Dentre as profundas transformações ocorridas no universo da música, mais especialmente no rock e heavy metal, no decorrer do Século 21, a sua produção pasteurizada tão comum e o consumo imediato e volúvel são as mais marcantes. Felizmente, tem crescido o número de bandas fazendo um som mais orgânico, calcado em vertentes setentistas, repleto de feeling e que prende a atenção na audição. A banda carioca Gods & Punks, atualmente formada por Alexandre Canhetti (vocal), Pedro Canhetti e Rafael Daltro (guitarras) e Danilo Oliveira (baixo), se enquadra nesse contexto com a mescla de doom metal, stoner rock, psicodelia e prog, acrescidos de alguns elementos modernos. Conversamos com o vocalista Alexandre, que falou sobre isso e outros fatos de sua história, que chega agora ao terceiro álbum, And the Celestial Ascension e ao EP acústico Different Dimensions.
Vocês lançaram o EP acústico Different Dimensions para arrecadar fundos para famílias que estão passando necessidade por causa da pandemia do coronavírus. Como foi isso?
Alexandre Canhetti: Estávamos nos prontificando para gravar o sucessor do And the Celestial Ascension, mas por conta da pandemia nós sabíamos que não conseguiríamos nos reunir em um estúdio tão cedo, muito menos levantar o restante do dinheiro necessário para a gravação com shows e eventos. Quando colocamos isso em pausa por um tempo, pensamos no que poderíamos fazer. Foi então que tivemos a ideia de fazer um EP acústico beneficente. Gravamos em casa mesmo, e tivemos ajuda do artista Bruno Kros, que fez a arte do EP sem nos cobrar, para que o projeto tivesse o menor custo possível. Eu mesmo produzi, mixei e fiz a masterização. Gravamos em um dia todos os instrumentos, e em outro dia os vocais.
Qual foi o saldo dessa campanha com o EP?
Alexandre: A campanha de lançamento do EP acabou no início de junho e arrecadou 3 mil em cestas básicas.
A separação temporal entre o EP e o terceiro álbum And the Celestial Ascension é ainda curta. Em termos musicais, como enxerga a conexão e diferença entre ambos?
Alexandre: Não curtimos ficar parados, e temos pouco tempo até que o Pedro, nosso guitarrista solo, vá passar um ano fora, em Barcelona. Por isso, precisamos adiantar todos os nossos planos de gravar o próximo disco. Estamos acostumados a lançar música nova todo ano. Como os planos de lançar o quarto álbum esse ano foram descartados, lançar um EP com quatro versões acústicas e uma música nova não foi tão desafiador quanto parece. Na verdade, foi muito mais simples do que um álbum comum. Não se compara com o desafio de lançar um disco como o …Ascension.
No EP, as versões acústicas para Transparent Chains e Escape to the Stars são as melhores representações do Gods & Punks nesse formato. O que pensa sobre isso?
Alexandre: Todas as quatro versões contidas no EP têm elementos que gostamos muito. Dunes of Doom acabou ficando com um refrão melhor do que a original. Transparent Chains ficou com uma pegada bem brasileira nos versos e Escape to the Stars ressaltou sua parte relaxante e viajante. Já a Black Apples ficou ainda mais blues acústica e com harmônica.
Explique-nos o conceito central que entrelaça o EP The Sounds of the Earth (2016), os álbuns Into the Dunes of Doom (2017), Enter the Ceremony of Damnation (2018), And the Celestial Ascension e o atual EP?
Alexandre: Excluindo o EP The Sounds of The Earth, os nossos álbuns fazem parte da ‘Voyage Series’, que contam uma história. Todas as músicas, as temáticas, tudo conta uma narrativa quando alinhadas na ordem cronológica correta. Tudo isso ficará muito mais esclarecido com o lançamento do último disco dessa série, que é o próximo. Nosso plano é lançar também uma série de quadrinhos contando a história.
O Gods & Punks tem sido definido como uma banda de stoner doom progressivo, o que tem certo sentido sintético de definição. O que pensam sobre isso?
Alexandre: Eu definiria o som que a gente tem feito bem assim mesmo. Os nossos três álbuns têm essa pegada.
Dentre as faixas mais experimentais, ricas musicalmente e marcantes em And the Celestial Ascension, Ascension, Infinite Hourglass e Dying Planet sintetizam bem o conjunto da obra. Qual a importância delas no processo que envolveu o álbum?
Alexandre: Ascension tem a letra mais otimista que já escrevi, e isso foi algo muito natural. Foi aí que percebi que uma fase bem tensa da minha vida tinha, ao menos, melhorado bastante. Por outro lado, Infinite Hourglass é, provavelmente, a música mais elogiada. E isso veio como uma surpresa, porque não é uma música tão fácil de assimilar. Por fim, Dying Planet também entre minhas favoritas, pois é bem direta. Surgiu de um riff que Pedro fez e aquele breakdown viajante dela foi ideia do Danilo, o que a deixou bem melhor.
Além do Monster Magnet e outras influências clássicas, como Black Sabbath, Led Zeppelin e Rush, vocês também mencionam nomes como Kadavar, Truckfighters e Uncle Acid and the Deadbeats, que vêm agitando o crescente ‘revival’ setentista na última década. O que acha dessa reafirmação do som daquela época? E o ‘boom’ stoner rock e doom metal no Brasil nos últimos anos?
Alexandre: Pessoalmente, acho excelente. Apesar de curtir muita música atual, acho que no rock a maioria das minhas bandas favoritas vem dessa época, e boa parte das minhas outras bandas favoritas foram diretamente influenciadas por essas bandas setentistas. Quanto ao stoner e o doom, que vêm crescendo bastante no mundo todo nessa última década, acho natural, uma vez que o rock em si evoluiu tanto que, de certa forma, já não tem nenhuma ligação com suas origens.
Quais são agora os próximos passos seguindo o lançamento do EP nesse cenário da pandemia?
Alexandre: Vamos fazer mais alguns lançamentos exclusivos no Bandcamp para levantar dinheiro para a gravação do próximo disco, e focar em gravar isso o mais rápido possível. Depois, focaremos na campanha de lançamento dele, para o ano que vem.