Por Marcelo Gomes
Fotos: Roberto Sant’Anna
O público paulistano teve a oportunidade de vivenciar, pela primeira vez, a insanidade festiva do Gutalax, banda tcheca de goregrind, em um show extra que demonstrou a demanda insaciável dos fãs paulistanos pelo som extremo e irreverente do grupo. A apresentação ocorreu no La Iglesia, um dia antes do show no Hangar 110, que estava com ingressos esgotados. No entanto, nem tudo foram flores: chegar ao local do evento foi uma verdadeira aventura devido às fortes chuvas que ocorreram durante a tarde. Pelo caminho, havia árvores caídas e muitos bairros estavam sem energia, o que também afetou o próprio La Iglesia, que ficou no escuro. A solução encontrada foi a locação de um gerador para evitar prejuízos ao público, o que resultou em um atraso de duas horas nas apresentações. A noite contou ainda com a participação da banda brasileira Trachoma.
Para minimizar ainda mais atrasos e transtornos ao público, que lotou o La Iglesia, assim que as portas foram abertas, às 22h, os paulistas do Trachoma iniciaram sua apresentação. O duo formado por Thales Gory (guitarra e vocal) e Rafaela Begore (bateria e vocal) apresentou o melhor do goregrind em músicas como We Came From the Filth, Brain Eating Amoeba, Hospital Purge e Medical Waste, entre outras, que, durante 40 minutos, prepararam o público para o que estava por vir.
Pouco antes das 23h, Martin Matoušek (vocais), Tomas Kojas (guitarra), Pavel Troup (baixo) e Petr Svoboda (bateria) subiram ao palco descaracterizados para realizar a passagem de som. Não demorou para que a euforia tomasse conta do ambiente. Com tudo pronto e sob a trilha sonora do filme “Ghostbusters”, os quatro músicos do Gutalax retornaram devidamente caracterizados com suas capas brancas, óculos de mergulho e máscaras de gás, transformando o palco em um verdadeiro carnaval escatológico e trazendo sua assinatura única de brutalidade sonora misturada a uma abordagem cômica.
O show teve início com Assmeralda e desde os primeiros acordes os fãs entraram na festa, embalados pelo instrumental enérgico e pelos vocais guturais característicos de Matoušek. Logo, rodas de mosh surgiram, acompanhadas pelo lançamento de rolos de papel higiênico pelo ar e fãs fantasiados das formas mais inusitadas, uma tradição nos shows da banda. Na lateral do palco, destacava-se a presença de João Gordo, do Ratos de Porão, que se declarou fã do grupo e acompanhou a apresentação da primeira fila.
A sequência com Nosím Místo Ponožky Kousek Svojí Předkožky e Shit of it All manteve a empolgação em alta, demonstrando que o público já estava completamente imerso na proposta do Gutalax. Durante Buttman a interação entre a banda e os presentes se destacou, com Matoušek incentivando ainda mais a insanidade coletiva. O vocalista aproveitou a oportunidade para mencionar que, em 2024, a banda celebra 15 anos de carreira, e que aquele show era como uma festa privada perfeita para dar continuidade à comemoração. Ao som da música Celebration, do Kool & The Gang, o Gutalax transformou o La Iglesia em uma pista de dança, com todos cantando e se divertindo nesse momento hilário.
Com títulos escatológicos e humor ácido, as músicas seguintes mantiveram a atmosfera caótica: Šoustání Prdele Za Slunné Neděle e Robocock desencadearam mais rodas de mosh e verdadeiras guerras de papel higiênico. Na sequência, uma música foi anunciada como um suposto cover do Meshuggah, justificando sua inclusão no setlist para provar que a banda também sabia executar composições mais complexas. No entanto, tocaram Kocourek Mourek Podráždil Si šourek, arrancando aplausos e reações divertidas do público, evidenciando que o humor é parte essencial do show.
Na reta final, a destruição sonora continuou com Diarrhero, Vaginapocalypse e Polykání Semena z Postaršího Jelena, músicas que representam a essência escrachada da banda. Fart and Furious e Total Rectal foram recebidas com entusiasmo absoluto, sendo esta última dedicada à equipe técnica e aos produtores do evento.
A performance de Vykouření Dařbujána Vietnamského Veterána foi marcada por um pequeno contratempo, quando Petr Svoboda quebrou a caixa da bateria, mas isso não desanimou o público. Em seguida, a participação especial de Thiago Monstrinho, vocalista da banda Worst, em Shitbusters, trouxe ainda mais peso e intensidade ao show, culminando com stage diving. O encerramento com Strejda Donald foi apoteótico, levando os fãs ao delírio e consolidando o sucesso do Gutalax em São Paulo.
