Pensei que a ideia era resgatar a pegada de Doomsday for the Deceiver (1986).
Michael: Não, porque foi apenas o fato de ser um mascote legal que se perdeu durante os períodos de transição durante a década de 1990. Naquela época, talvez fosse legal para o Iron Maiden ter o Eddie, mas para uma banda como a nossa, aquilo não parecia funcionar com a música que fazíamos. Ter ele num disco como Drift (1995) não fazia sentido. Não éramos exatamente uma banda de power metal ou de thrash na época. Ainda éramos uma banda de metal, mas de outra categoria.
Já que você citou a década de 1990, como foram aqueles tempos para vocês?
Michael: Era desconfortável compor naquela época. As pessoas falam das bandas de Seattle (EUA) e de um movimento alternativo esquisito, mas eu não sei se foi necessariamente isso. Não posso apontar o dedo para o que aconteceu com o metal, sei que ele se foi por um período, mas agora ele voltou para se vingar. Graças a Deus ele resurgiu de forma gigantesca.
Será que uma das razões não foi o fato das grandes gravadoras terem contratado várias bandas de metal sem saber exatamente o que fazer com elas?
Michael: Sim, concordo com isso. Tanto é que nós nos perdemos quando assinamos com a Elektra/MCA Records. O Metallica, por exemplo, já havia o comentário de que eles já estavam começando a decolar, mas a coisa explodiu quando eles assinaram com a Elektra e passaram a ter os discos distribuídos pela gravadora. Mas isso não aconteceu conosco. A gravadora não sabia como fazer a nossa publicidade. Havia lá um bando de executivos que não compreendiam aquilo e que não conseguiam aquela conexão com os fãs. Já hoje é diferente – os executivos das gravadoras independentes sabem como se conectar aos fãs, até porque eles também são fãs e compreendem exatamente para onde o disco deve ir – qual o mercado que a música atenderá.
O disco estava previsto para ser lançado em 08 de novembro de 2018, mas foi empurrado para o início de 2019. O que houve?
Michael: A principal razão foi o atraso na mixagem. Antigamente, quando estávamos com as grandes gravadoras, a mixagem parecia levar uma eternidade e nós tínhamos que cumprir os prazos. Chegando perto da data limite eles nos davam o material e mandavam a gente se virar. Mesmo não estando felizes com o resultando, não tinha como voltar e conseguir mais prazo. Não éramos o Van Halen, não tinha como dizer que aquilo não estava bom e que queríamos outra mixagem. Por exemplo, acho que When the Storm Comes Down (1990) é um ótimo disco, mas a sua mixagem não é lá essas coisas. Também acho que No Place for Disgrace (1988) não teve uma ótima mixagem. Parece que tivemos esse problema durante toda a nossa carreira. Agora, para o disco anterior e este, nós dissemos para a AFM Records que queríamos um tempo extra para a mixagem, pois ela tinha que ser perfeita. Não queríamos lançar um disco com um som ruim e isso era muito importante.
The End of Chaos é um trabalho que mescla com sucesso o thrash, speed e metal tradicional, embalado na boa produção do dinamarquês Jacob Hansen. Esta mistura é fruto da união do grupo?
Michael: Este é o lado legal da colaboração de todos na banda. Mary é um músico de estúdio, com o seu próprio estúdio, assim como Conley. Eu também tenho o meu estúdio em casa. Um dos pontos fortes da banda hoje é que podemos colaborar. São três estúdio numa banda de cinco caras. Uma mixagem de qualidade começa quando você pode fazer uma boa produção desde o início. Desta forma, pudemos entregar uma boa produção para Hansen e assim facilitar o seu trabalho de mixagem. Tivemos tempo para fazer a coisa de forma certa e sob as especificações de Hansen. Se tivéssemos entregado uma produção ruim que não tivesse conserto, ela acabaria fazendo uma mixagem ruim e isso refletiria no seu nome. Ninguém quer isso, né? O cara é muito bom no que faz.
