O ano de 2020 inspirava ser promissor para o Institution, que tinha um novo álbum em mãos, o altamente inspirado, agressivo e bem produzido Ruptura do Visível. No entanto, a pandemia chegou e acabou atrasando o lado da banda paulistana, que se viu impossibilitada de promover na estrada o seu segundo álbum – primeiro cantado em português. Porém, mesmo vivenciando esse trágico capítulo na história da humanidade, o grupo não se rendeu ao ostracismo e aproveitou a quarentena com estratégias que têm lhe possibilitado divulgar o material mesmo estando longe do público. Recentemente, o Institution disponibilizou uma nova faixa intitulada Espectador Inconsciente, que acabou ficando de fora de Ruptura do Visível, álbum que nos surpreende com um hardcore/metal denso, intrínseco e ao mesmo tempo bastante direto e com letras que sugerem uma reflexão em busca de se romper os males sociais por meio de uma consciência crítica. Prestes a voltar aos palcos com o Institution para finalmente dar início à divulgação do álbum de modo presencial, o vocalista Hélio Siqueira atendeu a ROADIE CREW e nos deu detalhes sobre os mencionados novos lançamentos da banda, além de contar sobre os projetos desenvolvidos durante a pandemia. Confira.
No último dia 13 de outubro, vocês disponibilizaram uma música inédita, Espectador Inconsciente, b-side do álbum Ruptura do Visível, que foi lançado no primeiro trimestre de 2020. Lançá-la praticamente um ano e meio depois do sucessor do debut Desolation Times (2015) foi algo planejado ou uma estratégia para não deixar ‘amornar’ a divulgação do novo álbum, já que a pandemia os impediu de fazer shows presenciais para promovê-lo?
Hélio Siqueira: Foi algo planejado. A faixa acabou destoando do resto do disco, sendo deixada como um lado B do Ruptura…, e, inicialmente, planejada para ser lançada um ano após o álbum. Contudo, devido a pandemia, nós seguramos a faixa um pouco mais para conciliarmos com a edição limitada em vinil do álbum.
Em sua opinião, ao que se deve esse distanciamento entre essa faixa e as demais?
Hélio: Acredito que isso se dê pelo fato de que foi a primeira música que fizemos para o disco. Vejo-a como uma música de transição do álbum anterior para esse, com elementos de ambos os discos.
Falando no título do álbum, qual o conceito por trás de Ruptura do Visível?
Hélio: A ideia por trás de Ruptura do Visível é o desenvolvimento de uma consciência crítica e, com isso, o rompimento das estruturas de poder. O questionamento traz consigo a busca por melhorias. Tornando visíveis os males sociais, somos capazes de buscarmos meios efetivos para romper com eles.
Mas nesses tempos em que tudo parece soar utópico, desmotivador e sem esperança por conta de uma política indigesta e de uma sociedade polarizada e indisposta ao bom diálogo e à reflexão, vocês analisam tais questões olhando-as no horizonte de modo positivo em termos de melhorias?
Hélio: Infelizmente, todas as questões postas no disco são mais relevantes do que no período em que ele foi composto. E confesso não ter um olhar muito otimista a respeito do futuro, mesmo estando com uma nova eleição presidencial relativamente próxima. O que a figura do Bolsonaro fez foi escancarar um pensamento/comportamento tacanho e medíocre existente em nossa cultura. Ele é uma boa representação de tudo o que é pequeno e que foi colocado debaixo do tapete desde a ditadura.
O que os motivou a passar a cantar em português no novo álbum, após estrearem com Desolation Times, álbum que foi todo composto em inglês? Teria sido por uma questão de ‘urgência’, um grito engasgado mediante a essa conturbada situação política atual do Brasil?
Hélio: Sem dúvida a situação política do Brasil fortaleceu a ideia, especialmente porque além de vivermos momentos críticos, as letras da banda sempre foram políticas, então nos parece sensata essa mudança. Cantar em nossa língua nativa era um desejo antigo meu e que cresceu no resto da banda conforme caímos na estrada.
Indo para a parte técnica do álbum, fale sobre a masterização, que novamente esteve sob o comando do americano Brad Boatright, que já trabalhou com bandas como Poison Ideia, Full of Hell e outras.
Hélio: Nós gostamos muito do trabalho do Brad. Esta é a segunda vez que trabalhamos com ele. Ele fez um excelente trabalho no Desolation Times e com o Ruptura… não foi diferente. Ele é um cara muito prático e aberto ao diálogo.
Apesar de não poderem fazer shows devido à pandemia, vocês não deixaram de divulgar Ruptura do Visível. Qual foi o sentimento, por exemplo, quanto a repercussão obtida após apresentarem o álbum tocando-o ao vivo no estúdio Family Mob em uma transmissão feita pelo canal Scena, realizada em novembro de 2020?
Hélio: Foi ótimo! Poder tocar ao vivo um pouco do Ruptura… foi libertador, ainda que não estivéssemos em nossa melhor forma, já que não estávamos vindo de ensaios ou de baterias de shows. A recepção daquela apresentação foi ótima e deu um pouco do gostinho do que será quando pudermos tocar por aí.