A estreia da banda na cidade não poderia ter sido mais insana. Depois de um dia caótico, esse show foi exatamente o que o público precisava para extravasar. A atmosfera enérgica e festiva, aliada à entrega total da banda e dos fãs, transformou essa noite em um evento inesquecível. Se havia alguma dúvida sobre a recepção do Gutalax no Brasil, agora já não resta mais nenhuma: que voltem mais vezes!
Setlist Gutalax
Assmeralda
Nosím Místo Ponožky Kousek Svojí Předkožky
Shit of It All
Buttman
Celebration
Šoustání Prdele Za Slunné Neděle
Robocock
Kocourek Mourek Podráždil Si šourek
Diarrhero
Vaginapocalypse
Polykání Semena z Postaršího Jelena
Fart and Furious
Total Rectal
Vykouření Dařbujána Vietnamského Veterána
Shitbusters
Strejda Donald
Por Daniel Agapito
Fotos: André Santos
Já viu algum show ou ouviu alguma banda e pensou: “Nossa, que merda!” Já? Provavelmente, isso ficou marcado profundamente em sua memória. Muitas vezes, os piores shows, os shows mais diferentes, criam as melhores lembranças. Agora, imagine que fizessem uma banda assim – não, não é o Ghost, nem a genial Merda, da Fábio Mozine. Esse é o Gutalax (sim, o nome veio do laxante), quarteto tcheco de goregrind que conquistou a internet com seu som no mínimo esquisito e shows completamente caóticos, com banheiros químicos, escovas de privada, boias, bonecas infláveis e muito, mas muito papel higiênico sendo praticamente marcas registradas de seus moshpits.
Na ativa há mais de 15 anos, excursionaram extensivamente pela Europa, tocando em grandes festivais, como Bloodstock, Obscene Extreme, Brutal Assault e Summer Breeze, fizeram diversas turnês pelos Estados Unidos e, sim, até já estiveram no Brasil, passando por São Leopoldo (RS) e Duque de Caxias (RJ) em fevereiro de 2018. Na época em que vieram pela primeira vez, eram relativamente conhecidos, porém, era um público bastante “nichado”. Desde então, se tornaram praticamente o nome que vem na cabeça quando o assunto é o goregrind, o que explica seu retorno à América Latina com a “Diarrhea Invasion Tour 2025” ter causado tanto alvoroço. Originalmente, tocariam na Jai Club em São Paulo, casa com capacidade para aproximadamente 400 pessoas, mas os ingressos se esgotaram rapidamente, o que fez a apresentação trocar de lugar para o tradicional Hangar 110, casa do punk paulistano. Dada a repercussão incrível do show, foi anunciada uma data extra, um dia antes, na intimista La Iglesia, ao lado do Trachoma, duo paulistano do mesmo estilo que tocará na edição deste ano do Obscene Extreme.
A data extra na La Iglesia foi no mínimo caótica, com a abertura da casa, marcada para as 19h ocorrendo só às 22h por conta de uma queda de energia no bairro. Os tchecos subiram ao palco só 23h, horário realmente diferenciado para um show numa quarta-feira, mas, independente disso, fizeram uma apresentação histórica (vide resenha acima).
Na estrada desde 2004, a primeira banda a se apresentar foi a RedNHell, coletivo de death metal de Itapevi/SP. Subiram pontualmente às 19h30 e fizeram um show curto, mas em que não faltou peso nem animação. A casa ainda estava relativamente vazia, mas muitos chegaram ao som de músicas como UFO e Colony Death. Em termos de som, apresentaram aquele death metal sem muita invenção de moda, direto e reto. Mesmo não sendo exatamente o mesmo estilo das outras bandas, o público abraçou-os bem, abrindo uma roda no meio da pista que só foi se acalmar quando as portas da casa fecharam. O repertório contemplou boa parte do EP mais recente, Screams of the Tomb, com Killing Again, Reborn to Kill e A Corpse Putrefied fazendo parte do setlist.
Pouco depois das 20h20 veio o avalanche da Imminent Attack, banda furiosa de crossover thrash de Barueri/SP. Depois de toda a pancadaria da primeira banda, o que o público realmente precisava era de um som rápido assim, para sair na mão no meio da rua e começar uma revolução. Falar que o público agitou seria chover no molhado, da mesma forma que dizer que as letras deles abordam diversos problemas sociais que nós, como sociedade, lidamos com no dia a dia. Destacaram boa parte do seu repertório, enfileirando 14 músicas em aproximadamente meia hora. Mais para o final, contaram com algumas participações especiais dando uma força na voz – Diogo Moreschi do RedNHell e a “Branca de Neve do mosh”. Quando fecharam, ao som de Elliot, puxaram ao palco um fã mirim que representou bem a nova geração do metal, batendo cabeça como se não houvesse amanhã.
