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GENTLE SAVAGE – CONEXÃO FINLÂNDIA-MUNDO

Se você está acostumado ao moderno hard rock europeu, aquele dos anos 2000 para cá e muito bem representado por bandas suecas, especialmente, abra espaço para algo completamente diferente. Oriundo da Finlândia, o Gentle Savage mostra em seu disco de estreia, “Midnight Waylay” (2021), que é possível trazer novos ares para o estilo e, especialmente, fazer algo que ninguém mais está fazendo no Velho Continente. A mistura feita por Tornado Bearstone (vocal e guitarra), Tim O’Shore (guitarra, recém-substituído por Henri Sun), Vance Bead (baixo), Theo van Boom (teclados) e Jay B (bateria) merece uma audição atenta. Entenda nesta entrevista por quê.

Como você tem passado essa interminável pandemia?
Tornado Bearstone: Tudo isso tem sido muito difícil para músicos e bandas no mundo todo, mas na Finlândia… Somos um país pequeno, e as casas de shows e restaurantes que costumam ceder seus espaços para shows se deram muito mal. Com isso, tem sido difícil de conseguir datas. Agora que as coisas estão lentamente reabrindo na Europa, bandas grandes têm conseguido shows e lugares para tocar, mas muitos lugares menores fecharam. Assim como todo mundo, estamos na esperança de ultrapassar essa fase. E na torcida para que fique tudo bem.

Serei honesto com você: até surgir a oportunidade de fazer esta entrevista, eu não conhecia o Gentle Savage. Fiz a minha pesquisa, obviamente, mas gostaria que você se apresentasse ao fã brasileiro de hard rock.
Tornado: Certo! Eu sou Tornado Bearstone, compositor, vocalista e letrista da banda, mas também toco guitarra base. Jay B, o baterista, está conosco praticamente desde o início; tem o Vance Bead, que começou a banda comigo anos atrás e é o baixista; nosso tecladista é o Theo Van Boom, que mora em Amsterdã e vem até a Finlândia para ensaios e shows; e, por fim, temos Tim O’Shore, nosso guitarrista. Somos todos músicos profissionais, sendo que os caras têm graduação em música. Eu nem me importo com isso, mas eles têm, enquanto eu sou apenas o compositor e o cara que grita (risos).

A história da banda começou em 2013, com a música “Hey Hey Hey Hey”, depois rolou o EP “Introduction”, mas levou um tempo razoável até o primeiro álbum. Por quê?
Tornado: Em 2013, quando começamos, tínhamos muita dificuldade para encontrar os membros certos. Tivemos vários guitarristas e tecladistas, e até 2016 não havia como gravarmos algo definitivo dessa forma. Nosso setlist estava pronto, mas somente as três que estão no EP possuíam o que precisávamos para lançar um disco. Logo depois que o EP foi lançado, o guitarrista nos deixou, sendo que o tecladista também não estava mais tão interessado. Tivemos de encontrar novos membros, e o processo recomeçou. Quando eles saíram, eu já tinha acertado datas para começarmos as gravações. Como o tempo de estúdio era muito caro e tínhamos um produtor, precisei encontrar uma maneira de fazer isso, então eu comecei as gravações em 2018 ao mesmo tempo em que buscava novos integrantes, porque Vance e Jay ainda estavam comigo. Uma vez que não podíamos ensaiar, tomei a decisão de gravar com músicos que eu conhecia as duas músicas que já estavam esquematizadas. Foi difícil encontrar Tim porque é muito complicado achar guitarristas na Finlândia, uma vez que todos eles tocam muito rápido e exclusivamente heavy metal, e não queríamos alguém focado nesse estilo, mas um guitarrista que soubesse e pudesse conectar o blues com o metal e com tudo o que compõe o rock’n’roll.

Gentle Savage
Theo van Boom, Tim O’Shore, Tornado Bearstone, Vance Bead e Jay B: fora das convenções do hard rock europeu


Ou seja, acabou sendo um processo de maturação.
Tornado: Sim! Teve algo positivo nessa espera toda, porque eu tive tempo de pensar nas histórias e ligar as músicas entre elas. Também pude trabalhar na arte de capa com o meu amigo Vin Valentino, um grande artista gráfico que também é músico. Temos uma conexão muito boa, e ele consegue entender e captar minhas ideias. Mesmo que sejam contrastantes, Vin compreende minhas visões (risos). No caso de “Midnight Waylay”, a palavra ‘waylay’ significa emboscada, como predadores que ficam de tocaia à noite. Um show de rock é como uma emboscada. Você nunca sabe o que irá acontecer, e essa é a ideia por trás do título do disco, então começamos a construir uma imagem em torno dessa ideia. O céu da meia-noite na Finlândia mostra muitas imagens, e esses pequenos detalhes se conectam com as músicas. O conceito da lua, com a escada e nossa logo, era o básico, e se você olhar a imagem bem de perto, verá que estou deitado numa cratera da lua. Inicialmente, eu havia pensado num castelo, mas esse elemento tem sido usado exaustivamente desde o Rainbow (risos), e como o Gentle Savage é uma banda moderna conectada com as raízes do rock, eventualmente eu quis algo que conectasse o futuro ao passado, por isso tem a roda-gigante. E tudo está ligado às canções. Você pode perceber detalhes das letras na capa, e nossa pequena piada com o disco-voador é uma referência ao pós-show, quando estamos cansados e não queremos sequer voltar para o hotel, mas apenas aparecer no próximo lugar (risos). Deixamos espaço para o bom humor no nosso trabalho porque muitas bandas são sombrias, só que nós não temos essa necessidade. Qualquer um pode ser fodão, e isso não é um problema, mas é por isso que mostramos a que viemos. Eu amo quadrinhos e capas de álbuns antigos, por isso adoro a experiência de ouvir a música enquanto olho para a capa e encontro relação entre as faixas. No fim, foi uma boa coisa ter demorado tanto.