Vocês também gravaram alguns videoclipes. Falemos especificamente do clipe de Frêmito, que foi editado pelo guitarrista Fernando de Moraes e que contou com a participação de fãs e amigos da banda, entre eles Rodrigo Lima (Dead Fish), Milton Aguiar (Bayside Kings) e Chita (Hellbenders), além dos dois ex-guitarristas do próprio Institution, Guilherme Xavier e Paulo Gervilha. Como surgiu a ideia de ceder o espaço para que apenas os amigos e fãs fossem os protagonistas no clipe, cada um gravando a si próprio em suas respectivas casas durante a quarentena?
Hélio: Devido ao isolamento a ideia de algo assim veio naturalmente, já que precisávamos de material e ninguém podia se ver. Queríamos algo simples e feito por nós mesmos e com pessoas que fazem parte da nossa história, pessoas que vemos nos shows, que nos apoiam, amigos que também fazem parte daquilo que temos nos tornado.
No segundo semestre de 2020 vocês participaram do Volume Dois da coletânea de quarentena Keep Thinking: a lo-fi tribute to all the lonely hearts during social distancing. Colaborando com a música Inércia, o Institution divide o tracklist com nomes como Clemente Nascimento e Ronaldo Passos (ambos do Inocentes), Faca Preta, Questions, Tor Tauil (vocalista do Zumbís do Espaço) e outros. Fale desse projeto da Hearts Bleed Blue.
Hélio: Este foi um projeto completamente experimental para nós. A HBB nos chamou para participarmos e o Fernando teve a ideia do riff que permeia toda a música. Então, cada um gravou sua parte em suas respectivas casas usando os seus celulares. Tentamos aproveitar a oportunidade para fazermos algo diferente do que as pessoas esperam de nós e Inércia foi o resultado. Não é uma música que você verá em shows, foi algo pensado apenas para a coletânea.
E por falar na Hearts Bleed Blue, vocês e as bandas Acidental e Sequóia a representaram tocando no Amplifiquintas, projeto apresentado pela Secretaria Municipal de Cultura (SMC) de São Paulo, que teve como ação levar para os teatros municipais da capital paulista apresentações de bandas e artistas que integram o casting de selos musicais independentes. Na ocasião, vocês se apresentaram no Teatro Arthur Azevedo. Como foi essa experiência?
Hélio: Foi uma experiência muito positiva. Nós nunca tínhamos tocado em um teatro e mesmo vazio (devido a pandemia) foi muito prazeroso. É algo que esperamos realizar novamente, mas em outras condições, com público. Além disso, o projeto ficou muito legal, a captação de cada banda ficou diferente e trouxe um pouco da personalidade de cada um.
Em março de 2020, vocês iriam tocar com as bandas americanas de hardcore Converge e Sick of it All. Porém, justamente neste período a pandemia chegou ao Brasil e os shows tiveram que ser cancelados. Como foi lidar com essa situação exatamente no momento em que vocês tinham um álbum saindo do forno?
Hélio: Foi horrível. Nós tínhamos um lançamento de álbum, uma bateria de shows e depois de tanto tempo compondo e gravando o disco, tudo o que queríamos era podermos lançá-lo propriamente no mundo – o que não foi possível. Nosso disco foi lançado exatamente no período em que o mundo todo parou por causa da pandemia, dia 13 de março de 2020.
Quanto ao mencionado Sick of it All, que lembranças vocês guardam do show feito com os nova-iorquinos e também com os californianos do Stick to Your Guns, em São Paulo, no ano de 2015?
Hélio: Nós não somos o tipo de banda que nos apegamos a tocar com bandas gringas. Claro, quando você toca com uma banda que é uma grande influência para você o show ganha outra proporção. Tal como foi com o SOIA e como seria com o Converge. Quando tocamos com SOIA foi um dos nossos primeiros shows e vê-los curtindo nossa apresentação ao lado do palco tornou aquele momento mais marcante.
Durante todo este período sem shows vocês mantiveram o foco exclusivamente em recuperar o tempo perdido e “salvar” a campanha de divulgação de Ruptura do Visível ou já estão trabalhando no álbum sucessor?
Hélio: Ambas as coisas. Não só porque acreditamos que o Ruptura… até o momento é o nosso melhor trabalho, mas também pelo fato de não termos tocado ele Brasil afora, isso nos leva a continuar trabalhando nele. Contudo, já estamos compondo coisas novas para não perdemos tempo e para trazermos algo novo e fresco na banda.
Para finalizar, vocês lançaram Ruptura do Visível não apenas em CD, como também em três versões coloridas em vinil através da Hearts Bleed Blue. Ao mesmo tempo em que as plataformas de streaming dominam o mercado, o vinil tem reconquistando a paixão dos fãs de rock/heavy metal. Qual a importância para vocês de seguirem investindo em mostrar o trabalho do Institution em vinil?
Hélio: Na verdade, foram seis versões em vinil se contarmos a edição limitada que saiu recentemente. Quatro cores diferentes da versão padrão e duas novas na limitada. Tudo isso graças a HBB, que sempre valorizou muito os lançamentos em vinil. Todo o nosso material até hoje saiu em vinil, é algo que apreciamos muito, pois também somos colecionadores. Além disso, sabemos que a essa altura tem várias pessoas que gostam do nosso trabalho que só compra as versões em vinil. É uma mídia que foi deixada de lado a partir dos anos 90 e que tem retomado com força, mas, infelizmente, de forma pouco acessível para muita gente, já que a produção no Brasil ainda é muito alta para esse tipo de material.
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