Balões voavam pelo ar e gritos de “uh, vai dar merda”, “quero gozar” e “ei, Gutalax, vai tomar no cu” ecoavam. No meio da pista, tinha alguém com um spray de espuma contribuindo para a bagunça, enquanto no fundo uma boneca inflável era levantada. Seria o mínimo dizer que coisas estranhas estavam acontecendo naquela vizinhança, então, quem deveria ser chamado? “Ghostbusters”! Foi com o clássico oitentista de Ray Parker Jr. que os tchecos subiram no palco, e a roda já comia solta desde então. Foi o quarteto surgir e as mais diversas coisas voarem no palco – parecia aquelas cenas de briga de bar em filme americano. Foi com um simples “essa aqui é Asswolf” que oficialmente começou a bagunça. Passando direto para a próxima, com pouco tempo para respirar, Maty Matoušek (vocal) fez um pedido fácil de cumprir: “Boa noite São Paulo, quero ver vocês dançarem”, e foi assim que foi introduzida a insanamente envolvente Assmeralda.
O vórtice humano em sentido anti-horário que dominava a pista já havia criado vida própria, e destacaram a primeira de Shitpendables, álbum mais recente, Nosím Místo Ponožky Kousek Svojí Předkožky (que traduzida é simplesmente “visto um pedaço do meu prepúcio ao invés de uma meia” – se cuida Drummond!). Antes de prosseguir, Maty comentou sobre a Spasm, banda de goregrind de sua terra natal, com quem dividiram um CD, sendo de lá que veio Shit of it All. A bagunça era tanta, que no meio da música o vocalista apareceu inexplicavelmente com um boné na cabeça – sabe Deus de onde veio…
Buttman foi introduzida da seguinte maneira: “Se você sente algo ruim aqui (apontando para a barriga) e consegue empurrar por aqui (se virando, apontando para aquele lugar), você se sente incrível! Muito mais que o amor. Esse cara mora lá, no seu cu (em português).” Estavam no Brasil há dois dias e já haviam aprendido o dialeto local, isso sim é uma banda que se importa com seus fãs. Enlouquecido, o público começou a gritar, “cu, cu, cu, cu!” Durante este breve discurso, certo cidadão subiu no palco e gentilmente decidiu agraciar o resto dos espectadores com suas nádegas, realmente uma visão muito prazerosa para uma quinta-feira à noite…
No final da música, disseram que na Europa estão em turnê celebrando 15 anos de atividade, como se cada show fosse uma festa de aniversário, agradecendo os fãs brasileiros por estarem na celebração exclusiva do Brasil. Os convidaram para comemorar, passando Celebration pelo PA e ligando luzes coloridas no palco. A música demorou um pouco para ligar e enquanto não ligava o vocalista agradecia os fãs, dizendo que a primeira vez deles na pauliceia estava sendo incrível. Uma galinha de borracha havia aterrissado no palco, e quando o sample finalmente tocou, os vocais foram feitos pela ave de brinquedo. Na sequência, tocaram o primo tarado de Domingo de Manhã, de Marcos & Belutti: Šoustání Prdele Za Slunné Neděle (“foda anal em um domingo ensolarado”). O ponto alto dessa música em especial foi a presença do Chapolin Colorado no palco, que chegou a bater nos músicos com sua marreta biônica.
Aproveitando para interagir com os fãs, Maty perguntou se haviam visto um cover que uma “mulher bem bonita” havia feito da Robocock e postado em seu Instagram. Claramente com brilho nos olhos, ficou feliz em convidar Fernanda Mattiello para assumir a voz. Mesmo com seu microfone estando baixíssimo por boa parte da faixa, foi ovacionada pelos fãs, vidrados na performance. Impressionante, não é só de cocô que vivem os tchecos, como disse o UOL, pois anunciaram que fariam um cover do Marduk para provar que conseguem fazer algo mais sério e carregado de emoção. Não veio nada de black metal sueco, mas Kocourek Mourek Podráždil Si šourek, tão ruim quanto, que tem a duração impressionante de 6 segundos – quase Metropolis Pt. 2, do Dream Theater; um ‘merdopolis’, podemos dizer.
Antes de introduzirem o mais novo fenômeno do mundo dos super heróis, rolava uma introdução cinemática, digna de Hans Zimmer, e alguns dos presentes aproveitaram a oportunidade para subir no palco e tirar fotos com a banda… não dava para esperar? O herói em questão era Diarrhero, “nascido da diarreia” – conceito melhor do que boa parte dos heróis atuais da Marvel. Deram sequência fazendo jus à “tcheca” de República Tcheca, dedicando Vaginapocalypse ao público masculino. O frontman aproveitou para constatar que “as mulheres são melhores, inclusive esta que está na minha mão, vou levar para o camarim” (era uma boneca inflável). Bastaram alguns acordes para a legião de usuários de balaclavas verdes e shortinhos rosas subirem todos no palco, acompanhados de um dinossauro. No finalzinho da música, o Petr Svoboda, baterista, estourou a pele da caixa pelo segundo show seguido – mão leve a dele, não?