Vamos falar de “Midnight Waylay”, e gostaria de começar com a declaração de Kimmo Kuusniemi de que o álbum o fez se lembrar de Deep Purple e Black Sabbath…
Tornado: Ah, Kimmo foi um dos primeiros caras na Finlândia a gravar heavy metal e hard rock nos anos 1970, quando ninguém estava fazendo nada semelhante por aqui. Atualmente, ele é empresário de artistas, e a responsável por relações com a mídia mandou nosso disco. Quando soubemos desse feedback… Cara, achamos muito legal! (risos) Quando eu penso sobre a nossa música, acho que consigo ouvir o Deep Purple ali, mas isso não fica tão óbvio por causa dos outros caras da banda e as cores e a modernidade que eles adicionam às músicas. Se fosse eu fazendo tudo sozinho, certamente soaria muito mais como Deep Purple e Black Sabbath.

Eu não tive essa percepção de Deep Purple, mas isso talvez se deva ao fato de ter escutado “Lovin’ Ain’t Easy” antes do álbum como um todo. Ela é tão diferente que imagino que seja por isso que não está no disco…
Tornado: Nós a regravamos e queríamos lançá-la, mas desde o começo eu já tinha a sensação de que não entraria no álbum. É uma ótima música, é como soávamos no início, e se você também ouvir “Hey Hey Hey Hey”… Bom, provavelmente, ela é uma das razões de não querermos voltar no tempo. Nós a lançamos porque é uma ótima música e muita gente curte esse tipo de rock, só que não é mais o perfil da banda. Se a tivéssemos colocado no disco, teríamos bagunçado todo o conceito. No entanto, acredito que ela deve entrar como bônus no CD.

Minha música favorita no disco, “After All”, reforça o que chama a atenção durante toda a audição: não se trata do típico hard rock europeu, especialmente dos anos 2000 para cá. Neste caso, a sua voz é bem peculiar, então adiciona um novo sabor à canção.
Tornado: Eu estava tocando minha guitarra sem pensar muito, apenas tocando um ritmo meio latino. Mostrei para os caras, e eles perguntaram: ‘Ok, vamos tocar bossa nova agora?’ (risos). E eu disse: ‘Não sei, mas vamos tentar!’, porque eles conseguem tocar isso! Assim, fizemos numa pegada meio brasileira e experimentamos alguns estilos. Quando eu componho uma música e começo os arranjos, gosto de dar liberdade ao momento para tentarmos coisas diferentes. Nos ensaios seguintes, fui com a ideia de tentar um estilo rocksteady (N.R.: surgido na Jamaica na década de 1960, é um gênero próximo ao ska) e manter o groove que se ouve na versão final de “After All”. Quanto aos vocais, não sei dizer por que gravei daquela forma, porque nunca tinha feito algo parecido. Lembro-me dos caras dizendo ‘Isso vai mesmo entrar no disco?’ (risos), mas o toque final foi na mixagem, porque até então eles tinham escutado apenas como tocamos nos ensaios. Quando ouviram a mixagem final, todos descobriram a guitarra que eu coloquei, mais pesada, o que mudou o estado de espírito da música e, estranhamente, criou um equilíbrio entre os demais elementos. Por causa dessa liberdade, é uma das minhas favoritas do disco, também! Sei que os fãs mais fervorosos de heavy metal não gostarão dela, mas que se dane! (risos) Nem todo mundo se liga nessa música, só quem realmente conhece rock percebe as nuances, como foi o seu caso. Fiquei muito feliz com a sua observação, e “After All” é o que explica o nosso nome, uma combinação da gentileza com o selvagem. São pequenos detalhes aqui e ali.