Agora entendo o porquê de The End of Chaos trazer guitarras gêmeas e solo mais complexos que usualmente na sua música.
Michael: Isso é engraçado, porque Conley e eu fazemos umas batalhas de guitarra. Nós ouvimos as ideias, eu sugiro para ele inserir um solo e o cara me manda algo que é animal, aí eu me empolgo e acho que tenho que gravar algo que será ainda melhor, mando para ele e assim começa a batalha. É meio cômico, mas isso definitivamente nos leva a fazermos o melhor que podemos.
Vocês desenvolveram uma competição saudável nesses seis anos de parceria. Com Edward Carlson (ex-guitarrista) que foi seu parceiro por muitos anos, era assim?
Michael: Pois é. Conley tem um estilo completamente diferente do meu. Ele não tem um estilho de palhetada como eu, preferindo fazer riff com ligados, algo que não estou acostumado a fazer. Há um contraste onde eu aprendo quando ele toca. Fico feliz quando existe um desafio. Não que Carlson não me desafiasse, mas Conley é um guitarrista extremamente talentoso.
Falando em composições, você costuma ouvir metal mais atual e diferente do que você toca?
Michael: Sei que Conley, Mary e eu vemos a coisa de forma semelhante, onde isto é parecido a um evento esportivo onde você assiste aos jogos dos outros times. Você entra no ritmo do jogo – acho que é isso que estou tentando dizer. Antes de começar um disco, você entra no ritmo ouvindo algo raivoso, rápido e agressivo.
Qual a sua fonte de informação para entrar em ritmo de jogo?
Michael: Escuto a rádio Sirius XM (N.R.: empresa de radiodifusão via satélite) onde sou bombardeado com todas essas músicas boas. Gosto de Parkway Drive, Ice 9 Kills, Slipknot e várias outras coisas.
Como você vê esta nova geração fazendo um som agressivo mais oldschool?
Michael: Acho que já me enviaram uns quatro vídeos de jovens fazer covers de Hammerhead (Doomsday for the Deceiver, 1986). Acho que é animal. Para mim é uma grande honra ter pessoas fazendo isso e eles o fazem muito bem. É legal ver os jovens escutando músicas de décadas atrás, ouvindo coisas que eu ouvia. Você cresceu ouvindo o Metallica antigo, certo?
Sim, exato. Mas também ouço muita coisa atual
Michael: O que você achou do último Metallica? Eu amo a banda, mas ainda tenho sentimentos confusos sobre o disco. Mas, po… Antigamente eles estavam pegando fogo.
Concordo com você. Para apaziguar a saudade eu escuto Evile, uma banda inglesa que traz bastante da fase antiga do Metallica sem soar uma cópia.
Michael: Preciso conferir esta banda, isso soa legal (risos). Tem alguma coisa naqueles três primeiros discos do Metallica… Você consegue ouvir a fome e o fogo deles nas músicas. Eles estavam com tudo, mas acho que hoje eles não parecem estar com a mesma empolgação. A banda ainda produz ótimas músicas, mas a agressividade já não está mais lá.
Bom, o Metallica já passou diversas vezes pelo o Brasil, mas o Flotsam And Jetsam quando é que virá pela primeira vez?
Michael: Sabe, nós nunca fomos para a América do Sul – acho que é hora de ir visitar vocês (risos). Já recebemos ofertas, mas parece que num dado momento o produtor pula fora. Já tivemos uns cinco shows alinhados, mas algo sempre acontece. Espero irmos neste ano. Tenho uma carreira de quase 30 anos e nunca fui ao Brasil, cara.
Seria legal, principalmente porque o Flotsam & Jetsam fez uma turnê com a Nervosa em 2016 e você faz uma participação especial no disco Downfall of Mankind (2018), tocando um solo na faixa Selfish Battle.
Michael: Nós nos tornamos bons amigos delas durante esta turnê ao lado do Destruction. A Prika (Amaral, guitarra) me ligou fazendo o convite e eu aceitei na hora. Fiquei honrado!