Por Leandro Nogueira Coppi
Fotos: Stephan Solon / Move Concerts Brasil
Para os fãs do Iron Maiden, a noite de 7 de dezembro de 2024 prometia ser memorável apenas por marcar o encerramento da turnê “Future Past World Tour”. No entanto, a banda surpreendeu o mundo ao divulgar, na manhã do mesmo dia, um comunicado oficial nas redes sociais, onde Nicko McBrain anunciava que aquele seria também seu último show com a Donzela de Ferro. A notícia gerou comoção global. Os fãs, especialmente aqueles que marcariam presença no Allianz Parque, em São Paulo, foram tomados por um misto de sentimentos: emoção e tristeza pela despedida desse grande ícone do heavy metal, alegria por sua recuperação após superar duas difíceis batalhas – contra um câncer e um AVC -, e uma profunda gratidão. Gratidão não apenas pelo legado construído em 42 anos de Maiden, desde que sucedeu Clive Burr, mas também por sua humildade e alto astral, características marcantes que sempre o definiram dentro e fora dos palcos.
Neste dia, os olhos do mundo se viraram para o Allianz Parque, mesmo local onde, no dia 1 de agosto de 1992, quando o estádio da Sociedade Esportiva Palmeiras ainda atendia por Palestra Itália (ou, popularmente, Parque Antártica), o Iron Maiden fez seu primeiro show em São Paulo, pela turnê do álbum Fear of the Dark. De fato, o segundo semestre de 2024 reservou fortes emoções para os fãs da banda inglesa, primeiro pela morte do ex-vocalista Paul Di’Anno, no último dia 21 de outubro, e agora pela despedida de Nicko, que garantiu que prosseguirá com suas outras atividades e empreendimentos, como a marca de bateria The British Drum Company, a loja de baterias Nicko McBrain’s Drum One, sua banda Titanium Tart e seu restaurante Rock-N-Roll Ribs.
Assim como na noite anterior, os veteranos do Volbeat, maior banda dinamarquesa da atualidade, assumiram a missão de aquecer o público. O álbum mais recente da banda, Servant of the Mind, foi lançado há três anos. Desde então, a formação passou por uma mudança significativa: no ano passado, o guitarrista Rob Caggiano (ex-Anthrax) deixou o grupo após uma década de contribuições. Para os shows, Michael Poulsen (vocal e guitarra), Kaspar Boye Larsen (baixo) e Jon Larsen (bateria) contam, desde 2023, com Flemming C. Lund, do The Arcane Order.
A banda foi muito bem recebida pelos fãs do Iron Maiden, que curtiram sua mistura de hard rock, heavy metal e toques de rockabilly. Entre os destaques do setlist, tocado em boa parte embaixo de uma forte garoa, estavam a emotiva Fallen, do álbum Beyond Hell / Above Heaven (2010), e Seal the Deal, de Seal the Deal & Let’s Boogie (2016), uma porradaria que trouxe alguns solos de guitarra remetendo ao Metallica. Falando em Metallica, durante Sad Man’s Tongue, o Volbeat incorporou um trecho de Creeping Death, enquanto na noite anterior havia adicionado um de Ring of Fire, de Johnny Cash. Do álbum mais recente, tocaram Wait a Minute e The Devil Rages On. Em comparação a noite anterior também, a banda tirou do set na segunda noite a música Shotgun Blues e em seu lugar tocou Dead But Rising.
Indivuldualmente, o maior destaque da banda certamente é o carismático Pousen, cuja presença de palco e postura na guitarra lembram o próprio James Hetfield, do Metallica. Nessa nova passagem pelo Brasil, seis anos após a estreia no festival Lollapaloosa, Poulsen fez questão de demonstrar sua admiração também pelo Sepultura. No primeiro dia, vestiu uma camiseta do clássico álbum Beneath the Remains (1989), enquanto no segundo homenageou os irmãos Cavalera com uma estampa com a arte que contemplava as regravações do EP Bestial Devastation (1985) e do debut Morbid Visions (1986). Foi um show eficiente em que possivelmente a banda arrebanhou novos fãs para sua música. Agora, está na hora de algum produtor trazer o Volbeat ao Brasil com sua própria turnê.
Após o término do show do Volbeat, era fácil perceber, ao caminhar pela pista, que muitos ainda discutiam a recente e surpreendente notícia da saída de Nicko McBrain do Iron Maiden. Embora fosse esperado que, em algum momento, essa decisão pudesse acontecer – considerando os recentes problemas de saúde enfrentados pelo baterista de 72 anos, que levaram a banda a ajustar o repertório para que Nicko tocasse aquilo que lhe fosse mais confortável -, ninguém imaginava que o anúncio ocorreria tão repentinamente, e justamente naquele dia.
