Um dos festivais de música underground mais aguardados de Fortaleza, inicia a sua grade musical no último dia de julho no CCBNB, mas um dia antes, no Centro Dragão do Mar de Arte e Cultura, a programação teve início com os seminários culturais que já se tornaram substanciais em cada evento. Na quinta-feira, 30, o auditório do CDMAC recebeu a exibição do documentário “Ruído Das Minas” com presença de sua produtora Gracielle Fonseca. O segundo momento se deu com um bate-papo com Gracielle e o Prof. João Bittencourt sobre o tema “Mulheres no Punk e no Metal”. Na sexta-feira, 31, o seminário apresentou o documentário “Evolução?!” seguido de diálogo com seu realizador, Clinger Carlos Teixeira (Heavy Metal Online) que abordou também temas de outros filmes como “O Homem e a Obra” e “Cogumelo 35 Anos”.
Logo mais, por volta das 16:00h, o grande evento “Rock Cordel” já estava recebendo as primeiras atrações musicais do “ForCaos 2015” que começou com “O dia do Punk Rock”. A banda local VS Caos se incumbiu de dar o pontapé inicial com um ‘set’ mostrando o seu Rock Alternativo para um público em aglomeração. Muitas pessoas ainda estavam lá fora aproveitando os últimos sanduiches e ml de cerveja, já que no ambiente interno não era permitido comida nem bebida. No palco, o quarteto da cidade vizinha, Maranguape, disparava seu recado com canções como “Liberdade Marginal”, “Corpo Fechado” e “Controlar Minha Bala Perdida”.
A veia Rock’N’Roll do Punk Rock estava presente com o pessoal do Glauco King & The West Wolves. Originalidade e excentricidade em demasia compõem as qualidades da banda liderada pelo grandalhão Glauco King. Em divulgação de seu álbum “Sexy Offender”, o grupo mandou nos PAs a dobradinha “Animal Blitz – Você Sabe O Que Eu Quero Fazer Com Você” aquecendo as canelas de quem estava ali. Com a presença de alguns Punks, Glauco os chama para pogar ao som da inédita “Antes Que O Mundo Exploda”, “Vovô, Eu Uso Saia” e “James Dean”. Fortaleza, conhecida em muitos lugares como a capital do riso, estava mesmo precisando de uma banda como o The West Wolves que une carisma, escracho e Rock’N’Roll.
Já era comecinho de noite quando o Lavage surgiu para oferecer um repertório rico. Mesmo o espaço não estando lotado (o que é incomum em dias de “Rock Cordel”), nunca se viu tantos cabelos espetados e moicanos participando, mas o ForCaos conseguiu tal feito. Começaram com a intro “Insustentável”, depois continuaram com “Olhar Chapado”. Apesar de a banda possuir muitas composições, covers como “Teenage Lobotomy” e “Psycho Therapy” do Ramones e “American Jesus” do Bad Religion, dividiram a atenção com outras autorais como “Sex, Drinks E Punk Rock” e “Politicamente Ereto”. Nem a queda insistente do fio do microfone principal, atrapalhava um set tão empolgante quanto este oferecido por Bruno Andrade (vocal), Everaldo Maia e Glênio Mesquita (guitarras), Rafael Maia (baixo) e Rogério Ramos (bateria).
A hora do Thrunda chegou com sua boa performance. O ‘Power Trio’ representante do Hardcore cearense nessa noite entrou com a instrumental “Introduzindo Sem Cuspe” para então continuar com a nova composição, “Protesto”, mandando também “Nuszeixo” e “Terno E Gravata”. Uma das músicas mais legais, “Sensacionalismo Verdade”, sucedeu “Hardcore De Terreiro”, mas o melhor momento foi quando o vocalista e baixista, Rodrigo Monte, chamou Alisson Lima e Wilson Santana do Pastel De Miolos para participarem da própria canção, “Ciranda”. A essa hora o piso já estava marcado de tanto ‘cirle pit’. A riferama criada pelas palhetadas do guitarrista Otávio Medeiros e pancadaria do baterista Hermes “Capone”, fez mais gente suar com as levadas de “Viva A Rebeldia” e, finalizando, “Mulher De Cabaré”.
João Bittencourt retorna, mas não como membro de palestra, dessa vez ele veio como integrante do Mercado Negro. O grupo caiu no gosto dos rockeiros cearenses desde os anos 90 com uma mistura de Metal, RAP e Hardcore. Ultimamente têm sido difíceis suas apresentações devido ao trabalho de João que mora em outro estado, mas no palco do CCBNB, seus “comparsas” Adriano Bittencourt (guitarra), Rennan Lessa (baixo) e Wellington Azevedo (bateria) ajudaram a executar um set que valerá pelo menos para os próximos dez anos, isso caso a turma resolva “ficar de molho”. “Fanáticos Imbecis” fez as honras e a plateia já foi pulando e batendo cabeça. Como ‘frontman’, João sempre falava ao público em cada intervalo de música. “Falsos Sorrisos”, música gravada em 2002, não foi a única velhinha do repertório, pois as pessoas também relembraram “Guerra De Classes” tocada momentos depois do cover “Slave New World” do Sepultura e da inédita “Extermínio”.
