A Gangrena Gasosa, instituição do underground carioca, inventores do Saravá Metal e do Macumba Core, vem criando uma relação tardia, mas muito proveitosa com o público paulista. Com mais de vinte anos de estrada e mais formações diferentes que o Napalm Death, os emissários encarnados das religiões de matriz africana no Brasil estão prestes a lançar mais um disco, o sugestivo “Gente ruim só manda lembrança pra quem não presta”, que foi financiado coletivamente e está sendo gravado no Dissenso Studio, na capital paulista. E foi nesse clima amistoso que uma malta de desqualificados se dirigiu ao SESC Belenzinho no meio do feriado prolongado da Independência para gritar os pontos mais extremos de todas as encruzilhadas. A banda, que é amada e odiada na mesma intensidade, consegue agregar os mais diferentes públicos e essa heterogeneidade é uma coisa que não passa despercebida, seja em termos de idade, estilos e interesses dos presentes.
Pontualmente às 21h30min a banda entrou no palco anunciada pelo serviço de autofalantes do SESC. O palco tinha como ornamentos uma clássica e indispensável cumbuca com farofa e o fundo de palco com o nome da banda e o rosto de seu mascote, uma versão zumbi da entidade Zé Pelintra, originária do catimbó e difundida entre vários terreiros de umbanda. Mas ao contrário da ausência de elementos de cena no palco, a indumentária dos músicos seguiu a tradição da Gangrena, com todos os integrantes “incorporando” suas entidades. Renzo “Exu-Mirim” (ex-D.F.C.) na bateria, Gê “Pomba Gira das Almas” na percussão, Zé Pelintra (Ângelo Arede, ex-baixista da Dorsal Atlântica) nos vocais, Diego Padilha “Tranca Rua das Almas” no baixo e Minoru Murakami, aqui Exu Caveira, na guitarra e o novo Omulu, Eder Santana, recém-integrado à banda em substituição a Jorge Allen, após um processo seletivo que foi postado em vídeo pela Gangrena em suas redes sociais.
A banda iniciou sua apresentação com “Se Deus é Dez, Satanás é 666”, música que dá nome ao seu disco anterior, álbum do qual tiraram o próximo som executado, “Black Velho”. “Surf Iemanjá”, presente em “Smells Like Tenda Spirita” (1999), teve uma das reações mais efusivas do público. Animação retroalimentada pela empolgação com que a banda se portava em palco, sendo nítida sua satisfação em estar no palco executando seu set.
E a mais polêmica de todas veio com “Quem gosta de Iron Meiden também gosta de KLB”, uma ode ao antigo Maiden e uma provocação ao atual fã médio da Donzela. A apresentação seguiu mostrando músicas de todas as fases da banda. As tradicionais “Exu Noise Terror”, “Welcome to Terreiro”, “Saravá Metal” e “Despacho From Hell”, dividiram espaço com “Hardcore Gangrena⁄ D.F.C.”, “Eu Não Entendi Matrix” e a versão do clássico do Ratos de Porão, a infame “Benzer Até Morrer”. E antes de “A Supervia Deseja a Todos Uma Boa Viagem”, Zé Pelintra ensina uma forma bem peculiar de lidar com os pregadores evangélicos do transporte público: um grito de “Satanás” vindo do fundo da alma. Se dará certo eu não tenho ideia, mas seria bem engraçado presenciar esse embate.
Algumas músicas de seu novo disco foram apresentadas ao público, como o Manifesto carnívoro “Carnossauro Diet” e a faixa que dá título ao trabalho, a emblemática “Gente Ruim Só Manda Lembrança pra Quem Não Presta”. O set ainda guardou umas surpresas, como a inclusão de última hora das músicas “Headbanger Voice” e “Fist Fuck Agrédi”, sem falar do autêntico bis proporcionado pela Gangrena, com mais uma execução das músicas “Centro do Pica-Pau Amarelo” e “Surf Iemanjá”, que encerrou o show da banda e ainda presenteou os presentes com stage divings de Zé Pelintra e Omolu. Esse último, talvez seja o mais perfeito substituto já encontrado para o posto ocupado originalmente por Ronaldo Chorão. Performance impecável!