O “nunca nesta vida” que virou o “nunca diga nunca”. Depois de carregar o Guns N’ Roses sozinho por quase duas décadas, pontuadas por momentos ‘freak show’, Axl Rose voltou a ter Duff McKagan à sua direita e, principalmente, Slash à sua esquerda – e vá lá que as ausências de Izzy Stradlin (mais) e Steven Adler (menos, até porque ele já deu o ar da graça em alguns shows desta “Not In This Lifetime Tour”) sejam sentidas, mas você parou para pensar que Richard Fortus está na banda há 15 anos? E que Frank Ferrer segura as baquetas faz uma década? E tem Dizzy Reed, tecladista presente desde 1990, mas agora com a companhia de Melissa Reese, que chegou este ano e justifica sua presença sacudindo com entusiasmo os cabelos azuis e também ajudando com backing vocals. Mas, enfim, o que importa é que foi essa turma que aportou no Brasil para seis shows, incluindo o Rio de Janeiro num Engenhão com mais de 40 mil pessoas, dos fãs de evento aos fãs de verdade, independentemente de que para muitos foi a primeira vez com Axl, Slash e Duff juntos.
E pouco importa se a turma da modinha passou o tempo inteiro indo comprar cerveja ou conversando durante as músicas menos famosas. Quem ficou de olho no palco assistiu a um grande show, que só não bateu aqueles de 1991, no segundo Rock In Rio, por questões emocionais. Senão, vejamos: luzes apagadas com apenas 15 minutos de atraso (AC/DC, eu te amo!), vídeo no telão anunciando que a festa havia começado, banda no palco e histeria com as primeiras notas de baixo de “It’s So Easy”. Ok, todo início costuma ser uma catarse, mas o negócio foi tão sério que Axl não escondia o sorriso. Nem os fãs. Muitos já não seguravam as lágrimas, aí veio “Mr. Brownstone” para lembrar que aquilo tudo era real – e prometo que só vou mencionar uma vez que “Appetite For Destruction” (1987) é um dos maiores e melhores discos de Rock em todos os tempos.
É possível dizer que qualquer música de “Chinese Democracy” (2008) nem precisava dar as caras, mas acabou que a faixa-título ganhou uma pegada verdadeiramente Rock’n’Roll graças ao dono da noite: Slash, cuja mão direita adicionou outro ‘punch’ à música, assim como a mão esquerda engrandeceu “This I Love” adicionando altas doses de ‘feeling’. Mas teve, sim, a desnecessária e chatíssima “Better”, que esfriou o clima do público que na sempre bem-vinda “Double Talkin’ Jive” ainda se recuperava da explosão de êxtase que rolou em “Welcome To The Jungle”.
Tudo bem, porque depois de “Better” teve “Estranged”, e como Slash faz a diferença! Não bastasse a canção ser belíssima, a ponto de perdoarmos o fim roubado de “Stairway To Heaven”, nela o guitarrista deu a mensagem definitiva: estava muito a fim de tocar, não enrolar. Sendo assim, “Roquet Queen” felizmente não teve os minutos intermináveis de improviso presentes na versão de sua banda com Myles Kennedy. Slash largou o dedo, claro, mas sem encher linguiça, favorecendo a não dispersão de atenção da plateia para a matadora dobradinha com “Out Ta Get Me”, que entrou no setlist brasileiro exatamente no Rio, e “You Could Be Mine”, que os fãs eventuais lembraram como aquela música do “Exterminador do Futuro”.
Logo depois, esses fãs eventuais puderam continuar indo ao bar comprar cerveja, afinal, Duff assumiu o vocal para uma correta versão de “Attitude”, do Misfits, e logo em seguida o momento Punk Rock deu lugar ao épico com as sensacionais “Civil War” e “Coma”. Era o momento de observar o Guns N’ Roses como banda, e as três estrelas da companhia ocupavam os espaços do palco com a facilidade que a experiência proporciona. Por mais que a química entre Axl e Slash não tenha saltado aos olhos, o vocalista, com o gogó afiado e mais magro que o habitual recente (Angus Young, você é o cara!), era o conforto em pessoa.
