Por Valtemir Amler
É algo que já comentamos por aqui antes: Apesar de ter um dos mercados consumidores mais aquecidos de todo o planeta, e de contar com uma tradição e influência gigantescas em todo o mundo do metal, demorou muito tempo até que as pessoas realmente começassem a levar a sério o black metal vindo dos EUA. Se até hoje muitas pessoas não conseguem assimilar o metal negro vindo da América do Norte, bandas como o Goatwhore são praticamente uma exceção, já que é difícil encontrar um fã de música pesada que torça o nariz para o som da banda. Muito disso pode ser explicado pela abrangente, tóxica e extrema fórmula musical do quarteto, que vai do thrash ao death e de lá para o black em questão de segundos, garantindo uma viagem completa para os fãs de metal extremo. Formada em 1997 em New Orleans por Sammy Duet, guitarrista que anos antes havia feito fama ao lado do ato sludge Acid Bath (e que também passou por bandas como Crowbar e Eyehategod), o Goatwhore é hoje um dos destaques da cena extrema estadunidense, e conta com um time de causar inveja, completado pelo baterista Zack Simmons (Doomsday, ex- Dååth e Nachtmystium), o baixista Robert “Trans Am” Coleman (ex-Ancient Vvisdom e Hod) e o vocalista Louis Benjamin Falgoust II (Soilent Green e ex-Flesh Parade). Contando com oito álbuns completos de estúdio além de um par de splits, eles ostentam uma discografia sólida e firme, assim como também é a história que os trouxe até aqui. Para conversar sobre tudo isso, falamos com Sammy Duet.
Não é nada que possamos realmente considerar ‘um longo hiato’, mas de fato existe uma lacuna de tempo maior que o usual entre Vengeful Ascension (2017) e Angels Hung from the Arches of Heaven (2022). O que aconteceu nesse ínterim?
Sammy Duet: Sim, passou um tempo maior do que gostaríamos, e posso te dizer que o nosso plano original era de entrar no estúdio no final de 2020. Porém, da forma como as coisas estavam acontecendo naquela época, com todos os atrasos e estúdios fechados, não havia nada que pudéssemos realmente fazer além de esperar e escrever algumas canções a mais. Esse foi o motivo principal dessa demora nada usual.
Então, basicamente o processo de composição estava dentro do cronograma usual, foi na parte da gravação que rolaram os atrasos.
Sammy: Exatamente, comecei a ter ideias para Angels Hung from the Arches of Heaven em 2018, e em 2019 já estava refinando aquelas ideias e completando as canções. A ideia era de qualquer maneira tomarmos o ano de 2020 para focar no álbum e amarrar algumas últimas pontas soltas nas músicas que tínhamos, e então partir para a gravação, e foi só ali que o cronograma fugiu totalmente das nossas mãos.
Uma perspectiva bem diferente para quem vive ativo no underground há mais de trinta anos.
Sammy: Sim, e foi assim por todos os lugares. Existiam coisas muito ruins acontecendo no norte dos EUA, em Nova Iorque as coisas ficaram totalmente fora de controle durante um bom tempo, e isso meio que espalhou o caos por todos os lugares. Aqui na Louisiana vivemos algo muito parecido, especialmente aqui em New Orleans. Esta cidade basicamente vive das ruas, é uma cidade repleta de opções de entretenimento, você sabe, teatros, cinemas, bares, restaurantes, eventos esportivos e musicais, estúdios de produção de todos os tipos de artes, isso é o que necessariamente significa viver em New Orleans. De repente, todos esses lugares estavam fechados, e você só podia ficar trancado em casa, esperando que o mundo não desmoronasse. Mesmo com todo esse caos, estou bem certo que teríamos ido para o estúdio se tivéssemos tido uma chance, pois é como você disse, é isso que fazemos. Não pode ser naquela ocasião, então usamos o tempo que tínhamos, e felizmente hoje podemos deixar isso tudo para trás e olhar adiante.
E, ouvindo Angels Hung from the Arches of Heaven, fica claro que vocês usaram o tempo que tinham com sabedoria.
Sammy: Muito obrigado. Sabe, além de tudo, escrever era a única coisa que podíamos fazer. Todas as outras coisas típicas de uma banda não existiam mais, não podíamos gravar, não podíamos pegar a estrada, não podíamos tocar ao vivo. Sentar e escrever novas músicas era a única coisa típica de uma banda que nós e tantas outras formações podiam fazer, então era o que tinha que ser feito. Acho que muitas dessas bandas hoje não existiriam mais se não tivessem usado aquele tempo para compor, pois não existia mais nada que os unisse ao underground naqueles dias.
É verdade. Bem, Angels Hung from the Arches of Heaven é um ótimo título para um álbum de metal extremo, e meio que sugere um conceito. Esse é um álbum conceitual?