A escolha de revelar a saída de Nicko apenas horas antes do último show da turnê demonstra o respeito do Iron Maiden por seus fãs. É evidente que a banda já sabia, há algum tempo, a data exata da despedida, mas optou por não transformar o momento em uma estratégia de marketing ou elevar o preço dos ingressos. Esse cuidado reforça o compromisso do grupo com sua base de seguidores.
De qualquer forma, aquela era a noite de Nicko McBrain, e o Iron Maiden tinha plena consciência disso. A atmosfera do evento refletia essa homenagem, tornando o momento ainda mais especial e inesquecível. Exatamete às 20 horas e 53 minutos, o som mecânico fez o estádio tremer com o clássico Doctor Doctor do UFO, música essa sempre usada como aquecimento para o início dos shows do Iron Maiden. E foi isso o que aconteceu, o público enlouqueceu e cantou a plenos pulmões. Ao final de Doctor Doctor, foi a vez de End Titles, tema composto por Vangelis presente na trilha do filme “Blade Runner” (1982), ecoar por todo o estádio sob luzes cibernéticas enfeitando o teto do palco, proporcionando um ambiente retrô e ao mesmo tempo futurista para o ano de 1986, época em que o Iron Maiden lançou Somewhere in Time, um álbum que liricamente realmente aborda temas futuristas, viagem no tempo e reflexões existenciais.
Após Stranger…, o público começou a gritar em coro o nome de Nicko McBrain. O vocalista Bruce Dickinson começou a falar algumas palavras, enquanto os telões mostravam o baterista em pé, emocionado com a reação do público. Disse Bruce: “Esta noite é uma noite muito especial, como alguns de vocês, acho que provavelmente todos vocês, saberão, porque esta manhã anunciamos… Nicko anunciou que estava se afastando de tocar bateria ao vivo com o Iron Maiden. Por 42 anos, Nicko está nesta banda. Ele era baterista antes de eu ser cantor, ele era piloto antes de eu ser piloto, e agora ele não está deixando a banda, mas ele simplesmente não estará mais tocando ao vivo conosco. Então, temos muito mais músicas para tocar hoje à noite, e quero que o resto da noite seja uma celebração a Nicko, uma celebração da alegria que ele trouxe para todos ao redor do mundo, não apenas aqui no Brasil”. Claro que Bruce foi prontamente atendido.
A “The Future Past World Tour” é uma turnê que viaja no tempo, incluindo alguns clássicos do Iron a outras músicas do mencionado Somewhere in Time e do álbum mais recente Senjutsu (2021). E foi desse último a sequência seguinte, iniciada com The Writing on the Wall, música que funcionou muito bem ao vivo, ao contrário de Days of Future Past, em que muitos aproveitaram para ir ao banheio ou comprar algo para beber. No decorrer de Time Machine, que fechou a trinca de Senjutsu com o performático Janick Gers fazendo o início no violão, Dickinson correu o palco com uma bandeira do Brasil na qual estava escrito Cachoeiro de Itapemirim. Ao se separar da bandeira, Bruce a “fincou” no bumbo de McBrain. Naquele momento, a cidade capixaba não pertencia mais somente ao Rei Roberto Carlos, mas também ao Iron Maiden.
Particularmente, dois momentos do repertório que destaco foram as execuções de duas ótimas músicas do catálogo do Iron Maiden, The Prisoner e a contagiante Can I Play with Madness – como foi ótimo nessa ouvir Nicko fazendo a levada no cowbell! Mas para o público em geral, dois pontos altos vieram a seguir, Heaven Can Wait – com direito a duelo balístico entre Bruce e Eddie – e, principalmente, Alexander the Great, música que levou 35 anos para ser tocada ao vivo pela primeira vez – a estreia aconteceu no dia 28 de maio, no primeiro show da turnê, realizado em Ljubljana, capital da Eslovênia. A ovação foi geral ao final de Alexander…
Por mais que muitos critiquem duramente Fear of the Dark, música que dá nome ao álbum lançado pelo Iron Maiden em 1992, em termos de interação entre banda e fãs ela é insuperável, e isso é inquestionável. O estádio ficou muito bonito sob as luzes dos celulares do público. A cada intervalo entre as músicas, diversos fãs exibiam cartazes com mensagens dedicadas a Nicko McBrain. O final do show se aproximava e o sentimento de emoção tomava ainda mais conta por estarmos cada vez mais perto de vermos Nicko dando seu último adeus ao público. Antes de o grupo inglês se retirar do palco para aquela “falsa” despedida antes do bis, tocou a agitada música que leva seu nome, única dos tempos do saudoso Paul Di’Anno.
