HELMET – SÃO PAULO (SP)

30 de abril de 2025 – Carioca Club

Por Rogério SM

Fotos: Rafael Andrade

Traçar o próprio caminho com identidade pode ter seu preço, mas compensa a longo prazo. O Helmet surgiu no início dos anos 90 fazendo um som um tanto irrotulável, mas extremamente pesado. Na época, muita gente adorou, mas outros tantos torceram o nariz, seja por conta do visual ou pela “estranheza” de suas canções, ao mesmo tempo cativantes, mas sem muitos paralelos com o que já havia na música pesada. Sempre fiel aos seus princípios, a banda liderada pelo guitarrista e vocalista Page Hamilton foi conquistando fãs que nunca abandonaram o grupo. Agora, três décadas após o lançamento de Betty, álbum que chocou e marcou os fãs, o Helmet provou no último dia 30 de abril, no Carioca Club, em São Paulo, por que é uma das bandas mais respeitadas e admiradas do “rock alternativo pesado”. Com a casa lotada e um público que não economizou na entrega (mosh pits constantes e stage dives que enlouqueceram roadies e seguranças), o show foi de uma celebração visceral e honesta, ao mesmo tempo saudosista e moderna.

Desde o início dos anos 90, o Helmet nunca se curvou aos modismos. Enquanto outras bandas se perdiam em figurinos, poses e dramas de gravadora, Hamilton e companhia seguiram firmes com uma sonoridade única, baseada em guitarras dissonantes, levadas sincopadas e uma pegada que funde peso e sofisticação. A sobriedade do visual, aliada à intensidade da execução ao vivo, reforça a imagem de um grupo que sempre privilegiou a música – e isso se refletiu diretamente no palco do Carioca.

Treva

Antes, tivemos a abertura do Treva e seu autointitulado “New Blues Punk Rock N’ Roll”, Com músicas que alinhavam peso e muita melodia, o grupo formado por ex-integrantes do Combate aqueceu os presentes com músicas do seu álbum de estreia, Em Própria Razão, que obteve boa recepção do público. Na sequência, o quinteto Debrix manteve a galera animada com seu som cheio de peso e energia. Mesmo com pouco tempo de estrada, o grupo provou que sua mistura de sonoridades funciona muito bem ao vivo, com destaque para Thunderstorm, do mais recente EP da banda, Tales from the Rabbit Hole. Foi o aquecimento perfeito para o vortex de peso e caos que veríamos em seguida.

Debrix

No intervalo, o jazz que saía dos alto-falantes (com certeza um pedido de Hamilton, fã declarado do estilo) serviu como uma espécie de ‘calm before the storm’. Pontualmente às 22h, as cortinas abriram e o Helmet entrou no palco. Sem alardes, sem pirotecnia. Cada membro empunhou seu instrumento e, após uma breve olhada entre si, o quarteto começou a execução integral do clássico Betty (1994), disco que rompeu com expectativas e consolidou o Helmet como uma força singular dentro do cenário alternativo. Wilma’s Rainbow abriu a noite com força, com sua letra entoada a plenos pulmões pelos fãs, seguida pela densa I Know e pela grooveada Biscuits for Smut.

Ser convencional não é a praia do Helmet, por isso Hamilton ficou do lado esquerdo do palco com dois pedestais coladinhos, cada um com um microfone, que o líder do grupo alternava entre as músicas ou mesmo em uma mesma canção, dependendo do efeito que queria. E não havia tempo para papo: o Helmet emendava uma música atrás da outra, como se estivéssemos ouvindo o disco em casa. Poderíamos dizer que a perfeição da execução de cada faixa remetia a isso, mas a explosão de peso, volume e caos sonoro não tem como ser reproduzida em uma gravação.

A sequência mostrou como o disco se mantém atual, tanto em termos de timbre quanto de composição. Milquetoast fez o público explodir, enquanto Tic e Speechless mostraram o entrosamento impecável da formação atual, que hoje conta com o guitarrista Dan Beeman, baixista Dave Case e o baterista Kyle Stevenson.