Sammy: Ok, esse não é um álbum conceitual propriamente dito, mas de alguma maneira existe um tema recorrente que percorre todas as canções. Em todas as canções existe uma certa inspiração na negatividade, um sentimento perverso que meio que conecta todas as canções. Liricamente você consegue perceber essas conexões, e quisemos ir por esse caminho porque hoje todos falam em ser positivos e fazer o bem, mas nunca vimos tanta maldade no mundo (risos). Falar no bem e fazer o mal não é a coisa mais negativa que existe? Esse lado cruel do ser humano, é isso que quisemos retratar aqui. Antes que você possa perguntar, é claro que a pandemia também tem um pouco a ver com isso, pois assistíamos aos jornais naquela época e víamos as coisas que estavam acontecendo, enquanto milhares de pessoas sofriam com o que estava acontecendo, outros estavam lucrando, e no final diziam ‘estamos todos no mesmo barco’. Não, nem todos estavam, e isso ficou muito claro. Veja, não estou querendo ser político aqui e nem nada do tipo, essa não é a coisa do Goatwhore. O que nos interessa é o sentimento que havia no ar, a falta de esperança daqueles que não sabiam o que viria a seguir, daqueles que não sabiam se a vida um dia seria novamente como era antes. É um sentimento muito pesado olhar para o futuro e não o reconhecer, e perceber que ele está te olhando com agouro no olhar. Foi um período muito obscuro, que será estudado no futuro e que nós vivemos, e, de alguma maneira, isso pode ser muito inspirador.
Certo. O Goatwhore tem uma história de mais de trinta anos, uma discografia sólida e fãs distribuídos em todo o mundo, e recente li uma declaração sua que esta foi a primeira vez que uma pessoa de fora da banda deu algum tipo de sugestão a vocês e vocês de fato incorporaram essa sugestão ao seu som. Você estava falando de Kurt Ballou (guitarrista do Converge e produtor musical), certo?
Sammy: Certo, é isso mesmo! Como posso explicar, Kurt sempre foi alguém por quem nutrimos um enorme respeito. Somos fãs da qualidade de produção que ele atingiu nos álbuns que produziu ao longo dos anos, e somos fãs da música que ele vem criando ao longo dos anos também, então, ele é alguém por quem temos respeito, em todos os aspectos. Bem, o que aconteceu foi que antes de realmente estar envolvido na produção do álbum, nos dias em que ainda estava apenas gravando as primeiras demos, eu estava sentado aqui com a minha guitarra tocando alguns riffs, e ele começou ‘você se importaria se eu colocasse algumas ideias na mesa em relação a essas partes que está tocando agora? Sinto que tem algumas coisas aqui e ali que poderíamos trabalhar um pouco mais’. Tudo o que pude responder naquela hora foi ‘é claro, toda sugestão é muito bem-vinda’. A verdade é que aquele foi o melhor momento possível para ter algumas boas ideias que me ajudassem, pois já fazia muito tempo que eu estava trabalhando nessas mesmas músicas. Usando um exemplo, é como se você fosse um pintor que está trabalhando durante dois anos numa mesma pintura, está completamente focado nela, e então chega alguém de fora, que está vendo aquela pintura pela primeira vez. Ela provavelmente vai ver alguma coisa que você não está vendo. Essa foi a coisa com Kurt. Eu estava tão obcecado com aquelas músicas, a minha mente estava trabalhando de uma maneira tão restrita que foi absolutamente incrível que chegasse alguém de fora, que eu respeito e admiro e me oferecesse um par de orelhas atento e observador, que pudesse me apontar se estava indo na direção certa ou não. E ele foi tão focado, em nenhum momento tentou fazer nenhuma transformação absurda na música, ele apenas repensou detalhes e nuances, coisas realmente pequenas, mas que fizeram uma diferença enorme no resultado final.
Para encerrar, como foi a experiência de tocar com Eyehategod, Crowbar e Acid Bath, três gigantes do sludge de New Orleans?
Sammy: Cara, cada uma dessas experiências foi algo ótimo. Nunca cheguei a realmetne integrar o Eyehategod, apenas fiz alguns shows como vocalista, pois somos muito amigos e Mike Williams estava doente, então me ofereci para que pudessem continuar a turnê. Com o Crowbar eu realmente passei algum tempo, acho que gravei três álbuns com eles, ótimos álbuns. Ainda sou fã da banda, e Kirk Windstein é uma das melhores pessoas do mundo. E aqui está uma coisa legal, pois o Acid Bath foi a minha primeira banda de verdade, foi ali que experienciei a estrada pela primeira vez, e quando estava naquele momento à deriva, sem ter nada o que fazer, pois estava entre o Acid Bath e o Goatwhore, Kirk me ajudou muito ao me chamar para o Crowbar! São ótimas lembranças que tenho, e vicemos algumas boas histórias juntos!
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