Em 2019 o vocalista sueco Lars-Goran Petrov estava com a criatividade em alta, e demonstrando talento de sobra. No mesmo ano, ele se envolvia em dois grandes lançamentos do mundo do death metal: Com o Entombed A.D., vinha o álbum Bowels Of Earth, e com o Firespawn, chegou Abominate. Com a agenda cheia, ele ainda achava tempo para conversar com a imprensa do mundo todo, e foi numa tarde de sábado, quando descansava na sua Suécia natal, que ele nos atendeu, bem-humorado como sempre. Conversamos sobre os novos álbuns e sobre o seu passado clássico com o Entombed. Enquanto aguardávamos pelo material para publicação da entrevista (imagens em alta resolução), fomos surpreendidos pela notícia da doença do vocalista, que sofria com câncer no duto biliar. Mesmo sem esperança de cura, L-G encarou o tratamento com o mesmo bom-humor que sempre lhe foi característico, até nos deixar em 7 de março de 2021. Hoje, fechando esse mês em que lamentamos a perda de uma das vozes mais importantes da história do death metal, publicamos essa entrevista como um pequeno tributo ao grandioso trabalho do vocalista.
Pelo que vejo, você está confortável agora.
L-G Petrov: Sim, agora estou relaxando em casa. Foram semanas de bastante trabalho, você sabe, gravamos, tocamos, viajamos, ouvimos mil vezes nosso próprio álbum nesse processo, mas agora estou em casa, relaxando um pouco. E dando essa entrevista, claro (risos).
Como você disse, esse está sendo um ano bem produtivo para você (2019). Afinal, são dois novos álbuns completos adicionados na sua discografia.
L-G: Sim, mas claro, o trabalho em ambos os casos começou bem antes, acho que em 2017 já estávamos começando a juntar as peças para esses álbuns, então foi uma coisa que foi sendo desenvolvida com o passar do tempo, até porque precisávamos estar sempre nos palcos. Que coisa, hoje em dia você não pode mais lançar um álbum e viver só das vendas dele, que absurdo (risos gerais). Se bem que acho que isso nunca foi possível para uma banda de death metal, então, estou satisfeito com a maneira como as coisas estão.
É, não adianta reclamar daquilo que não se pode evitar.
L-G: É isso aí. ‘Ah, esses garotos estão ouvindo nosso álbum de graça na internet em vez de comprá-lo’. Tudo bem, vou adorar ver esses garotos na fileira da frente nos nossos shows, gritando como doidos e agitando enquanto tocarmos nossas músicas. O dinheiro das vendas do disco nunca vai para o artista, muitas vezes nem sabemos quem está comprando a nossa música, mas vemos os fãs nos shows, interagimos com eles lá. De certa forma, essa é a maneira de fazer as coisas, então, qual o sentido de reclamar?
Nesse sentido, você prefere shows em locais pequenos, ou em grandes festivais?
L-G: Complicado, hein? Cada um tem o seu charme, mas não vou ficar ‘em cima do muro’, é o seguinte: A vantagem dos festivais é que você acaba revendo muitos amigos que estão em outras bandas, você pode trocar ideia com eles, beber alguma coisa com pessoas que cresceram no cenário com você, às vezes até com caras que foram seus ídolos. Cara, tomar uma com o Lemmy do Motörhead foi uma das melhores coisas que fiz na vida, e esse tipo de coisa só acontece em festivais. E claro, em um festival também existe um público muito maior, pois além dos seus fãs, tem todos os fãs das outras bandas, então é algo bem grandioso. Porém, nada supera a interação de um show pequeno, em um clube pequeno. Tocar num clube pequeno na América do Sul, abarrotado de gente agitando como se não houvesse amanhã, e pessoas que de fato se importam com a sua música, que estão ali por sua causa, cara… Sinceramente, nada supera essa sensação!
Posso imaginar.