Antes de mais nada, vale mencionar a força, a agressividade e a precisão de Stevenson, que maceta seu kit sem dó nem piedade. Já Hamilton, figura central e criador de todo esse universo sonoro, comandou o palco com segurança e precisão. Sua performance é cirúrgica: riffs afiados, solos que parecem uma mistura de Tom Warrior do Celtic Frost com Thurston Moore do Sonic Youth, mas com uma clara influência de jazz, e um vocal que, mesmo após décadas, mantém a força e a agressividade características. Beeman, com sólida presença de palco, sustentava os contrapontos melódicos de forma exemplar, enquanto Case, embaixo de seu boné, trazia o peso necessário em faixas como Vaccination e Clean, mostrando como seu timbre encorpado é vital para o show.

Porém, era difícil tirar os olhos de Stevenson, que trazia viradas e conduções absurdas, como em Rollo. Uma a uma, as faixas de Betty formavam uma espécie de hipnose do caos. Cada música apresentava uma estrutura similar, começando com riffs grooveados e toneladas de peso, passando por refrãos marcantes e terminando com um crescendo de repetição de riffs com os solos magistrais de Hamilton. A imersão era inevitável.

O público, quase enlouquecido, não para com os moshs e, após umas cinco músicas, também com os stage dives. Em determinado momento, um fã mais empolgado derrubou o pedestal de Case e outro quis ficar de joelhos aos pés de Hamilton, mas logo foi induzido a se retirar por Case. Os roadies, seguranças da casa e outros membros da produção estavam visivelmente preocupados, mas a banda se mantinha em estado de catarse. Nada os distraía, nada os abalava. E assim foi, sem intervalos, como em um show do Ramones, que as 14 faixas de Betty foram magistralmente executadas.

Foi só aí que Page se dirigiu ao público. Primeiro, agradecendo a presença de todos, depois apresentando a banda e por fim jogando um pouco de conversa fora. Mas esse clima não durou muito, pois a banda retomou com o restante do show com o peso e a melodia perfeitos de Swallowing Everything, do subestimado Monochrome, de 2006. Em seguida, a dobradinha Blacktop e Driving Nowhere continuou a celebração da arte única do Helmet. Por mais que a produção fizesse apelos, nada parava os stage dives. Dava pra ver que a maioria eram de fãs que cresceram com o grupo, muitos provavelmente vendo-os pela primeira vez, e a emoção deles era nítida.

A hipnose do caos continuou com Bad Mood, do clássico Strap It On, e seu clima arrastado e dramático. Um fato curioso acabou sendo uma representação quase perfeita do que é o apocalipse sonoro do grupo: o backdrop eletrônico com o logo da banda falhou na parte esquerda e, por alguns segundos, só se lia “HEL” atrás do grupo. Sim, era o inferno sonoro e isso ficou claro com Dislocated, do mais recente álbum do grupo, Left, de 2023. Antes, Hamilton falou sobre a música e a situação política complicada dos EUA. Curiosamente, problemas técnicos atrasaram a execução da faixa, com Stevenson visivelmente irritado e reclamando de seu retorno, assim como Hamilton. A tensão só deixou a música ainda mais agressiva, com Stevenson basicamente destruindo seu kit.

A essa altura, o público já estava mais do que extasiado, mas nada preparou os corações para a sequência com Unsung, clássico absoluto de Meantime (1992), seguida de Turned Out, sendo o ponto alto da noite. As duas foram cantadas do começo ao fim por todos os presentes, com moshs e stage dives ainda mais intensos.

Após uma breve pausa, o bis veio com Give It, pesada e direta, seguida de Ironhead, outra que quase arrancou choro dos presentes. Just Another Victim, da lendária trilha sonora do filme “Judgment Night” (1993), foi recebida com entusiasmo máximo e preparou todos para o final apoteótico com o clássico absoluto In the Meantime.

Sem afetação, sem discurso ensaiado, sem concessão: o Helmet entregou um show que transbordou autenticidade e o mais absoluto peso. Ao comemorar os 30 anos de Betty, grupo e fãs celebraram também o valor de se manter fiel a uma proposta, mesmo quando ela soa dura, incômoda ou fora de moda. Para quem esteve lá, foi mais que um show. Foi ao mesmo tempo uma volta ao passado e um vislumbre do futuro.

 

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