A primeira atração de outro estado chega com Pastel De Miolos (BA). Com uma trajetória de vinte anos, o trio já lançou diversos trabalhos e fez passagem pela Europa em 2014. Em Fortaleza as rodas não paravam alimentadas por sonzeiras como “Desespero” e “Tapa Na Cara”. Os visitantes podiam se sentir em casa e souberam aproveitar. O público recebeu uma junção de quatro músicas – “Olho Torto/Moicano/Para A Vida…/Terra Em Transe” – que rendeu alguns “cai-levanta” no mosh. “Dinossauros” foram lembrados nos covers de “Que Vergonha” (Olho Seco) e “Vida Ruim” (RDP). Alisson (guitarrista e vocalista) pergunta “qual a maior banda de Punk Rock do mundo?”, na hora alguns responderam: “Ramones!” Hora de “Blitzkrieg Bop” com Rodrigo e Hermes do Thrunda participando –, a segunda dos Ramones foi “Beat On The Brat” ainda com participações de Rodrigo e Gary (Same Old Shit). O encerramento foi com “É Essa Porcaria Que Me Faz Feliz” com bastante apologia ao Rock’N’Roll.
Sábado (01/08)
Desde a primeira edição do “ForCaos” em 1999, o festival é reconhecido pela organização da produção tanto na parte assistencial às bandas como no respeito ao público. Muitas pessoas envolvidas fazem parte do cenário musical de Fortaleza, exemplo do próprio presidente da Associação cultural Cearense do Rock (ACR), Amaudson Ximenes (Obskure) e dos apresentadores desta 16ª edição, Lucas Gurgel (Clamus) e Claudine Albuquerque, vocalista do Nafandus que abriu o 2º dia de shows para um público mais diversificado que o do dia anterior. O momento foi de divulgação de seu EP “Nafandus”, que foi tocado na íntegra com boa dose de energia do quinteto. Começaram com a densa “Corruption” que, ao vivo, torna-se ainda mais pesada. Suas influências vão do Alternativo ao Heavy Metal muitas vezes em uma única música como “F.E.A.R.”. Se no estúdio o ‘feeling’ é contagiante, em palco a banda sabe muito bem repassar essa fórmula.
Música contagiante também é uma especialidade do Trem Do Futuro. Representantes do Rock Progressivo no Ceará, o grupo já conquistou espaço na mídia de países como a França, Itália e Japão com seus álbuns “Trem Do Futuro” (1995) e “O Tempo” (2008) –, o repertório apresentado se baseou nessas duas obras mais algumas do álbum a ser lançado neste ano; iniciando com “O Homem Antigo”, última música do álbum de 2008. A banda entende de melodia tanto quanto de letra, cada composição esbanja criatividade musical e poesia. Tal virtuose foi conferida em vários momentos, um deles quando o vocalista Rossglow Dantas chamou “Saga” com destaque ao violino de Sidarta Guimarães dando mais suavidade aos riffs da Gibson de Marcelo Leitão. O Ceará deve se orgulhar de ter uma banda de conteúdo tão expressivo e merecedor de prestígio. Que essa magia contagie outros palcos.
O Rock Alternativo eleva-se mais ao som do Andes. A banda já participou de quatro edições do ForCaos desde sua fundação há dez anos. Carlos Ramos (guitarra, vocal), Anderson Rodrigues (baixo) e Clinton Pinheiro (bateria) souberam agradar aos “gregos e troianos” da festa com a melodia de suas canções. Fãs tanto de Rock Progressivo que ainda ficaram presentes como os que aguardavam as bandas mais pesadas, aplaudiram o trabalho do trio que abriu com “Musa Venal”. A performance dos músicos também mostrou a canção “Rapture” lançada em 2013 no EP “Existencial” –, essa deverá ter presença absoluta nos shows do Andes, já que virou videoclipe oficial. A continuação se deu com a semibalada “Sintética” fechando com “Tempo” e “Espiral”. Carlos ficou gratificado pela recepção e fez revelação de um novo álbum que será lançado na segunda metade de 2016. Que venha!