L-G: Claro que pode, você está em São Paulo, certo? Toda vez que toco aí, saio do palco molhado de tanto suor, parece que estava numa daquelas saunas finlandesas (risos gerais). Claro que a gente se esgota de tanto suar, mas cara, como não ficar emocionado com todas aquelas pessoas gritando por nós? Na América do Sul é sempre assim, é incrível como vocês vivem a música extrema.
É algo parecido com aquilo que aconteceu na Suécia no fim dos anos 80 e começo dos 90?
L-G: Eu acho que dá para comparar, mas a diferença central é que na Suécia a coisa toda era um circuito muito limitado. Sei que dá a impressão de que era algo grandioso por conta de todas aquelas bandas, mas a verdade é que, quando havia um show, o público era todo formado de pessoas que também tinham bandas (risos). É verdade! Quando uma banda acabava de tocar, os caras desciam do palco e ficavam no público, enquanto caras do público subiam no palco para fazer o próximo show (risos gerais). Era assim que funcionava, sério mesmo! E, sim, havia mesmo muitas bandas para um país com uma população tão pequena, mas cada pessoa tocava em umas três ou quatro bandas, esse era o nosso segredo (risos). Já no Brasil, existem muitas pessoas ali, eu diria até a maioria, que são simplesmente fãs de death metal, gente que não tem a intenção de tocar, que apenas quer curtir a música que ama. É uma postura mais apaixonada e menos ‘técnica’, talvez, do que a postura que tínhamos na Suécia.
Entendo. Mas vocês sentiam que estavam fazendo algo grande naqueles dias?
L-G: Sim, mas não algo tão grande quanto acabou se tornando. Na época, a nossa grande ambição era marcar a história do metal sueco, queríamos que a nossa geração fosse lembrada para sempre no cenário sueco. Que aquilo que fizemos fosse ser reverenciado no mundo inteiro, isso nem passava pela nossa cabeça, acho que nem pelo mais otimista de nós! Foi uma surpresa completa, e ainda é algo meio inacreditável para mim.
Bem, quando o Entombed lançou Left Hand Path em 1990, vocês definitivamente fizeram história. Ele não era apenas um ótimo álbum de death metal, ele era diferente de tudo o que havia sido feito até então.
L-G: Aquela foi uma época muito inspirada. Estávamos todos muito inspirados, tínhamos todos aqueles hormônios (risos). Eram um monte de garotos que gostavam mais de música do que de qualquer outra coisa, que ouviam todo e qualquer tipo de música, e que ingenuamente acreditavam que era possível misturar tudo e fazer algo com aquela mistura. Algo brutal, mas que pudesse cativar como a música que havia nos cativado. De alguma forma acho que formos bem-sucedidos nisso.
Sim, e é legal que certas referências são fáceis de encontrar em Left Hand Path, outras são mais obscuras e só apareceriam com clareza nos anos seguintes.
L-G: Sim, até porque precisávamos aprender a usar todas aquelas referências, não sabíamos direito como fazer isso. Claro que você coloca o Left Hand Path para tocar e percebe de cara as referências ao Slayer, Possessed, Death e tal, e acho que também percebe acenos claros ao Saxon, Iron Maiden e outros. Mas estávamos muito além, os caras ouviam qualquer música estranha e começavam a pensar como daria para aproveitar aquilo na nossa música, então, era uma época bem criativa.
Sim, lembro do Alex Hellid (guitarrista do Entombed) ter me contado uma história sobre o Nicke Andersson (baterista do Entombed), que ele teria ouvido uma parte de bateria interessante numa certa música do The Police, e passado dias tentando achar uma forma de usar aquilo na sua música.
L-G: Sim, era uma espécie de comprometimento que tínhamos com a nossa música. Podíamos pegar qualquer referência de qualquer banda, até daquelas que não gostávamos, e usar a nosso favor, desde que pudéssemos moldar aquilo para soar brutal. Fizemos isso muitas e muitas vezes, e deu certo, as pessoas ainda adoram aqueles álbuns. E digo que foi uma época muito inspirada porque não éramos os únicos fazendo isso, muitas bandas suecas fizeram isso naqueles dias, os garotos na Noruega e na Finlândia também. Acho que todos sentíamos que precisávamos provar algo para fazer parte do grande cenário do metal mundial.
