Fogo é transformação. Não importa em que cultura ou época você busque suas referências, o fogo nunca é estagnação, nunca é conformidade. Da sarça ardente dos judeus, passando pela doutrina do Prometeu grego e a glória da romana Vesta, aprendemos a temer e a venerar o fogo e as suas chamas, sua proteção, suas bênçãos, e também a sua fúria e o seu caos. Mas, em todas as épocas, todos os humanos mantem uma relação estreita com o fogo, o único dos cinco elementos que não mantemos em nosso corpo, o ‘Tejas’ que todos veneram seja ao acender uma vela, seja com grandes fogueiras pagãs. O fogo é chama, e aquilo que está em chamas é sempre transformado.
Nascido na Suécia em uma época em que a música passava por profunda transformação, nenhum nome poderia expressar melhor o que seria esta banda que não a simples alcunha In Flames. Logo de cara, eles ajudaram a transformar aquele que era (e pra muitos continua sendo) o principal gênero musical de seu país natal, e muito rapidamente espalharam suas chamas por todo o mundo, nunca estagnando, nunca deixando de transformar e de se transformar. E demorou, mas demorou muito, até que finalmente São Paulo tivesse novamente a chance de acompanhar o show desses suecos, que dispõe de uma verdadeira legião de fanáticos por aqui.
Mas, antes de que o trabalho do fogo fosse feito em palco paulistano, tivemos a chance de acompanhar os cariocas do Reckoning Hour. E, sim, algumas palavras precisam ser ditas sobre a apresentação deles: primeiro, e também o mais importante, é que o som dos caras realmente combinou com a ocasião. Forte, moderno, repleto de passagens rápidas que flertam com o extremo, mas sem se negar a um intenso apelo melódico e ‘grooves’ concebidos na medida para detonar pescoços, eles se mostraram a banda ideal para este evento memorável; segundo, a atitude dos caras foi digna de profissionais, algo que eles provaram ser. Com um espaço bem reduzido no palco – eles precisaram dividir o espaço com o equipamento do In Flames, o que quase obrigou o vocalista a cantar sobre as caixas de retorno – eles se viraram como puderam, e ao invés de perder tempo reclamando sobre tudo e todos, se mostraram firmes, dignos e agradecidos por estarem ali. E, eu diria algo mais do que isso: eles provaram merecer estar ali, e sim, tornaram esta noite ainda mais especial, prova disso foi a excelente acolhida que receberam.
Pouco depois, era a hora de matar aquele jejum que durou oito anos. Finalmente o In Flames estava de volta. Com a clara intenção de focar em seu mais recente álbum, Battles (2016), eles já chegaram detonando dois sons dele, Drained e Before I Fall, que rapidamente mostraram o quanto os presentes estavam ansiosos pelo som moderno e pesado dos suecos. Contando com uma formação bem diferente daquela que tocou há anos no Santana Hall, foi interessante perceber como os ‘novatos’ Niclas Engelin (guitarras), Joe Rickard (bateria), Bryce Paul (baixo) se comportavam nos antigos sons, e convenhamos, já que o único que merece mais propriamente a alcunha de novato ali seja o baixista, não existia muita dúvida de que a execução de Everything’s Gone (Siren Charms, 2014) seria perfeita.
Quanto aos antigos comparsas Björn Gelotte (guitarras) e Anders Fridén (vocais), tudo o que poderia ser esperado deles foi demonstrado na explosão de energia vista e ouvida em Take This Life (Come Clarity, 2006), primeira da noite em que realmente precisamos temer pelas estruturas do local. Nessa altura, até quem nunca havia tido uma chance anterior de ver os caras ao vivo já estava convencido do quanto Anders Fridén é um cara ‘gente boa’.
Se comunicando muito com a plateia sempre de maneira brincalhona e simpática, aquele sujeito de jeans furado e camiseta mais parecia aquele seu ‘parça’ de boteco do que o vocalista de uma das maiores bandas de heavy metal da atualidade, e dentre berros, saudações e doideiras afins, o cara conseguiu até pegar o celular de um fã e fazer algumas ‘selfies’ do palco, atitude muito bacana, sem dúvida. Emendando com a fenomenal Trigger, primeira de Reroute to Remain (2002) a dar as caras na noite, eles conseguiram o impossível, assim como na sequência incrível com Only For the Weak, Dead Alone, Darker Times e Drifter, mas foi com as velharias Moonshield e The Jester’s Dance, ambas do imbatível The Jester Race (1996) que este que vos escreve realmente perdeu o fôlego, realmente incrível.
Enquanto mais e mais músicas se enfileiravam em um muro sonoro intransponível, Fridén seguia como o grande frontman que é, e, lá pelas tantas, chamou a atenção e causou risos quando tomou a câmera das mãos do fotógrafo da ROADIE CREW, Fernando Pires, para tirar uma foto da plateia. Felizmente, ele devolveu a câmera; infelizmente, a foto não foi lá muito aproveitável.
Seguindo com a noite incrível, Deliver Us (Sounds of a Playground Fading, 2011) fez todo mundo cantar junto em comunhão perfeita, e então, já muito próximo do fim, aquilo que todos queriam, mas talvez ninguém acreditava: após gritos eufóricos, insistentes, desesperados e imperiosos pedindo, finalmente ela foi tocada, Cloud Connected, realizando o sonho de muitos ali presentes, um regalo para os fãs paulistas, que tanto esperaram e tanto insistiram por isso.