O festival abre espaço no palco do CCBNB para o Rock Industrial (e ousado) da banda Maldita do Rio de Janeiro. Mesclando elementos do ritmo carioca a temas musicais góticos e letras às vezes bizarras, o grupo que conta com dois vocalistas atraiu pessoas de diversas partes da região para presenciar as suas execuções que começaram com “Maldito (Zé Do Caixão)”, ‘single’ do álbum “Estranhos Em Uma Terra Estranha” com previsão de lançamento para novembro. A música já lançada em vídeoclipe no Youtube, não foi a única a ser cantada pelos seguidores da banda, mas também outra nova, “Sacrifício (Você É Um)”, foi acompanhada de perto pelos fãs empolgados. A sessão mais Heavy Metal do ‘set’ ficou por conta de “Seu Deus” que abrasou a turma toda que já estava disputando um lugar mais próximo do palco.
O evento também abraçou o Metalcore do In No Sense. Após as informações que o apresentador Lucas Gurgel fez sobre a trajetória da banda, o quinteto explode nos PAs o peso de “Despertar” que é título de seu futuro ‘full length’ que está sendo trabalhado. Devido aos compromissos de estúdio, estão reduzindo a aceitação de convites para shows, mas o ForCaos tem capacidade de “quebrar jejuns”. Os garotos já entraram com muito fervor, dando sinais de que ali seria uma noite marcante. Jeferson Veríssimo, que comanda os vocais guturais, dispõe de grande movimentação e o guitarrista Matheus Ferreira, que faz os vocais limpos, rege muito bem suas vocalizações –, contudo, não há como desviar o olhar da guitarra de Lucas Arruda quando o moço parte para os solos. Do último EP lançado em 2014, foi tocada a música título “Resistência” e “Frente Ao Poder”. Jeferson anuncia mais uma composição nova chamada “Guilherme SONG” e segue cumprindo o papel com a banda até a última “O Equilíbrio”.
O segundo dia do calendário de atrações fechou com o Coldness que está divulgando o excelente “Intervention” (2015). A trinca de abertura do CD com “Becoming The Passanger”, “Failure In Your Eyes” e “The Turnaround Motion” também iniciou os trabalhos da banda ao vivo. O show se tornou receptivo aos fãs de Heavy Metal melódico que os aguardavam. O vocalista Lenine Matos, que gravou o último álbum, mostrou-se à vontade em canções do ‘debut’ “Existence” (2012) como “Live Now”. A integração dos membros é tão harmoniosa quanto à estrutura do som, e aqui vai um brinde à cozinha de George Rolim (baixista) e Gabriel Andrade (tecladista) que são responsáveis pelas composições de todas as melodias do grupo. O jovem guitarrista Yago Sampaio que entrou na banda depois da gravação de “Intervention”, soube fazer sua parte em canções como a velhinha “On A Great Speed” e também em atuais como “Tormented” que encerrou a última etapa do “ForCaos” no “Rock Cordel”.
Domingo (02/08)
A terceira e última etapa do “ForCaos” 2015, depois de três anos voltou ao Centro Dragão do Mar de Arte e Cultura. O Anfiteatro Sérgio Motta (um dos setores do centro cultural) possui uma estrutura de palco bastante espaçosa assim como o ambiente dos assentos. O número de visitantes foi bastante numeroso, mas propositalmente o local não ficou ‘sold out’, pois a segurança do local achou por bem fechar a entrada durante alguns períodos das apresentações para evitar acidentes devido à estrutura declinada da parte das cadeiras.
Sob o brilho das estrelas alencarinas, as luzes do palco se apagaram e se acenderam fortemente para a entrada de Bones In Traction com seu Thrash Metal puxado ao Groove. Iniciando com a introdução “God Bless” a banda de Mossoró (RN) atacou em seguida com “Grain By Grain”. O vocalista Plínio Marcos chama o pessoal para chegar mais perto e “Hell To The King” é tocada com enorme peso nos PAs. A primeira impressão que me tomou foi que o baterista Vicente Andrade iria macerar o seu kit em “Rubber Bullet”, mas felizmente não aconteceu. Para relaxar o fluxo sanguíneo, o ‘frontman’ dá umas pequenas palavras sobre o EP “…In The Dock…” que estão divulgando na turnê e segue com “Depression”. Músicas que não estão no álbum também colocaram os bangers para bater cabeça como “Disfigured” e “Sistema Arrogante”.
Quando o Encéfalo começava o seu ‘set’, o público se juntou mais e formou um pequeno ‘mosh’ entre o palco e as cadeiras. O trio que agora é comandado por Henrique Monteiro (baixo, vocal) apresenta a sua fórmula mais inclinada ao Death Metal –, e foi a música “Psywar” do novo álbum que deu sequência à introdução “Alive Or Dead” também do ovacionado “Die To Kill” (2015), mas o repertório também incluiu canções do antigo CD como a dobradinha “All The Hate In My Soul / Despair”. É interessante como soa o vocal de Henrique (mais rasgado em alguns trechos) nessas composições, a sua identidade própria também se encaixou na mais conhecida pelos fãs “Slave Of Pain”. A banda teve uma baixa na formação, mas não deixou de atrair seguidores e provou que a mudança não se deu não apenas no direcionamento, mas na fluidez ao vivo também.