Exatamente. É natural que as pessoas esperem algo como o moderno hard rock europeu, apesar de o Gentle Savage ser finlandês, e não sueco (risos), mas é uma agradável surpresa observar influências rock’n’roll de bandas como Black Sabbath, The Who e Aerosmith.
Tornado: Sim, é isso mesmo! Somos finlandeses, conhecemos nossa história e amamos nosso país, mas não somos uma banda folclórica. Dizemos que não somos sequer uma banda europeia, porque queremos ser globais. Eu nasci na Áustria e atualmente moro na Finlândia, enquanto Vance mora na Holanda, e por aí vai. Estamos por aí, e essa é a ideia. Sobre o som, obrigado por notar as influências, porque nem todo mundo percebe. Isso é a coisa mais importante, porque é possível ter boas músicas e ter um bom grupo de músicos, mas se você perde ou não adquire uma sonoridade, não se chega ao nível desejado. E isso é algo que eu sou grato ao meu amigo Timo Kämäräinen, nosso produtor, porque ele me ajudou com as duas primeiras músicas e nos colocou em contato com o brilhante Jesse Vaino, engenheiro de mixagem que deu o toque final na sonoridade que você ouve no disco. Tudo está interligado. As músicas parecem simples, mas não são. Uma banda qualquer não as executaria com os detalhes que estão ali, porque está tudo ligado: o conceito, a sonoridade… E a sonoridade plástica do hard rock de sempre é tão entediante! Já temos muito disso, então buscamos algo orgânico, com músicos tocando de verdade. Muitos dos solos do Tim foram gravados de primeira! Ele até queria alterar algumas coisas, mas eu achei que estava excelente como estava. E as músicas ficam melhores a cada audição, porque são orgânicas.

E há outra entre as minhas favoritas, que é “Personal Hades”, especialmente por causa da mensagem. Você poderia explicar a história por trás da letra?
Tornado: O título já entrega que é algo pessoal. Eu passei por maus bocados, não nasci em berço de ouro e sofri bastante. E o sofrimento traz outros elementos para a sua vida. Traz azar, porque você passa a acreditar nessas coisas, começa a tomar decisões erradas com facilidade, e finalmente as coisas chegam a um ponto em que você está num estado emocional tão restrito que parece não haver saída. Se isso se prolongar, o que acontece? A pessoa comete suicídio. Eu nunca fui tão longe, mas foi por pouco. E na letra tem essa parte que diz ‘someone save me’, e eu não estou buscando salvação divina, de anjos ou de Jesus Cristo, mas salvadores reais, pessoas que podem fisicamente me ouvir e me compreender. São as pessoas que o salvam. Essa história é real, assim como em cada música há algo ligado à minha vida ou à de alguém que eu conheço. Quanto à presença de Hades, trata-se de uma figura mitológica conhecida, e era a imagem perfeita para o que eu tinha em mente, uma expressão para quando se está verdadeiramente depressivo, num estado muito negativo dentro de si mesmo, sentindo-se preso e sem saída. Hoje eu sei que sempre há uma saída, mas na época eu não sentia isso.

É muito mais profundo e tocante do que eu poderia imaginar, porque, num primeiro momento, é possível relacionar a letra a um dano na saúde mental causado pela pandemia…
Tornado: É minha história pessoal, mas eu entendo que qualquer pessoa que se sinta presa pode ir por esse caminho. Então também pode se encaixar nessa situação, de pessoas querendo, por tudo isso, encontrar uma saída para angústias geradas nelas mesmas.

“Midnight Waylay” é um álbum que flui muito bem, e não é porque tem apenas 39 minutos de duração, o que é até curto para os padrões atuais. A ordem das faixas foi bem planejada, não?
Tornado: Sim, foi! E eu mexi para todos os lados, e muitas vezes! Até que chegássemos ao que temos hoje, passei meses refazendo a ordem. Sendo muito honesto com você, não tínhamos a ordem final até lançarmos o último single. Quando o Valentino perguntou se eu tinha a lista para ele trabalhar a contracapa, eu disse: ‘Ainda não! Desculpe-me!’ (risos). Precisei ouvir a última mixagem, da última faixa restante, para entender onde cada uma entraria, e isso se deu basicamente em torno de “After All”, “Karelian Magic” e “Carry the Fire”, de modo que a lista apresentasse emoções diferentes. Por exemplo: “Karelian Magic” é uma música fácil, tem um bom riff, muita coisa acontecendo nela e o refrão mais pesado, então tinha que abrir o disco… Por isso digo que “Midnight Waylay” é, para mim, um disco conceitual, mas não da forma como as pessoas normalmente pensam num trabalho conceitual. Tenho o hábito de ouvir álbuns e realmente me perder neles. Desligo-me do mundo e me lanço naquelas músicas, o que é quase como uma purificação. Posso ouvir “Holy Diver” e depois Pavarotti, porque não se trata de estilo. Trata-se do estado de espírito, do que eu preciso naquele momento. E essa é a ideia por trás do nosso disco: deixe-se levar pelas músicas.

Muito obrigado pela entrevista, Tornado, e o espaço é todo seu para qualquer coisa que queira acrescentar.
Tornado: Foi um imenso prazer falar com você, e eu adoraria poder tocar no Brasil! E se um dia você vier à Finlândia, será muito bem recebido!

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