Nas mãos de Slash, o tema de “O Poderoso Chefão” anunciou o que todos, menos os fãs de ocasião, já sabiam: estava chegando a hora de “Sweet Child O’ Mine”. Você pode estar saturado, tudo bem, mas estamos falando de um verbete para perfeição. Das notas de guitarra que a anunciam, mas que não formam necessariamente um riff, ao solo de inspiração infernal, e dos arranjos e andamentos ao refrão, mesmo que esbanjando simplicidade, “Sweet Child O’ Mine” é um daquelas canções únicas na carreira de qualquer grupo. E na história da música, mesmo. Portanto, nada mais natural que as mais de 40 mil vozes tenham tornado aquele momento um dos mais especiais da noite.
Tocada pela primeira vez na América do Sul, e depois do Rio tocada apenas em Curitiba e Brasília, a agradável “Yesterdays” foi uma bela surpresa, assim como o papel de destaque alcançado por Fortus ao lado de Slash numa rendição acústica de “Wish You Were Here”, do Pink Floyd – o refrão do clássico chegou a ser entoado por um número razoável de pessoas. Foi a deixa para “November Rain”, uma das mais aguardadas, e na sequência para o coro regido por Axl em “Knockin’ On Heaven’s Door”, canção de Bob Dylan que o Guns N’ Roses tomou emprestada no início de carreira – e que funcionou melhor que “Live And Let Die”, diga-se.
A espetacular “Nightrain” encerrou a primeira e maior parte da festa, antes do protocolar bis que começou com “Don’t Cry”, cujo melhor momento foi a inserção de “Babe I’m Gonna Leave You”, do Led Zeppelin, no comecinho. Àquela altura, com mais de duas horas de show, todo mundo, até os fãs ocasionais que não paravam de conversar, ainda mais calibrados pela quantidade de álcool que passaram o show indo ao bar buscar, esperavam pelo clímax. Por isso “The Seeker”, do The Who, não fez feio, mas também não acrescentou.
Foi com “Paradise City” que o sorriso de felicidade dos fãs ficou grande o suficiente para mostrar todos os dentes. Pirotecnia e papel picado (ah, como o Kiss fez escola) deram a cor de um encerramento à altura de um, repito, grande show. Palavra de quem acha “Appetite For Destruction” é um dos maiores e melhores discos de Rock em todos os tempos – ops! Escapou… –, mas depois sempre teve reticências em relação ao Guns N’ Roses, principalmente e obviamente à época de banda cover liderada por Axl. Nada como o tempo para jogar a má impressão para debaixo do tapete.
Ah, sim… Teve Plebe Rude antes do Guns N’ Roses. Mas por que mencionar a seminal banda brasileira de Rock apenas no fim desta resenha? Porque até agora busco algum sentido para a escolha de Philippe Seabra (vocal e guitarra), Clemente Nascimento (ele mesmo, vocalista e guitarrista do ainda mais semifinal Inocentes), André X (baixo e vocal) e Marcelo Capucci (bateria) como abertura. Durante os pouco mais de 40 minutos de show, o merecido respeito do público se deu na forma de acompanhar a apresentação como se fosse som ambiente, exceção óbvia feita a “Proteção” (com uma palinha de “Pátria Amada”, do Inocentes), e “Até Quando Esperar”, mas ainda assim para a geração na casa dos 40 anos. Nem mesmo o louvável “Viva o Botafogo!” gritado por André X surtiu algum efeito futebolístico nas arquibancadas – explica-se: o Engenhão, ou Estádio Nilton Santos, é arrendado pelo Glorioso de General Severiano. Resumindo, um show bem feito que não funcionou.
1. It’s So Easy
2. Mr. Brownstone
3. Chinese Democracy
4. Welcome To The Jungle
5. Double Talkin’ Jive
6. Better
7. Estranged
8. Live And Let Die
9. Rocket Queen
10. Out Ta Get Me
11. You Could Be Mine
12. You Can’t Put Your Arms Around A Memory/Attitude
13. This I Love
14. Civil War
15. Coma
16. Slash Guitar Solo: Speak Softly Love (Love Theme From The Godfather)
17. Sweet Child O’ Mine
18. Yesterdays
19: Jam: Wish You Were Here/Layla
20. November Rain
21. Knockin’ On Heaven’s Door
22. Nightrain
Bis
23. Babe I’m Gonna Leave You/Don’t Cry
24. The Seeker
25. Paradise City