Já passava das 21h quando o Criokar estava ali para descer o verbo e o Metal aos presentes. O Thrash Metal com veia industrial do quarteto é apreciado por quem tem poder de crítica como suas letras. Em “Gorjeta Do Lixo” o primeiro destaque parte do novo baterista Vicente Ferreira que, nem descansou de seu último show com o In No Sense, e já estava detonando seus predicados no Dragão do Mar com o Criokar. “Lado Sombrio” foi uma espécie de vitrine da técnica do rapaz. Os veteranos Cleiton (guitarra, vocal), Ricardo (baixo) e Taumaturgo (guitarra) tanto tocavam como ‘bangeavam’ servindo de exemplo para a molecada que se movimentava lá embaixo. O espremido ‘mosh’ deu espaço aos primeiros ‘stage divings’ da noite ao som de “Demônios Anônimos” –, e para homenagear isso tudo, a banda finaliza com “Agulhas Infectadas” cantada em coro pela galera.
O Betrayal fez a apresentação mais que histórica. Foram muitas as rodas impulsionadas por “lapadas” como “Straight And Raw” e “Extreme Pain”. Na maior parte do ‘set’ o pessoal da produção teve trabalho redobrado para amenizar a invasão. Mesmo com Wolney (guitarra, vocal) pedindo aos bangers que tivessem atenção com os pedestais e fios, a galera não se continha e, em meio a muitos ‘stage divings’, ainda tinha quem tirasse ‘selfies’ em cima do palco com a banda tocando. O jeito foi continuar o espetáculo com a conhecida “1964” e a sugestiva “Destroying In The Mosh Pit” antes de um Wall of Death comandado por Wolney. Todo show do Betrayal acompanha alguns covers de bandas de sua cidade, Fortaleza; para este, os ‘thrashers’ mandaram ver em “Inhuman Despair” do Critical Death e “Massacrados Pela Mídia” do Diagnose, além de “Álcool” do Dorsal Atlântica que finalizou a “destruição”.
O Obskure foi o próximo a garantir o entretenimento. A banda sempre se preocupou com a qualidade de seu trabalho tanto em estúdio como ao vivo, e isso sempre é conferido em músicas como “From One Who Stopped Dreaming…” As partes de teclado se encarregam de sustentar o clima sombrio dos CDs –, alguns momentos cruciais apareceram em “Christian Sovereign” com suas paradas mortais. Aqui a galera pôde conferir não apenas canções do “Dense Shades Of Mankind” (2012) como também do álbum de 1997 “Overcasting” e de “Opressions In Obscurity” (1992), o que faltou – e que fez muitos ali perder uma oportunidade de ouro – foi a execução de “Hidden Essence Rescue” que traz a participação da cantora e apresentadora do evento, Claudine Albuquerque (Nafandus). Contudo, o Obskure fez uma ótima apresentação.
Seguindo um horário aproximado ao previsto, os mineiros do Deathraiser subiram para encerrar a 16ª edição do “ForCaos” começando com “Violent Aggression”, título de seu álbum lançado em 2011. O espaço à frente do palco ficou ainda mais estreito para o grande ‘mosh’ de ‘thrashers’ que se formava. Sem perder tempo, o vocalista e guitarrista Tiago elogiou o público e agradeceu à forma como foram tratados nesta primeira viagem a Fortaleza. Depois de “Annihilation Of Masses”, a banda segue com “Corporation Parasites”. Como nada está livre de imprevistos, justamente no set do Deathraiser um problema surgiu com uma das caixas do palco, porém, a equipe técnica preparadíssima não levou mais que poucos minutos para realizar a troca do equipamento. Resolvido tudo, os visitantes continuaram a festa com “Terminal Disease” até a hora de homenagear seus conterrâneos do Sarcófago com o cover de “Screeches From The Silence”.
Muitos não acreditavam que o “ForCaos” pudesse retornar neste 2015 devido a não realização do ano passado, mas quem acreditou no trabalho da ACR pôde abrir um largo sorriso e, os que não acreditaram, puderam se surpreender mais uma vez com a qualidade e compromisso de quem faz o evento. Mesmo este ano oferecendo um elenco mais underground do que os anteriores, a festa foi linda e representativa para o Rock/Metal do Nordeste. Que essa iniciativa, que já perdura por 16 anos seja imortal.