Bem, desde o início dos anos 90, você tem sido reverenciado como um dos principais vocalistas de death metal de todos os tempos. Qual foi o seu principal aprendizado como vocalista em todos esses anos?
L-G: Acho que foi ‘como não ficar fodido depois de cada show’ (risos gerais). É sério, quando começamos, éramos apenas garotos, e sendo sincero, eu nem sabia cantar. Eu nem pretendia ser vocalista, mas acontece que eu era muito bom berrando e muito ruim em qualquer outro instrumento (risos gerais). Mas, falando sério, realmente a principal lição que aprendi foi a preservar a minha voz. Nos anos 90 eu vivia com a garganta inflamada, era horrível. Eu fazia um esforço tremendo para alcançar aqueles guturais, me machucava demais! Com o tempo, aprendi a usar menos ar na garganta, e isso resolveu o problema, nunca mais tive a garganta inflamada, em todos esses anos! E também não faço aulas de canto, não tenho um profissional me treinando, nada disso, tudo o que tenho para ajudar a minha voz é álcool e um maço de cigarros (risos). Quer dizer, fumar é uma merda, especialmente para vocalistas, mas de certa forma, isso parece ter encorpado ainda mais os meus vocais (risos).
Como vocalista, foi difícil gravar dois álbuns na mesma época, especialmente enquanto ainda havia compromissos a cumprir nos palcos?
L-G: É, eu sei como parece, mas não foi tão ruim. Quer dizer, realmente ainda estávamos com a turnê rolando, mas eu tentei manter os trabalhos com o Entombed A.D. e o Firespawn em semanas separadas, então dava para manejar bem as coisas.
É legal perceber que os álbuns são bem diferentes um do outro. Começando com Bowels Of Earth, sinto que o Entombed A.D. soa mais pesado que antes, mas mantem o groove e os elementos de punk costumeiros.
L-G: Sem dúvida. Gosto dos nossos três álbuns, mas esse realmente me parece ser o mais pesado, e eu senti isso já quando estávamos gravando, parece que cada música que gravávamos acabava soando um pouco mais intensa do que anterior, e isso me agrada (risos). Já quando aos elementos de groove, não podemos mais brincar de deixá-los de fora à essa altura do campeonato (risos). As pessoas já esperam algo com groove nos nossos discos, então ele sempre vai estar lá! E os elementos punk vem de bandas que sempre admirei, de Motörhead até Discharge, essa pegada é fundamental para a música extrema!
Concordo, mas acho que com Abominate o Firespawn ficou um bocado mais próximo do chamado ‘old school death metal’, o que atrairá especialmente uma parcela dos seus velhos fãs.
L-G: Entendo o que quer dizer, e concordo com você. Acho que, até certo ponto, o Firespawn é uma banda mais atrativa para aqueles que adoraram o Left Hand Path, mas que ficaram desconfiados com tudo o que veio desde Wolverine Blues (1993). Mas veja, a intenção com o Firespawn era justamente essa, reviver aquele som que fizemos no começo da nossa jornada, nos anos 90. Não dá para colocar Matte Modin (baterista, Defleshed, Necrophobic, ex-Dark Funeral) e Fredrik Folkare (guitarrista, Unleashed, ex-Siebenbürgen) e esperar outro resultado (risos). Com o Firespawn é porrada pura, como nos velhos tempos, a proposta é bem diferente daquilo que fazemos com o Entombed A.D.
Você tem uma favorita entre as duas, ou entre esses novos álbuns?
L-G: Sinceramente, essa eu não sei como responder. A verdade é que tenho muito orgulho de ambas, mas talvez o Entombed A.D. tenha um significado maior para mim, tem sido a minha vida por décadas! Eu nem lembro do que eu fazia antes de estar envolvido com alguma banda que tivesse Entombed no nome (risos). Cara, essa tem sido a minha vida, e tenho sido bem feliz com ela como é!