Matoušek disse que haviam passado do meio do setlist e que dali pra frente o resto seria disco music. Podiam tocar até Roberto Carlos, KLB, o que fosse, que os fãs iam receber calorosamente àquela altura. Ao invés de algo como a atemporal Le Freak (Chic), veio um tema um tanto quanto ‘freaky’, Polykání Semena z Postaršího Jelena (“engolindo sêmen de um cervo idoso”). Falando em absurdos, Maty percebeu, no final da música, que haviam estourado a boneca inflável, entrando em estado de choque (com razão). Para colocar o dedo na ferida ainda mais, viu que a galinha de borracha havia sido decapitada, soltando um “what the fuck?!” sincero. “O wall of death todos vocês conhecem, mas temos algo melhor, o ‘wall of shit’, que é a mesma coisa!” Foi com esta muralha de merda que começou Fart and Furious (aquele filme com Dominic Tolete…). Os músicos estavam levando os stagedives na esportiva, mas algo que claramente deixou-os inquietos (junto com produção e os outros fãs) foi a quantidade de gente subindo no palco e tirando fotos, gravando vídeos e, no geral, forçando a barra e não querendo descer. Com o tanto de vaias do público, os elementos com mais folga entenderam a mensagem e rapidamente desceram. Vendo o trabalho incansável deles, Total Rectal foi dedicada a toda equipe de produção e às pessoas que fizeram a turnê se tornar realidade.
Estavam chegando perto do bloco final do show, e a faixa seguinte era mais antiga, que de acordo com o próprio “não tocavam porque é uma merda”, até perceberem que “todas as músicas são uma merda”, então voltou ao repertório, Vykouření Dařbujána Vietnamského Veterána. Shitbusters contou com uma participação especial nos vocais, um dos amigos brasileiros mais antigos da banda, Thiago Monstrinho, vocalista do Worst. A primeira coisa que ele fez foi ensinar o público a falar “vai se foder” em tcheco – ‘do prdele’ (sic), para os curiosos. Rapidamente, contou a história dele com os caras, falou que eram muito humildes e garantiu que eles estavam muito felizes de ver tudo aquilo. Maty gritou “quando eu digo shit, vocês dizem busters”, uma versão do Charlie Brown Jr. com menos Charlie e mais Brown. A energia era um caos desde o primeiro segundo: pediram pra abrir roda, abriu uma baita roda, Monstrinho fez two-step com um fã fantasiado de cocô, soltou umas letras em português e aquele “vai se foder, pro caralho” que já é de lei.
A banda estava tão impressionada com a reação dos fãs que pegaram seus celulares para gravar a última música, que mesmo sendo em tcheco, o vocalista assegurou que todos iriam conseguir cantar juntos. Fecharam com Strejda Donald, versão goregrind do Seu Lobato Tinha um Sítio, que, esperadamente, foi recebida por um coro de “i-a-i-a-ô”.
A primeira noite, na La Iglesia, já havia sido praticamente perfeita, se não fossem os perrengues trazidos pela falta de energia. De forma impressionante, aquela quinta-feira no Hangar 110 trouxe um nível de caos e bagunça até então inconcebíveis, tornando o que tinha tudo para ser um show estranho, de uma banda completamente envolvida em um nicho muito específico, em dia de semana, em uma apresentação histórica. Agora que o Brujeria não está mais na ativa como antes, acho justo o Gutalax substituí-los no posto de banda extrema que vem sempre ao Brasil. Podem anotar, da próxima vez que vierem, se for em um final de semana, tem tudo para lotar uma casa maior – um Carioca Club, por exemplo. Dito isso, foi uma merda, mas uma merda incrível.
Setlist RedNHell
UFO
Colony Death
A Corpse Putrefied
Slaughter
Killing Again
Reborn to Kill
Setlist Imminent Attack
Secret of Skin
Rush of Violence
Couch Potato
Saint Madness
Jesus S.A.
Palhaço da Mídia
Massacre
Nova Constituição
Vidas
Abductors
Splact
Defying Gods
Devils
Elliot
Setlist Gutalax
Asswolf
Assmeralda
Nosím Místo Ponožky Kousek Svojí Předkožky
Shit of It All
Buttman
Šoustání Prdele Za Slunné Neděle
Robocock
Kocourek Mourek Podráždil si šourek
Diarrhero
Vaginapocalypse
Polykání Semena z Postaršího Jelena
Fart and Furious
Total Rectal
Vykouření Dařbujána Vietnamského Veterána
Shitbusters (participação de Thiago Monstrinho)
Strejda Donald
Clique aqui para receber notícias da ROADIE CREW no WhatsApp.