De acordo com algumas escolas da física quântica, a realidade depende diretamente do observador. Isso significa que tudo que existe ao nosso redor tem algo de pessoal. Somos nós que criamos a nossa própria realidade. Se tal pensamento gera discussões intermináveis entre acadêmicos de todo mundo, no que tange a arte esse conceito é absolutamente plausível. Tanto é que aqui trago um fato para apreciação, acontecido nesse novo show solo do eterno vocalista do Yes, Jon Anderson.
Quando Anderson esteve no Brasil em dezembro de 2011 para apresentar o show dessa mesma turnê – cuja proposta é apresentar músicas do Yes e de sua carreira solo em versões acústicas minimalistas – a minha observação do espetáculo foi diferente em comparação a essa nova apresentação do músico no HSBC em São Paulo.
A primeira constatação refere-se ao conceito do espetáculo em si. Se na primeira vez este observador fez-se valer da idéia de que Jon Anderson optou por esse formato de show minimalista por conta da idade e pelas naturais limitações que seus 70 anos lhe impõem, dessa vez ficou claro que há uma estratégia muito bem pensada por trás desse formato.
Sabemos que os motivos que ocasionaram a separação de Anderson do Yes em 2008 não foram amigáveis e que ambas as partes caminham por estradas bem distantes. Se o Yes mantém toda sua tradição de precursores do rock progressivo, lançando ótimos discos com toda pompa e esmero que o gênero exige (vide Fly From Here de 2011 e Heaven And Earth de 2014), sem contar seus shows que ainda trazem produções grandiosas características, como Anderson faria isso sozinho? Quais seriam as alternativas? Recrutar outros músicos consagrados e montar uma nova banda nos mesmos moldes do Yes não parece ser uma decisão que um músico como Jon Anderson tomaria.
Que melhor resposta Jon Anderson poderia dar ao Yes do que desconstruir totalmente o legado de sua ex-banda? Nada de hammonds, mellotrons, moogs, bateria com dois bumbos e incontáveis tons e pratos, guitarras com variadas afinações, baixos de quatro e cinco cordas. Nada da super produção com backdrops fantásticos com artes de Roger Dean ou de figurinos elaborados. Apenas um sujeito simples, com traje despojado: camisa, jeans e tênis de caminhada. Um palco intimista, com pouca luz (de velas). No repertório, clássicos do Yes como Yours Is No Disgrace, Long Distance Runaround, And You And I, Close To The Edge, Starship Trooper, Time And A Word, entre outras, reduzidas a um homem e uma voz, tocadas apenas no violão, piano e outros instrumentos acústicos.
Mas se tudo aqui tomou aspectos diminutos, o mesmo não acontece com a recepção do público. E esse é o golpe de mestre de Jon Anderson! “Hey Yes, enquanto vocês precisam de uma equipe com dezenas de pessoas e várias toneladas em equipamentos, eu pego meu violão e venho sozinho pra São Paulo tocar para a mesma quantidade de pessoas que vocês!”, poderia ter pensado o músico em algum momento durante essa apresentação.
Quando o observador se toma conta disso, percebe-se que até mesmo os diversos erros na execução das músicas são milimetricamente programados por Anderson. “Ops, me desculpem, errei essa!”, disse o músico diversas vezes durante o espetáculo sem demonstrar qualquer sinal de embaraçamento. Usou e abusou dos erros que foram propositalmente errados para darem certo.
As várias histórias sobre encontros inusitados com músicos que Anderson ainda conta durante o espetáculo são outro indicio de que a música não é o protagonista na proposta desse show. Embora essas histórias sejam tão fascinantes que qualquer fã adoraria ouvir mais delas durante o espetáculo. E Anderson é bom nisso! Você até poderia sentir o cheiro da fumaça quando ele contou sobre a experiência de ter fumado maconha com Robert Plant.
Assim como no show de 2011, as músicas de Olias of Sunhillow, disco solo de Jon Anderson lançado em 1976, caíram muito bem no setlist. Mas nem mesmo nesse momento ele esquecia de dar o recado à seus ex-companheiros de Yes: “Quando todos os integrantes do Yes decidiram gravar um disco solo em 1976, eu também decidi fazer o meu, só que eu fui o único a laçar um disco autenticamente solo”, alfinetou.
A conclusão é que independente da visão do observador (mais crítica ou romântica), a experiência de assistir a um show de Jon Anderson continua sendo fascinante. Isso porque a música do Yes é tão arrebatadora que mesmo reduzida a cinzas ela ainda consegue emocionar multidões. Jon Anderson percebeu isso e inteligentemente tem usado a seu favor. Um a zero, Jon.