Antes de Bruce Dickinson, Steve Harris, Janick Gers, Dave Murray, Adrian Smith e Nicko McBrain retornarem ao palco, o público entoou ainda mais alto o coro de “Nicko, Nicko, Nicko…”. Com a banda já de volta ao ‘front’, Nicko McBrain puxou no chimbal Hell on Earth, música em que labaredas de fogo disparavam por toda a extensão da plataforma atrás do baterista, enquanto que, no telão, Eddie aparecia como Estátua da Liberdade, afundada em um deserto distópico. Era chegada a hora de um clássico, e The Trooper cumpriu sua missão de incendiar os ânimos dos fãs.
O momento que todos queriam que demorasse a chegar, infelizmente chegou. Wasted Years, uma das músicas mais conhecidas e queridas da banda no Brasil, acabou sendo não só a última do show e da turnê, como também a última da banda a ser tocada por Nicko McBrain. Ao final, a banda se dirigiu a frente do palco para se despedir do público, bem como Nicko. Emocionado, Bruce emitiu algumas palavras referentes ao companheiro, disse a ele que o show era dedicado a ele e que a noite era dele. “Nicko, o show é seu, o palco é seu, esta é sua noite, leve o tempo que quiser”. No entanto, Nicko preferiu jogar souvenirs baterísticos para os fãs ao invés de usar o microfone para fazer algum discurso. Com os olhos visível e naturalmente marejados, Nicko beijou o solo sagrado que moveu sua paixão ao longo de toda sua trajetória como músico e após alguns gestos de adeus ao público deixou o palco pela última vez. No telão, as câmeras mostraram a bateria de Nicko em repouso, proporcionando uma última dose de emoção na plateia. Foi impossível conter as lágrimas. A pergunta que me meio à mente neste momento foi: ‘Será que teremos a chance de ver Nicko de volta ao Brasil novamente mesmo sem o Maiden, para um workshop, por exemplo?’. Só o tempo responderá…
Em termos de produção, este show não apresentou o melhor que o Iron Maiden já trouxe ao Brasil. No repertório, muitos fãs sentiram a ausência de clássicos como The Number of the Beast, Aces High e outros sucessos, mas a proposta da turnê é outra e para quem já teve a oportunidade de ver a banda em outras ocasiões, foi especial presenciar a execução de músicas raras. Ainda assim, mais do que a produção ou o setlist, qual fã no mundo não gostaria de ter testemunhado a última performance de Nicko McBrain com o Iron Maiden? Quem esteve presente, certamente jamais esquecerá. Para nós, brasileiros, foi uma emoção indescritível sermos escolhidos por Nicko e pela banda para este momento tão marcante na história da Donzela de Ferro.
Quanto ao futuro, conforme anunciado na manhã deste domingo, 8 de dezembro, o novo baterista do Iron Maiden será Simon Dawson, integrante do British Lion, a banda paralela de Steve Harris. Em 2025, o Iron Maiden celebrará 50 anos de história com a “The Run For Your Lives Tour”, que terá início em 27 de maio, em Budapeste. Que o Brasil esteja na rota dessa turnê para que possamos dar as boas-vindas a Simon Dawson com toda a energia que o público brasileiro sabe oferecer. Afinal, como já dizia o Queen: The Show Must Go On!
Valeu por tudo, Nicko. Sua dedicação, carisma e energia ficarão eternamente marcadas na história do heavy metal. E, mais do que nunca: Up the Irons!
Volbeat – setlist
- The Devil’s Bleeding Crown
- Lola Montez
- Sad Man’s Tongue
- A Warrior’s Call
- Black Rose
- Wait A Minute My Girl
- Dead But Rising
- Fallen
- Seal the Dead
- The Devil Rages On
- For Evigt
- Still Counting
Iron Maiden – setlist:
- Caught Somewhere in Time
- Stranger in A Strange Land
- The Writing On the Wall
- Days of Future Past
- The Time Machine
- The Prisoner
- Death of the Celts
- Can I Play with Madness
- Heaven Can Wait
- Alexander the Great
- Fear of the Dark
- Iron Maiden
- Hell On Earth
- The Trooper
- Wasted Years